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Justiça climática é justiça social: Defensoria Pública por um Brasil mais sustentável, justo e igualitário

A campanha “Justiça Climática é Justiça Social” destaca o papel essencial da Defensoria Pública na defesa dos mais vulneráveis frente à crise climática.

8/5/2025

1. Introdução

A Campanha Nacional 2025 da ANADEP lança um chamado à ação: “Justiça Climática é Justiça Social”. Mais do que um lema, trata-se de reconhecer que a crise climática aprofunda desigualdades históricas e impacta, de forma desproporcional, populações vulnerabilizadas. Nesse cenário, a Defensoria Pública assume um papel estratégico na construção de um país mais justo, sustentável e igualitário.

2. Justiça climática

O Acordo de Paris (2015) reconhece “a importância para alguns do conceito de justiça climática” nas medidas para o enfrentamento das mudanças do clima. Embora seus efeitos atinjam toda a sociedade, recaem com maior severidade sobre grupos historicamente marginalizados — como mulheres, crianças, povos indígenas, comunidades negras e rurais, trabalhadores informais e pessoas em situação de pobreza — que paradoxalmente foram as que menos contribuíram para a tal crise.

A ONU alerta para uma tripla crise planetária — mudanças climáticas, perda da biodiversidade e poluição — que aprofunda desigualdades e empurra essas populações para zonas de sacrifício marcadas por degradação ambiental e ausência de direitos. No contexto da COP30, o Brasil tem promovido a “economia verde” como estratégia de transição energética, mas essa proposta é alvo de críticas por coexistir com políticas públicas que favorecem combustíveis fósseis e megaprojetos na Amazônia.

A resposta à crise exige ações articuladas, com protocolos comunitários e monitoramento de riscos baseados na melhor ciência disponível e nos saberes tradicionais. A Defensoria Pública deve integrar essas iniciativas, promovendo transparência, participação social e defesa de territórios vulnerabilizados, fortemente afetados por racismo ambiental e desigualdades estruturais.

Nesse cenário, mulheres e meninas enfrentam impactos desproporcionais, como sobrecarga nos cuidados, insegurança econômica e maior exposição à violência. É urgente adotar políticas públicas com perspectiva de gênero e abordagem interseccional, assegurando acesso à moradia, trabalho digno, saúde e proteção em contextos de emergência e reconstrução.

Com base na equidade real, na participação popular, na autodeterminação dos povos e no respeito aos limites ecológicos do planeta — além da responsabilidade comum, porém diferenciada — a justiça climática exige uma transição energética justa, adaptação com enfoque antirracista e redistribuição equitativa dos custos e benefícios. As políticas públicas devem considerar os impactos desiguais da crise climática e alinhar-se aos compromissos internacionais de direitos humanos e proteção ambiental.

3. Acesso à justiça climática

Garantir justiça climática é garantir acesso à justiça em sentido amplo: participar das decisões, proteger o território, resistir e obter reparação. A Defensoria Pública, por sua missão constitucional e capilaridade social, tem papel central nesse processo.

As políticas de adaptação e mitigação devem priorizar os grupos mais afetados e reconhecer a transversalidade da justiça climática e sua interface com todos os ramos do direito — direitos humanos, saúde, moradia, consumidor, infância, mulheres, idosos, sistema prisional, entre outros.

Nesse contexto, a tarifa social de água e esgoto (lei 14.898/24) representa um instrumento relevante para garantir o direito humano à água e ao saneamento — direito fundamental para a realização de uma vida digna. Cabe à Defensoria Pública assegurar sua aplicação e ampliar sua efetividade em comunidades vulnerabilizadas.

Entretanto, as limitações estruturais persistem. Segundo a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública (Condege, 2024), apenas 55,4% das comarcas brasileiras contam com atendimento da Defensoria, deixando cerca de 48 milhões de pessoas sem acesso ao serviço — justamente nas regiões mais vulneráveis à crise climática.

4. Um novo paradigma de acesso à justiça

A emergência climática desafia as instituições a se reinventarem. A Defensoria tem a oportunidade de liderar um novo paradigma de justiça territorializada, popular e transformadora.

Fortalecer o acesso à justiça climática é garantir que os grupos historicamente marginalizados participem das decisões que afetam seus modos de vida. Defensorias já atuam nesse sentido: monitoram créditos de carbono, defendem territórios, respondem a desastres e promovem formação institucional.

É urgente ratificar o Acordo de Escazú, fortalecendo a transparência dos processos de consulta ambiental, a participação pública e a proteção de defensores do meio ambiente, comunicadores e ambientalistas. Também é essencial a presença das Defensorias em espaços estratégicos, como a COP30, para garantir, dentre outros direitos, uma transição energética justa e popular.

Que a campanha “Justiça Climática é Justiça Social” seja o guia para que todas as Defensorias se reinventem à altura da emergência que enfrentamos.

Ana Heloiza Souza
Defensora Pública do Estado do Maranhão. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Nacional de Direito - UFRJ. Integrante da Comissão de Justiça Ambiental e Climática da ANADEP.

Renata Gomes
Defensora Pública do Estado da Bahia. Cursa Doutorado em Ciências Jurídico Políticas na Universidade de Lisboa. Possui Mestrado em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Possui Mestrado em Segurança Pública, Justiça e Cidadania pela Universidade Federal da Bahia. Integrante da Comissão de Justiça Ambiental e Climática da ANADEP.

Samantha Souza
Defensora Pública do Estado do Espírito Santo. Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória. Integrante da Comissão de Justiça Ambiental e Climática da ANADEP.

Tânia Regina de Matos
Defensora Pública do Estado de Mato Grosso. Possui pós-graduação em Direitos Humanos e Contemporaneidade pela Universidade Federal da Bahia. Mestra em Política Social pela Universidade Federal de Mato Grosso. Cursa Doutorado em Direitos Humanos na Universidade Regional do Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Comitê sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da BPW Internacional. Integrante da Comissão de Justiça Ambiental e Climática da ANADEP.

Thalita Silva
Defensora Pública do Estado de São Paulo. Possui pós-graduação em Direitos Humanos e Acesso à Justiça pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Coordenadora do Programa de Justiça Climática da EDEPE (Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo) e da Comissão de Justiça Ambiental e Climática da ANADEP (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos). Coordenadora do Comitê de Meio Ambiente da BPW Brasil.

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