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A ascensão da IA no Brasil exige colaboração e ética

O avanço da IA exige compromisso ético e colaboração contínua entre setores para promover uso responsável e inclusivo no Brasil.

22/4/2025

Desde a Revolução Industrial, a humanidade vem testemunhando saltos tecnológicos que transformam diversos aspectos ao nosso redor, como a forma como trabalhamos, nos comunicamos e vivemos. A Inteligência Artificial (IA) é o mais recente desses avanços, e sua influência está se espalhando por todos os setores da sociedade. 

O conceito de máquinas capazes de “pensar” não é novo. Ele remonta a meados do século XX, quando Alan Turing, matemático britânico, propôs o famoso “Teste de Turing” em 1950, questionando se máquinas poderiam demonstrar comportamento inteligente semelhante ao humano. 

Ao longo das décadas seguintes, o desenvolvimento da IA avançou a passos largos, especialmente com o surgimento do aprendizado de máquina (Machine Learning) e das redes neurais artificiais. No Brasil, o impacto da computação cognitiva começou a ser sentido de maneira mais consistente nas últimas décadas, especialmente com a disseminação da internet e o acesso democratizado aos avanços digitais. 

Embora os primeiros esforços de automação estivessem concentrados em áreas industriais e comerciais, foi nos últimos anos que as soluções disruptivas começaram a ganhar relevância em áreas como Direito, Saúde, Educação e Serviços Públicos. 

Dados indicam crescimento da IA

O mercado de Legaltech no Brasil, que abrange o uso de tecnologias inovadoras aplicadas ao universo jurídico, tem apresentado um crescimento expressivo nos últimos anos. Entre 2022 e 2023, o setor registrou um aumento de 35%, refletindo o interesse crescente por soluções que visam aprimorar a eficiência, acessibilidade e transparência dos processos legais. 

Esse crescimento não é isolado, mas sim resultado de uma transformação estrutural na forma como o Direito é praticado e administrado, especialmente diante de um sistema legislativo massivo e complexo. Diversas iniciativas, tanto do setor privado quanto de órgãos públicos, buscam explorar o potencial da inovação para transformar a advocacia e facilitar o alcance à justiça. 

Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou um investimento de R$1,2 bilhão em projetos relacionados à Inteligência Artificial até 2025. Este aporte é destinado a fomentar pesquisas, desenvolver soluções inovadoras e promover a exploração ética e segura da IA em diferentes áreas, incluindo o Direito. 

Como essas iniciativas podem ser sentidas no setor jurídico?

Os dados mostram que existem efeitos, movimentações e incentivos em torno da IA, mas como isso tem se refletido na prática profissional? O impacto não é uniforme — ele atinge diferentes áreas com intensidade e objetivos distintos, mas sempre com o propósito comum de tornar o Direito mais funcional, acessível e relevante. 

Por exemplo, ferramentas como a ADVBOX permitem uma gestão de tempo e processos, automatizando tarefas como análise de contratos, triagem de casos e monitoramento de jurisprudências. E qual é o efeito disso? Tempo economizado, precisão elevada e redução de custos. 

Isso porque a sistematização não é somente fazer as tarefas mais rápido; na verdade, trata-se de mudar o foco dos profissionais, retirando-os de tarefas mecânicas para que possam atuar onde há prioridade das habilidades humana. 

Hoje, um sistema inteligente é capaz de redigir contratos, petições e pareceres com base em modelos previamente analisados, ajustando-os de acordo com as necessidades específicas de cada um. Até mesmo o atendimento com uso de sistemas facilita o dia a dia da advocacia, realizando o suporte inicial de clientes, triando demandas e direcionando casos para os especialistas adequados. 

A combinação dessas funcionalidades é o que de fato está transformando o campo legal. Mas isso significa que os advogados serão substituídos? Não. Na verdade, a tecnologia vem para aprimorar a qualidade dos trabalhos e facilitar procedimentos, ou seja, atuando como uma parceira. 

Enquanto a Inteligência Artificial lida com tarefas técnicas e repetitivas, os juristas podem dedicar seu tempo e esforço a atividades essencialmente humanas, como: 

E a sociedade, como se beneficia?

Em meio aos mais de 1,5 milhão de advogados no Brasil, muitos ainda enfrentam a necessidade de lidar com um volume imenso de ações. No Judiciário, o acúmulo de casos resulta em uma lentidão sem precedentes. Muitas vezes, o que poderia ser resolvido em semanas exige anos de espera. 

Mas as mudanças felizmente estão criando novas possibilidades. Esses avanços representam uma tentativa clara de superar desafios estruturais do tribunal brasileiro, que incluem o acúmulo massivo de demandas, a morosidade das decisões, a falta de alcance equitativo à justiça e a dificuldade de prever resultados.

Digitalização de processos

Com o uso de plataformas como o Processo Judicial Eletrônico (PJe), os tribunais nacionais conseguiram eliminar gradualmente a dependência de documentos físicos, permitindo um acesso mais rápido e eficiente aos autos. Os principais impactos são 

Resolução de disputas online

A resolução de disputas online é uma alternativa para problemas que tradicionalmente sofrem com burocracia e demora excessiva. Por meio de sistemas que facilitam acordos extrajudiciais e mediações virtuais, é possível resolver conflitos de maneira ágil e com custos reduzidos. Seus principais benefícios são os seguintes: 

 Escritórios que utilizam essas plataformas conseguem solucionar litígios em dias, ao invés de anos, o que representa um ganho notável para clientes e profissionais. 

Triagem automatizada de processos

A automação da triagem processual é uma aplicação prática da IA que permite que ações sejam classificadas e priorizadas com base em critérios estabelecidos. Ferramentas avançadas conseguem analisar milhares de casos simultaneamente, identificando aqueles que demandam atenção urgente. Além de otimizar o processamento de ações, essa tecnologia traz benefícios como: 

Inteligência preditiva

A análise preditiva é provavelmente um dos avanços mais promissores e disruptivos da Inteligência Artificial aplicada ao Direito. Ao avaliar registros de decisões anteriores e identificar padrões, os algoritmos conseguem prever com alta precisão os possíveis desfechos de novos casos. Com isso, a análise preditiva contribui diretamente para: 

Ferramentas que oferecem previsões baseadas em diagnósticos estatísticos ajudam advogados a formular argumentos mais convincentes e a alinhar expectativas com seus clientes de maneira realista.

Desafios relacionados à adoção da Inteligência Artificial

De acordo com dados do IBGE referentes a 2023, apenas 22% das empresas brasileiras utilizam Inteligência Artificial, evidenciando os desafios de adoção dessa tecnologia no país. Esse número mostra que existe uma lacuna considerável entre o potencial proporcionado pela IA e sua funcionalidade prática no ambiente corporativo nacional. 

Analisando os resultados da pesquisa, é evidente que uma parte significativa da resistência do setor jurídico em empregar a IA está relacionada a preocupações com segurança e privacidade.

Essa cautela é justificada, pois ainda existe um grande desconhecimento sobre como os modelos executam e armazenam dados.

Quem utiliza ferramentas como o ChatGPT — que se torna cada vez mais comum —, por exemplo, precisa entender que os conteúdos inseridos são enviados para os servidores da OpenAI nos Estados Unidos, frequentemente por meio de intermediários. Durante essa etapa, é possível que as informações sejam retidas ou armazenadas em diferentes fases do processo. Isso levanta uma série de questionamentos importantes: 

Os dados enviados incluem informações pessoais identificáveis?

Há conteúdos sensíveis do ponto de vista comercial envolvidos?

Os clientes consentiram com o tratamento dessas informações conforme essa metodologia?

Os provedores envolvidos na cadeia de processamento oferecem termos claros e medidas de segurança adequadas para proteger os materiais? 

Essas problemáticas precisam ser abordadas de forma transparente e rigorosa, especialmente em um segmento que lida com informações confidenciais e onde a confiança é indispensável 

No entanto, não existe no Brasil uma legislação específica que regulamente o uso da Inteligência Artificial de modo abrangente. Embora existam projetos de lei em desenvolvimento e discussões no Congresso Nacional, ainda não há nada definido. 

Até que essas diretrizes sejam devidamente estabelecidas, é necessário adotar práticas que envolvam ética e bom senso, como: 

A ausência de regulamentação específica não deve ser um pretexto para a aplicação irresponsável da IA. Ao contrário, é uma oportunidade para demonstrar comprometimento com a ética, a segurança e a responsabilidade profissional. 

Impactos da colaboração na inovação jurídica

O caminho para uma integração harmoniosa entre Direito e Inteligência Artificial não é linear nem isento de obstáculos. Requer adaptabilidade, formação contínua e uma abordagem consciente quanto aos limites e possibilidades da inovação. Mais importante ainda, exige uma compreensão de que a computação cognitiva não substitui o advogado, mas amplia seu alcance e potencial de impacto. 

Poutro lado, o trabalho colaborativo pode trazer resultados concretos para toda sociedade. Quando juristas, profissionais da tecnologia, legisladores e usuários finais unem esforços em prol de objetivos comuns, os efeitos positivos são ampliados. 

A criação de plataformas que democratizam o acesso à justiça, a automação de processos que desafogam o Judiciário e a análise preditiva que oferece previsões mais precisas são exemplos de como a colaboração pode transformar desafios em oportunidades.

Eduardo Koetz
Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.

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