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Desburocratizar sem diálogo: Avanço técnico, retrocesso democrático?

Reflexão sobre a ausência da advocacia na elaboração do novo Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro de MG e a defesa de seu papel essencial na justiça extrajudicial.

11/4/2025

A entrada em vigor do novo Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro de Minas Gerais, por meio do provimento conjunto 142, publicado em 28/1/25, representa, sem dúvida, um avanço importante para a modernização dos mecanismos extrajudiciais no âmbito do Estado de Minas Gerais. Com foco na desburocratização, celeridade e segurança jurídica, o novo texto consolida mudanças significativas que impactam diretamente a vida dos cidadãos — e, naturalmente, o cotidiano da advocacia.

Entre as alterações promovidas, merece destaque a possibilidade de lavratura de inventário mesmo na presença de herdeiros menores ou incapazes, desde que atendidos os critérios legais. A inovação representa uma alternativa viável para a resolução extrajudicial de conflitos sucessórios, reduzindo a judicialização e promovendo soluções mais rápidas e eficazes. Também relevante é a adjudicação compulsória diretamente no cartório, que confere agilidade e efetividade a situações que, até então, dependiam exclusivamente da via judicial para a regularização da propriedade.

Outras medidas, como a possibilidade de escolha de regime de bens diferente da separação obrigatória para maiores de 70 anos, a conversão da união estável em casamento diretamente no cartório, a flexibilização da retificação de área de imóveis e a dispensa da apresentação de certidão negativa de débitos da Receita Federal em determinadas hipóteses, ilustram avanços relevantes e alinhados à realidade prática da advocacia extrajudicial.

É preciso reconhecer, com clareza, que a desburocratização é um caminho necessário e urgente não apenas para melhorar o acesso aos serviços públicos, mas também para aliviar o congestionamento do Poder Judiciário, cuja morosidade é uma queixa recorrente da sociedade.

A título de exemplo, conforme dados atualizados pelo portal Justiça em Números do CNJ até 28/2/25, o tempo médio entre o início do processo e o primeiro julgamento nos tribunais estaduais, em ações de conhecimento na esfera cível (excluindo-se matéria criminal), é de 632 dias — o equivalente a 1 ano e 8 meses. No caso específico do TJ/MG, esse tempo sobe para 771 dias, ou 2 anos e 1 mês. São prazos que, embora decorram de múltiplos fatores, reforçam a necessidade de alternativas extrajudiciais mais acessíveis, eficientes e seguras.

Nesse contexto, os avanços promovidos pelo novo Código merecem ser reconhecidos. O que se questiona, no entanto, não é o mérito da norma, mas a forma como ela foi construída: sem a participação institucional da advocacia mineira, representada pela OAB/MG.

A CF/88, em seu art. 133, afirma que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. E essa justiça, cada vez mais, não se limita aos tribunais. Com a valorização dos meios extrajudiciais de solução de conflitos, a presença da advocacia em cartórios se tornou fundamental. São os advogados e advogadas que acompanham as famílias em inventários, que formalizam negócios jurídicos, que contribuem para assegurar a legalidade de escrituras, registros e contratos. Ignorar esse papel no processo normativo é um equívoco muito além de institucional, é uma afronta à validade do art. 133 da CF/88.

Não se trata de busca por protagonismo corporativo, mas de coerência democrática. A participação da advocacia mineira poderia ter enriquecido ainda mais o novo Código, trazendo contribuições técnicas e vivências práticas que só quem está na ponta do atendimento ao cidadão consegue oferecer. Normas mais justas, aplicáveis e sensíveis às realidades locais certamente seriam alcançadas com esse diálogo aberto.

Ao se criar um novo Código de Normas sem ouvir a advocacia que atua diariamente nessas frentes, corre-se o risco de elaborar diretrizes desconectadas da realidade prática, ignorando obstáculos enfrentados na ponta e, por consequência, enfraquecendo a efetividade das próprias medidas de modernização propostas.

Ignorar a experiência prática da advocacia que, por sua vez, vivencia cotidianamente os gargalos, as dificuldades e os pontos de conflito entre a lei, a norma e a realidade social é perder valiosa oportunidade de ouvir quem conhece a ponta do sistema.

A OAB/MG, enquanto entidade representativa de uma das funções essenciais à administração da justiça, deveria ter ocupado assento nesse processo, ao lado de magistrados, delegatários e servidores do Tribunal de Justiça mineiro. Sua ausência institucional contrasta com o espírito de diálogo republicano que deve pautar todas as construções normativas que afetam diretamente a sociedade e os profissionais do Direito.

É preciso reconhecer que essa omissão pode e deve ser corrigida. O momento é propício para que a OAB/MG, por meio de suas comissões especializadas, promova um debate aberto sobre os impactos do novo Código e proponha ajustes técnicos, complementações e aprimoramentos visando aproximar a norma da realidade cotidiana experimentada pela advocacia e pela sociedade.

Mais do que apontar uma falha, o papel da advocacia é contribuir — como sempre fez — para o fortalecimento das instituições e para a promoção da justiça em sua forma mais ampla. Que o diálogo se restabeleça, e que a indispensabilidade da advocacia não seja lembrada apenas nos discursos solenes, mas também nos espaços onde as regras do jogo são escritas.

Higor Magid Lauar de Castro Vieira
Sócio fundador do escritório Magid Lauar de Castro - Sociedade de Advogados, Controlador Geral de Curvelo - MG e Diretor de Capacitações e Eventos do CONECI-MG.

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