Trinta anos… um número redondo, um ciclo que se fecha e outro que se abre, como uma flor que se refaz a cada estação. Não é o peso do tempo, mas a dança da maturidade que agora veste a alma com seda e sol.
Aos dez anos, meninas sonham com ideais e desenham a alegria do futuro, aos vinte, corre-se contra o tempo, buscando espaço, voz, reconhecimento, como um rio impetuoso que desconhece suas margens.
Aos trinta, compreende-se que o tempo não precisa ser domado, mas vivido com a certeza de que cada passo trilhado pavimentou um caminho de resistência e mudança. Agora, o rio já aprendeu a contornar as pedras, a deslizar com a graça de quem sabe que cada curva tem sua poesia.
Se para uma mulher, completar três décadas é um marco de autodescoberta, para a Declaração de Direitos das Mulheres firmada em 1995, esses trinta anos simbolizam uma trajetória de resistência, conquistas e desafios ainda a serem superados.
Quando foi escrita, a Declaração ergueu-se como um manifesto de igualdade, um grito de justiça que ecoava séculos de silenciamento. Mais do que um compromisso firmado entre nações, tornou-se o alicerce de uma luta coletiva, um chamado para que governos, instituições e sociedades avançassem na construção de um mundo mais justo.
Como disse Cecília Meireles: "Liberdade – essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda."
Transcorridas três décadas o balanço dessa caminhada revela avanços significativos, mas também desafios persistentes. O relatório "Women’s Rights in Review: 30 Years After Beijing", publicado pela ONU Mulheres, apresenta um panorama abrangente sobre essa trajetória, destacando tanto as conquistas quanto os obstáculos que ainda limitam a plena igualdade de gênero.
Trinta primaveras depois, sabemos que a luta ainda não se encerra, mas também sabemos que já não aceitamos menos do que o que nos é devido. Se ontem precisávamos provar nosso valor, hoje reivindicamos nossa existência plena, sem concessões, sem porquês.
Aos trinta, uma mulher já aprendeu a erguer-se depois das quedas. A Declaração, da mesma forma, segue se reescrevendo com novas vozes, novos clamores, novas promessas. Ainda há leis para mudar, barreiras para derrubar, direitos para fortalecer.
O relatório "Women’s Rights in Review: 30 Years After Beijing", publicado recentemente pela ONU Mulheres, apresenta um panorama abrangente sobre os avanços e desafios dos direitos das mulheres desde a Conferência de Pequim em 1995. Com contribuições de 159 Estados-membros, o documento reflete sobre três décadas de conquistas, mas também evidencia as barreiras persistentes para a igualdade de gênero.
Esta análise examina os principais temas abordados no relatório, destacando os progressos alcançados, os desafios emergentes e as propostas para o futuro.
Muitos dados, muitas páginas, alguns destes alarmantes, como o alto número de casamentos com meninas em idades infanto juvenis. Tão denso que é, poucos leem o relatório, muitos somente o tornam midiático, mas alguns o usarão como ferramenta de reflexão para avanços necessários. Ainda bem!
Desde Pequim, avanços significativos foram registrados em diversas frentes. O relatório aponta que 88% dos países implementaram leis e serviços para combater a violência contra mulheres e meninas.
Além disso, houve avanços na participação feminina em cargos políticos e no mercado de trabalho, ainda que em ritmo lento. A proporção de mulheres em parlamentos mais que dobrou desde 1995, e mais países adotaram medidas para promover a inclusão econômica das mulheres.
Outro aspecto positivo é a ampliação do acesso à educação. Em diversas regiões, meninas agora superam meninos nas taxas de conclusão do ensino secundário. Também houve avanços na inserção de mulheres em STEM - ciência, tecnologia, engenharia e matemática, impulsionados por programas públicos e privados.
Apesar dos progressos, a desigualdade de gênero continua profundamente enraizada nas estruturas sociais e econômicas. O relatório destaca que a lacuna salarial entre homens e mulheres persiste, com as mulheres ganhando em média 20% a menos que os homens. Além disso, o trabalho não remunerado de cuidado continua sendo uma responsabilidade desproporcionalmente feminina, limitando as oportunidades de desenvolvimento profissional.
A violência contra mulheres e meninas continua sendo um dos maiores desafios globais. Mesmo com a ampliação das leis de proteção, 736 milhões de mulheres ainda enfrentam violência física ou sexual em algum momento de suas vidas. A proliferação de tecnologias digitais também trouxe novos desafios, com um aumento expressivo na violência de gênero facilitada pela tecnologia, como assédio online e deepfakes misóginos.
Outro ponto crítico é o impacto das crises globais, como a pandemia de Covid-19 e o agravamento dos conflitos armados. Esses fatores aprofundaram desigualdades existentes, levando a retrocessos nos direitos das mulheres, incluindo acesso limitado a serviços de saúde reprodutiva e aumento da pobreza feminina. A crise climática também é uma ameaça crescente, afetando desproporcionalmente mulheres e meninas em comunidades vulneráveis.
Diante desses desafios, a ONU Mulheres propõe a "Agenda Pequim+30", que identifica seis áreas prioritárias para avançar na igualdade de gênero:
- Fechar a lacuna digital: Garantir o acesso igualitário à tecnologia e à educação digital para mulheres e meninas.
- Erradicar a pobreza feminina: Expandir a proteção social, os serviços públicos e garantir condições dignas de trabalho para mulheres.
- Eliminar a violência de gênero: Fortalecer leis e serviços de proteção, promovendo um combate eficaz contra todas as formas de violência.
- Ampliar a participação política: Garantir a presença equitativa de mulheres em cargos de liderança e tomada de decisão.
- Garantir a paz e a segurança: Assegurar que as mulheres tenham papel ativo em processos de paz e ações humanitárias.
- Justiça climática: Colocar as mulheres no centro das decisões ambientais e garantir acesso igualitário a recursos sustentáveis.
Para que esses objetivos sejam atingidos, o relatório enfatiza a necessidade de aumentar o financiamento para políticas de gênero e fortalecer mecanismos de responsabilização governamental. Sem investimentos adequados, o progresso na igualdade de gênero continuará lento e desigual.
A Agenda 2030 da ONU reforça esse compromisso por meio da ODS 5 – Igualdade de Gênero, que busca eliminar todas as formas de discriminação e violência contra mulheres e meninas, garantir sua plena participação na vida política e econômica e reconhecer o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado.
Sem avanços concretos nessa agenda, nenhum progresso sustentável poderá ser alcançado, pois a igualdade de gênero é não apenas um direito fundamental, mas um pilar essencial para o desenvolvimento econômico e social. A Declaração de Pequim e a ODS 5 convergem no mesmo propósito: assegurar que nenhuma mulher seja deixada para trás, construindo um futuro mais justo, inclusivo e igualitário para todos.
No Brasil, a Câmara dos Deputados foi palco da exposição “Pequim + 30 e a igualdade de gênero no parlamento brasileiro”, organizada pela Secretaria da Mulher e pelo Centro Cultural da Câmara, onde o corredor Tereza de Benguela esteve preenchido de informações valiosas sobre a conferência e contou ainda com uma linha do tempo destacando fatos e momentos importantes da trajetória feminina na incansável busca pela igualdade.
O parlamento brasileiro vem avançando ao aprovar matérias que garantem a segurança e igualdade da mulher, como por exemplo, a lei Maria da Penha, lei do feminicídio, lei da violência política, lei da igualdade salarial, lei da política de cuidados, lei do protocolo não é não, e a lei que criou o selo “Empresa Amiga da Mulher”, além da cota de 30% de candidaturas femininas.
Vale destacar que o Congresso brasileiro possui, nesta legislatura (2023 – 2027), a maior bancada feminina de sua história, sendo 91 deputadas e 15 senadoras, e ambas as Casas Legislativas contam com a bancada feminina estruturada, atuante e com espaço garantido nas mesas diretoras.
Na política brasileira, muito está sendo feito, e os espaços, com muito trabalho e clamores femininos, estão sendo aos poucos ocupados. Porém, ainda assim, mesmo diante de tantas leis em vigor, ainda vivenciamos diariamente cenários trágicos e traços fortes de retrocesso.
Trinta anos após Pequim, o mundo ainda está longe de atingir a plena igualdade de gênero. Mas as conquistas dessas três décadas mostram que a mudança é possível. A Declaração segue viva, reescrevendo-se com novas vozes e clamores, reafirmando que liberdade, dignidade e justiça não devem ser meros ideais, mas realidades concretas.
É necessário e emergencial que personalidades de destaque ecoem e disseminem que pautas favoráveis às mulheres ainda precisam de espaço e de visibilidade. E aqui, citamos o legado do Papa Francisco, que dentro da instituição religiosa mais antiga (e mais politizada) do mundo, conseguiu promover a inclusão e a valorização das mulheres não só na Igreja, mas também fora dela.
Em seu papado, Francisco nomeou mulheres em cargos de liderança – antes exclusivos a homens; mulheres passaram a ter direito ao voto no Sínodo dos Bispos, participam do comitê que aconselha o Papa na escolha de novos bispos, auxiliam na criação do Conselho Feminino do Pontifício Conselho para a Cultura, promovendo a voz feminina na Igreja.
Papa Francisco também destacou a igualdade entre homens e mulheres como uma luta contínua, e reforçou em um discurso que “são as mulheres que levam o mundo adiante”. Em determinado pronunciamento, ainda defendeu o divórcio em casos de violência doméstica, sendo esta citada por ele como “moralmente necessária”.
Francisco se despediu no último dia 21, e o cenário da escolha de um novo líder do catolicismo é aguardado. Para as mulheres, resta a esperança de um novo líder que continue a levantar a bandeira em prol da igualdade e do respeito, valorizando o papel da mulher na sociedade. E claro, permanece sempre o desejo de que mais e mais líderes de todas religiões sejam entusiastas e ativistas nessa causa.
Vinícius de Moraes dizia que "a vida é a arte do encontro". E, neste encontro entre passado, presente e futuro, a luta pelos direitos das mulheres renova-se a cada dia. Não se trata apenas de recordar avanços, mas de garantir que cada primavera que virá fortaleça essa caminhada.
Porque, assim como uma mulher aos trinta, a igualdade de gênero não pede permissão para existir – ela se impõe, avança e transforma.