A promulgação da lei nº 15.109, de 14/3/25, que incluiu o §3º ao art. 82 do CPC, introduziu uma importante inovação ao prever o diferimento – que tecnicamente e semanticamente é diverso do instituto jurídico da isenção – das custas processuais nas execuções de honorários advocatícios.
A norma estabelece:
Art. 1º Esta lei altera a lei 13.105, de 16/3/15 (CPC), para dispensar o advogado do adiantamento de custas processuais em ações de cobrança e em execuções de honorários advocatícios.
Art. 2º O art. 82 da lei 13.105, de 16/3/15 (CPC), passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:
“Art. 82. (...) omissis:
§ 3º Nas ações de cobrança por qualquer procedimento, comum ou especial, bem como nas execuções ou cumprimentos de sentença de honorários advocatícios, o advogado ficará dispensado de adiantar o pagamento de custas processuais, e caberá ao réu ou executado suprir, ao final do processo, o seu pagamento, se tiver dado causa ao processo.” (NR)
No exato sentido da lei, há permissão legal que o pagamento das custas se dê ao final do processo, a norma visa garantir a efetividade da remuneração devida à advocacia, profissão essencial à justiça, conforme preceitua o art. 133 da Constituição Federal.
A constitucionalidade da norma, no entanto, tem sido questionada por alguns setores do Judiciário, especialmente no que tange à sua aplicação às custas estaduais. Em decisão recente em Vara Cível da Capital de São Paulo, foram levantados quatro fundamentos para a declaração de inconstitucionalidade da lei: (i) afronta ao art. 151, III, da CF, ao supostamente isentar tributo estadual por norma federal; (ii) vício de iniciativa, por ausência de propositura por órgão do Judiciário; (iii) necessidade de lei complementar para tratar da suspensão de exigibilidade tributária (art. 146, III, da CF); e (iv) violação ao princípio da igualdade.
Contudo, esses argumentos não resistem a uma análise jurídica técnica e rigorosa. A lei 15.109/25 não isenta o pagamento das custas — o que, de fato, caracterizaria inconstitucionalidade — mas apenas posterga sua exigibilidade para o momento da sentença, retirando eventuais entraves para que os advogados busquem o recebimento de seus honorários. Não há extinção do crédito tributário, mas apenas modificação no procedimento processual, perfeitamente cabível no âmbito do legislador federal, em matéria de sua competência. A medida é, neste diapasão, de natureza eminentemente processual, e se insere na competência da União para legislar sobre direito processual, conforme o art. 22, I, da Constituição.
Exemplo recente que valida a constitucionalidade da lei 15.109/25 pode ser encontrado na decisão da 2ª Vara Cível da Comarca de Jales/SP, no processo 1000864-32.2025.8.26.0297 do TJ/SP. Nela, a magistrada reconsiderou despacho anterior e aplicou expressamente o §3º do art. 82 do CPC, dispensando o exequente — advogado que cobrava honorários contratuais — do adiantamento das custas processuais. A cobrança foi corretamente postergada para o final do processo, como determina a nova redação legal. A decisão evidencia a natureza processual da norma e sua perfeita sintonia com o ordenamento jurídico, afastando a interpretação equivocada de que se trataria de uma isenção inconstitucional. Trata-se, portanto, de um importante precedente de aplicação prática que reforça o entendimento de que a norma é legal, legítima e necessária para a efetividade da função essencial da advocacia.
A jurisprudência do STJ já validou o diferimento de custas em hipóteses similares. Por exemplo, no Tema 16 “o INSS não está obrigado a efetuar depósito prévio do preparo por gozar das prerrogativas e privilégios da Fazenda Pública”, sob a sistemática de recursos repetitivos, a Corte assentou a validade do diferimento das custas recursais para o INSS, reconhecendo o caráter meramente processual da medida. Isso reforça a legitimidade da alteração promovida pela nova lei.
Cabe também destacar que, durante a tramitação legislativa, o projeto original previa a isenção das custas, mas a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados promoveu substitutivo, justamente para afastar qualquer vício de inconstitucionalidade. O texto aprovado e sancionado não extingue a obrigação tributária nos termos conceituais do art. 175 do CTN - Código Tributário Nacional, tampouco interfere nas receitas dos entes federativos, preservando o equilíbrio federativo e a sistemática de arrecadação e custeios dos tribunais de justiça.
No tocante à alegação de violação ao princípio da igualdade, também não se sustenta. A Constituição consagra o tratamento desigual entre os desiguais, conforme suas necessidades ou na medida de suas desigualdades, com o fim de alcançar a efetiva e verdadeira igualdade material. Portanto, a regra do diferimento busca justamente remover um dos principais entraves à efetivação do direito dos advogados ao recebimento dos seus honorários, verba de natureza alimentar. Trata-se, portanto, de uma medida de justiça material, que confere efetividade à função essencial da advocacia, sem causar prejuízos aos cofres públicos.
Conclui-se, portanto, que a lei 15.109/25 é absolutamente constitucional e legal, não se tratando de hipótese de isenção tributária ou de usurpação de competência legislativa; confusão conceitual inadmissível aos operadores do Direito. Ao contrário, reafirma o compromisso do ordenamento jurídico com a valorização da advocacia, a efetividade das decisões judiciais e o respeito ao devido processo legal e legislativo.
Repisa-se que a norma representa avanço na concretização do acesso à justiça, assegurando ao advogado o legítimo direito à sua remuneração, sem renunciar à arrecadação devida ao final do processo, valorizando o comando constitucional de que o “advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, do art. 133 da Constituição Federal de 1988.
Defender a constitucionalidade da lei 15.109/25 é defender a Constituição em sua essência: a de um Estado que reconhece seus pilares institucionais e honra aqueles que, como os advogados e as advogadas, atuam em sua linha de frente de busca e efetivação da justiça.
A advocacia não pleiteia privilégios — exige respeito institucional. E essa lei, enfim, concretiza, em parte, esse reconhecimento.