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Pejotização em suspense: STF reacende debate sobre contratação PJ

Com a suspensão das ações sobre pejotização, o STF reacende o debate sobre os limites da contratação PJ e a urgência de segurança jurídica para empresas e profissionais.

17/4/2025

A recente decisão do STF, que suspendeu em todo o território nacional as ações trabalhistas que discutem a contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços, marca um dos momentos mais relevantes para o ambiente empresarial brasileiro desde a reforma trabalhista de 2017. Ao determinar a paralisação dos processos até o julgamento definitivo do Tema 1389 da repercussão geral, o ministro Gilmar Mendes escancarou uma realidade que empresários, advogados e juristas enfrentam há anos: a dissonância prática entre o que está na lei e o que vem sendo decidido no dia a dia da Justiça do Trabalho.

A reforma trabalhista foi clara ao permitir a terceirização de qualquer etapa do processo produtivo, inclusive a atividade-fim. Essa flexibilização, tão aguardada por diversos setores, abriu espaço para uma dinâmica moderna de contratações, mais compatível com a realidade econômica, tecnológica e empreendedora do país. No entanto, ao mesmo tempo em que reconheceu a licitude da terceirização, a legislação se mostrou omissa quanto aos critérios objetivos para sua implementação segura. A exigência genérica de “autonomia e independência” para validar a contratação de pessoas jurídicas se tornou uma brecha interpretativa que, ao invés de pacificar, fomentou insegurança.

Foi a partir daí que surgiu um dos maiores paradoxos do nosso sistema jurídico. O STF já havia se posicionado no sentido de que a terceirização, inclusive da atividade-fim, é lícita. Em diversas oportunidades, reiterou que a contratação de prestadores de serviço sob o regime de pessoa jurídica não configura vínculo de emprego, desde que não haja fraude. Apesar disso, a Justiça do Trabalho seguiu, de forma sistemática, desconsiderando essas diretrizes e aplicando o reconhecimento de vínculo empregatício com base em interpretações subjetivas, muitas vezes ancoradas apenas na natureza da atividade exercida ou no tempo de prestação do serviço

Essa desconexão institucional gerou uma verdadeira avalanche de condenações, principalmente contra pequenas e médias empresas, que passaram a viver sob o constante risco de verem suas estratégias de estruturação contratual serem desconsideradas por decisões trabalhistas. O que se viu foi uma criminalização indireta da pejotização, mesmo quando adotada com critérios, com contratos bem elaborados, em conformidade com a legislação civil e comercial vigente

A decisão do STF de suspender as ações em curso e aguardar o julgamento do mérito é, na prática, um freio necessário. Pela primeira vez, a Corte se posiciona não apenas sobre a licitude da terceirização, mas sobre a necessidade de definir, de forma vinculante, quais são os limites entre fraude e liberdade contratual. Mais do que isso, está em pauta a própria competência da Justiça do Trabalho para julgar esse tipo de relação, que, na maioria das vezes, se estabelece entre duas pessoas jurídicas e guarda natureza eminentemente comercial

A expectativa, agora, é de que o Supremo estabeleça diretrizes claras e objetivas. Que se reconheça a legalidade da pejotização quando baseada em autonomia real, ausência de subordinação, e liberdade de organização do prestador. Que se reconheça também que não cabe à Justiça do Trabalho julgar relações contratuais entre empresas autônomas, regidas por contratos civis, com cláusulas pactuadas de forma livre. A simples existência de um CNPJ não pode ser tratada como disfarce fraudulento sem que se verifique, de fato, a existência dos elementos do vínculo de emprego

Estamos diante de um momento histórico. Se a decisão final do STF caminhar no sentido da coerência institucional e do respeito à liberdade econômica, como parece indicar o posicionamento do ministro relator, avançaremos em direção à segurança jurídica tão necessária ao desenvolvimento empresarial do país. Mas é preciso atenção: a suspensão das ações não significa carta branca. A contratação de PJ continua sendo uma ferramenta legítima, desde que utilizada com responsabilidade, estrutura contratual adequada e conduta empresarial compatível

É por isso que, mais do que nunca, é fundamental que empresários e profissionais autônomos compreendam o que está em jogo. Contratar PJ não é o problema. O problema sempre foi fazer isso sem critério, sem estratégia e sem compreender os riscos envolvidos. E é justamente essa clareza que o julgamento do STF deve proporcionar. Que venha a segurança, que venha a coerência. O Brasil empresarial precisa — e merece — isso.

Kelly Viana
Advogada e CEO do KASV Advocacia Empresarial, escritório comprometido em desenvolver estratégias jurídicas inovadoras e seguras para potencializar o crescimento de negócios e reduzir riscos legais.

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