Não faltaram, nas últimas semanas, oportunidades para discutir as complexas dinâmicas do comércio internacional, especialmente diante das novas políticas comerciais dos Estados Unidos e seus impactos potenciais para o Brasil.
As implicações práticas dessas mudanças geopolíticas serão ainda maiores se se mantiverem as elevadas tarifas impostas pela China aos produtos estadunidenses.
Um horizonte mais claro sobre essas mudanças será possível após junho, término do prazo de 90 dias estabelecido pelo governo Trump para revisão das tarifas. É preciso destacar que, embora o Brasil mantenha relações históricas com os Estados Unidos, seu principal parceiro comercial hoje é a China, destino de aproximadamente 30% das exportações brasileiras. Paralelamente, esforços têm sido realizados para diversificar mercados, como demonstram os crescentes volumes exportados para Indonésia e Tailândia, países com crescimento populacional e aumento de renda. Esta estratégia é fundamental para reduzir vulnerabilidades decorrentes da excessiva concentração de parceiros comerciais, protegendo a economia brasileiracontra choques externos.
Para avançar nesta diversificação, contudo, é imperioso enfrentar questões históricas. A competitividade brasileira depende diretamente de reformas estruturais urgentes: a reforma tributária, já em andamento, necessita ser acelerada para reduzir custos produtivos; a logística, notoriamente dispendiosa e ineficiente, requer melhorias imediatas na infraestrutura portuária e aeroportuária; simplificar processos burocráticos e estabelecer mecanismos eficazes de financiamento às exportações são igualmente prioridades inadiáveis.
Quanto ao futuro das medidas protecionistas de Trump, podem ocorrer revisões, especialmente devido à pressão inflacionária que tais medidas inevitavelmente geram no mercado norte-americano. Independentemente desse cenário, está claro que a geopolítica tornou-se um fator estruturante nas relações comerciais internacionais. A competição estratégica entre Estados Unidos e China, exacerbada por preocupações com segurança nacional e controle sobre recursos estratégicos, ditará o ritmo do comércio global nos próximos anos.
As transformações geopolíticas globais vêm recalibrando dez fatores relevantes no comércio internacional. Um primeiro conjunto de mudanças se observa no âmbito das políticas comerciais e econômicas: acordos comerciais estão sendo redesenhados em meio a novas rivalidades estratégicas; tarifas e outras barreiras comerciais voltam a ser utilizadas como instrumentos de pressão econômica; e controles de importação/exportação, assim como controles de capitais, reaparecem à medida que nações buscam proteger setores sensíveis ou gerir volatilidades globais. Ao mesmo tempo, políticas industriais ressurgem em grandes economias — com incentivos domésticos significativos para setores estratégicos, como semicondutores e energia limpa — e políticas ambientais rigorosas tornaram-se parte integrante das regras do comércio, exemplificadas pela adoção de mecanismos de ajuste de carbono na fronteira e por exigências de sustentabilidade em cadeias produtivas. Esses fatores estão redesenhando cadeias globais de valor e exigem dos países emergentes, como o Brasil, uma adaptação ágil para não perder competitividade nem acesso a mercados-chave.
Paralelamente a esses movimentos econômicos, considerações de segurança passam a influenciar decisivamente os rumos do comércio. Muitas nações endurecem restrições ao investimento estrangeiro, filtrando capital externo em setores críticos por motivos de segurança nacional, e intensificam o controle sobre o comércio de minerais críticos, numa corrida para assegurar o suprimento de recursos estratégicos (por exemplo, terras-raras e lítio) em meio à rivalidade tecnológica entre as grandes potências. A expansão do uso de sanções e embargos — bem como a inclusão frequente de empresas e indivíduos em listas de restrições — fragmenta o sistema global de trocas, levando empresas a redirecionar cadeias de suprimento para mitigar riscos geopolíticos. Além disso, alianças estratégicas e de segurança estão redefinindo vínculos econômicos: coalizões que se estendem do Indo-Pacífico às parcerias transatlânticas moldam fluxos comerciais de acordo com alinhamentos políticos, frequentemente privilegiando acordos entre países aliados. Para o Brasil, essas dinâmicas representam um duplo desafio: de um lado, é preciso resguardar seus interesses comerciais diversificando parcerias e buscando inserção em novos acordos e cadeias de valor; de outro, torna-se crucial calibrar a política externa para aproveitar oportunidades (como suprir a demanda por minerais críticos ou atrair investimentos redirecionados devido a restrições em outros mercados) sem comprometer relações estratégicas de longo prazo.
Nesse contexto, países emergentes como o Brasil precisam refletir estrategicamente sobre como posicionar-se diante dessas tensões. Cabe ao Brasil uma atuação diplomática cautelosa, evitando confrontos diretos com os EUA, ao mesmo tempo em que se esquiva de um alinhamento automático com a China, posição que não atenderia aos interesses nacionais. Esse delicado equilíbrio demanda o fortalecimento do Mercosul, a efetivação do acordo com a União Europeia e a contínua diversificação de parceiros comerciais.
Em suma, as decisões tomadas hoje no cenário internacional terão implicações duradouras para o futuro da economia global. Nesse ambiente em transformação, cabe ao Brasil agir estrategicamente, defendendo interesses nacionais de forma pragmática, equilibrada e juridicamente robusta, sempre atento aos desdobramentos geopolíticos e suas implicações jurídicas e econômicas.