1. Introdução
A Campanha Nacional 2025 da ANADEP lança um chamado à ação: “Justiça Climática é Justiça Social”. Mais do que um lema, trata-se de reconhecer que a crise climática aprofunda desigualdades históricas e impacta, de forma desproporcional, populações vulnerabilizadas. Nesse cenário, a Defensoria Pública assume um papel estratégico na construção de um país mais justo, sustentável e igualitário.
2. Justiça climática
O Acordo de Paris (2015) reconhece “a importância para alguns do conceito de justiça climática” nas medidas para o enfrentamento das mudanças do clima. Embora seus efeitos atinjam toda a sociedade, recaem com maior severidade sobre grupos historicamente marginalizados — como mulheres, crianças, povos indígenas, comunidades negras e rurais, trabalhadores informais e pessoas em situação de pobreza — que paradoxalmente foram as que menos contribuíram para a tal crise.
A ONU alerta para uma tripla crise planetária — mudanças climáticas, perda da biodiversidade e poluição — que aprofunda desigualdades e empurra essas populações para zonas de sacrifício marcadas por degradação ambiental e ausência de direitos. No contexto da COP30, o Brasil tem promovido a “economia verde” como estratégia de transição energética, mas essa proposta é alvo de críticas por coexistir com políticas públicas que favorecem combustíveis fósseis e megaprojetos na Amazônia.
A resposta à crise exige ações articuladas, com protocolos comunitários e monitoramento de riscos baseados na melhor ciência disponível e nos saberes tradicionais. A Defensoria Pública deve integrar essas iniciativas, promovendo transparência, participação social e defesa de territórios vulnerabilizados, fortemente afetados por racismo ambiental e desigualdades estruturais.
Nesse cenário, mulheres e meninas enfrentam impactos desproporcionais, como sobrecarga nos cuidados, insegurança econômica e maior exposição à violência. É urgente adotar políticas públicas com perspectiva de gênero e abordagem interseccional, assegurando acesso à moradia, trabalho digno, saúde e proteção em contextos de emergência e reconstrução.
Com base na equidade real, na participação popular, na autodeterminação dos povos e no respeito aos limites ecológicos do planeta — além da responsabilidade comum, porém diferenciada — a justiça climática exige uma transição energética justa, adaptação com enfoque antirracista e redistribuição equitativa dos custos e benefícios. As políticas públicas devem considerar os impactos desiguais da crise climática e alinhar-se aos compromissos internacionais de direitos humanos e proteção ambiental.
3. Acesso à justiça climática
Garantir justiça climática é garantir acesso à justiça em sentido amplo: participar das decisões, proteger o território, resistir e obter reparação. A Defensoria Pública, por sua missão constitucional e capilaridade social, tem papel central nesse processo.
As políticas de adaptação e mitigação devem priorizar os grupos mais afetados e reconhecer a transversalidade da justiça climática e sua interface com todos os ramos do direito — direitos humanos, saúde, moradia, consumidor, infância, mulheres, idosos, sistema prisional, entre outros.
Nesse contexto, a tarifa social de água e esgoto (lei 14.898/24) representa um instrumento relevante para garantir o direito humano à água e ao saneamento — direito fundamental para a realização de uma vida digna. Cabe à Defensoria Pública assegurar sua aplicação e ampliar sua efetividade em comunidades vulnerabilizadas.
Entretanto, as limitações estruturais persistem. Segundo a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública (Condege, 2024), apenas 55,4% das comarcas brasileiras contam com atendimento da Defensoria, deixando cerca de 48 milhões de pessoas sem acesso ao serviço — justamente nas regiões mais vulneráveis à crise climática.
4. Um novo paradigma de acesso à justiça
A emergência climática desafia as instituições a se reinventarem. A Defensoria tem a oportunidade de liderar um novo paradigma de justiça territorializada, popular e transformadora.
Fortalecer o acesso à justiça climática é garantir que os grupos historicamente marginalizados participem das decisões que afetam seus modos de vida. Defensorias já atuam nesse sentido: monitoram créditos de carbono, defendem territórios, respondem a desastres e promovem formação institucional.
É urgente ratificar o Acordo de Escazú, fortalecendo a transparência dos processos de consulta ambiental, a participação pública e a proteção de defensores do meio ambiente, comunicadores e ambientalistas. Também é essencial a presença das Defensorias em espaços estratégicos, como a COP30, para garantir, dentre outros direitos, uma transição energética justa e popular.
Que a campanha “Justiça Climática é Justiça Social” seja o guia para que todas as Defensorias se reinventem à altura da emergência que enfrentamos.