“Os direitos humanos não são violados somente pelo terrorismo, repressão, assassinatos, mas também pela existência de condições de extrema pobreza e de condições econômicas injustas que geram grandes desigualdades”. (Papa Francisco)
Desde que o argentino Jorge Mario Bergoglio se tornou o Papa Francisco, nos brindou com diversas demonstrações de humildade, humanidade e solidariedade, além de profunda consciência social.
Durante um encontro com crianças do projeto Fábrica da Paz, em 11/5/15, o Papa Francisco afirmou que é mais fácil "encher os presídios" que ajudar aqueles que erraram. Em resposta à pergunta de uma menina cujo pai estava preso, o Pontífice pronunciou:
"Deus perdoa tudo, somos nós quem não sabemos perdoar. Somos nós que não encontramos as estradas do perdão por tantas vezes, por incapacidade ou porque é sempre mais fácil encher os presídios do que ajudar a andar para frente quem errou na vida". Afirmando, ainda, que "É mais fácil descartar da sociedade aqueles que cometeram um grande erro. E condená-lo à morte deixando-o preso para sempre. O trabalho deve ser sempre a reinserção, a não deixá-los caídos."
Esta não foi a primeira vez e nem a última que o Papa Francisco se manifestou contra a fúria punitiva e o poder repressivo estatal. Em junho do ano de 2014 o Papa Francisco enviou carta ao seu conterrâneo Eugenio Raúl Zaffaroni, um dos maiores penalistas do mundo, neste sentido. A carta foi remetida para a Associação Latino-americana de Direito Penal e Criminologia e tem um claro conteúdo contra o endurecimento das penas e o aumento das punições, como nos informa o teólogo e estudante de Direito Wagner Francesco. Na referida carta, o Papa Francisco, como se penalista fosse, afirma que:
Em nossa sociedade tendemos a pensar que os delitos se resolvem quando se pega e condena o delinquente, não levando em consideração o antes dos danos cometidos e sem prestar suficiente atenção à situação em que as vítimas estão. Portanto seria um erro identificar a reparação somente o castigo, confundir justiça com vingança, o que só contribui para incrementar a violência, que está institucionalizada. A experiência nos diz que o aumento e o endurecimento das penas com frequência não resolvem os problemas sociais e nem consegue diminuir os índices de delinquência.
A delinquência, afirmou:
tem as suas raízes nas desigualdades econômicas e sociais, nas redes de corrupção e do crime organizado. E não basta termos leis justas, mas também é necessário construir pessoas responsáveis e capazes de as pôr em prática. Devemos querer uma justiça que seja humanizadora, genuinamente reconciliadora, que leve o delinquente para um caminho de reabilitação social e total reinserção da comunidade.
Em discurso feito perante uma delegação da Associação Internacional de Direito Penal, em outubro de 2014, o Papa Francisco condenou as execuções extrajudiciais e a pena de morte. Embora seja amplamente conhecido os vários argumentos contra a pena de morte, o Papa Francisco fez questão de distinguir alguns, como a possibilidade de erro judicial e o uso que lhe dão os regimes totalitários como “instrumento de supressão da dissidência política ou de perseguição das minorias religiosas ou culturais. Do mesmo modo, expressou-se contra a prisão perpétua “uma pena de morte disfarçada”.
No aludido discurso o Papa Francisco não se olvidou da trágica situação carcerária e dos sofrimentos impostos aos presidiários. Oferecendo uma verdadeira lição de direito, garantista e comprometido com a dignidade humana, Francisco assinalou que a prisão preventiva (sem condenação definitiva), quando usada de forma abusiva, constitui outra forma contemporânea de pena ilícita disfarçada.
Ao final do seu discurso o Papa, possivelmente sem conhecimento profundo do princípio da culpabilidade e dos que dele derivam como a individualização e a proporcionalidade da pena, se pronunciou em nome de um direito penal garantista comprometido com os direitos e garantias fundamentais, proclamando que:
O cuidado na aplicação da pena deve ser o princípio que rege os sistemas penais... e o respeito da dignidade humana não só deve atuar como limite da arbitrariedade e dos excessos dos agentes do Estado, como também como critério de orientação para perseguir e reprimir as condutas que representam os ataques mais graves à dignidade e integridade da pessoa.
Sempre crítico em relação ao sistema penal e o incremento das penas, em novembro de 2014 “em diálogos” com o preso Carmelo Musumeci – “homem sombra” (assim chamam, entre os presos, as pessoas condenadas a prisão perpétua) o Papa Francisco, com sua visão garantista e humanista, assevera que: “populismo penal, neste contexto, nos últimos dez anos se difundiu a convicção de que através da pena pública se possa resolver os problemas sociais mais diferentes, como se para as mais diversas doenças fosse recomendado o mesmo medicamento”.
É interessante observar as lições do Papa Francisco em matéria penal, principalmente quando se verifica que a sociedade brasileira, embora de maioria católica, caminha na contra-mão do que foi pregado pelo Pontífice.
As palavras, aqui lembradas, pronunciadas pelo Santo Padre são antes de tudo de respeito à dignidade da pessoa humana. Dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inc. III da Constituição de República).
O Papa Francisco nos deixou no último domingo de Páscoa, mas seu legado humanista permanece.