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A imagem pública do advogado - É necessário um reposicionamento?

A imagem pública do advogado se transforma ao longo da história. Contudo, atualmente, existem sinais que apontam para a fragilização da mesma, afetando o caráter essencial das suas atividades.

14/5/2025
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O ensejo do julgamento do RE 609.517 motiva uma necessária reflexão acerca da imagem pública do advogado atualmente.

A fala do Excelentíssimo ministro Flávio Dino, ao destacar uma incoerência no que se refere à natureza híbrida da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, revela as faces possíveis e mesmo as dificuldades do posicionamento do advogado no cenário público e, consequentemente, pode afetar a compreensão da natureza suas funções e o atendimento das prerrogativas que lhe cabem.

Aparência e essência – Uma estranha indispensável

Como é de se esperar, estas faces são atualizadas conforme alterações nos processos sociais, demandando formas de atuação distintas, adequação aos procedimentos típicos da época e mesmo a abertura de um leque de compreensões acerca das motivações humanas para o conflito e as possíveis soluções disponíveis cultural e juridicamente.

Em termos essenciais, contudo, o advogado exerce atribuições umbilicalmente atreladas à Justiça, valores correspondentes, ética, modus operandi, sistemas, costumes, etc. Neste sentido, embora não seja um integrante estrutural do Poder, como um juiz o é, as suas funções relacionadas à Justiça são fortemente marcadas de matizes públicas.

Infelizmente, é o óbvio que precisa ser lembrado.

Isto porque, atualmente, a imagem pública da advocacia parece estar quase que totalmente destacada da sua condição de partícipe. Não mais um agente que visa, ao provocar soluções do Judiciário, atender à finalidade de fazer valer o Estado de Direito e suas leis; mas sim um estranho, embasado por interesses puramente privatistas e totalmente alheio às questões públicas que “realmente importam”.

A mensagem que está no ar

A impressão que se espalha em certos recantos é que os advogados são uma espécie sui generis de incômodo para as serventias. Figuram como agentes com as quais é necessário lhe dar, mas que, se houvesse opção, talvez pudessem ser dispensados.

Vejam-se os casos das “sustentações orais” em julgamentos assíncronos; tempos de fala reduzidos em sessões, audiências previstas nos Códigos como indispensáveis e que não são marcadas, honorários sucumbenciais diminutos, etc.

Mesmo em alterações práticas, como as de um sistema de tramitação dos processos, os advogados muitas vezes não são consultados devidamente. Não são participantes. Sequer são considerados como interessados. E não calha falar dos convites feitos pro forma, que de nada servem – já que não há interesse sincero que o convidado compareça.

Entenda-se que a imagem pública motiva posturas, comportamentos em relação à certas personas. Basta lembrar quanto sofrem os motoboys honestos por força do uso de motos para prática de crimes. Uma coisa é associada a outra, vieses vão se consolidando e por aí segue a estrada.

Ora, se o advogado é coletivamente imaginado como alguém que visa atender interesses meramente (destaca-se o meramente) privatistas, fica difícil concatenar suas funções com as do Poder Judiciário e com aquilo que é de dimensão pública. É necessário refazer o link, retomar o fio.

Uma hipótese é que se entenda como marcadamente privado quanto a certos aspectos de estrutura, mas predominantemente público enquanto função. Não se vislumbra incompatibilidade, mas faces distintas da mesma moeda.

Nosso dia-a-dia

Neste momento, milhares e milhares de advogados estão realizando o primeiro crivo junto aos cidadãos que lhes procuram. Estão avaliando o cabimento ou não de ações. Estão orientando sobre formas diversas de resolução de conflitos – sem que sequer haja uma mínima intervenção direta do Judiciário. Estão prevenindo tais conflitos em várias camadas sociais, com avaliação de riscos e planejamento jurídico. Estão acolhendo, em linha de frente, diversas atribulações afetivas de seus clientes.

Em ato de fé na Justiça (como diria Piero Calamandrei), estão provocando as forças do Judiciário para auxiliar seus clientes em suas necessidades enquanto cidadãos, seres participantes da coletividade. Estão mesmo explicando decisões que lhes foram desfavoráveis e que não possuem qualquer conexão com seu caso. Elucidando como o processo funciona e quais as funções de cada participante do mesmo, etc.

Para fazer isso com eficiência e competência, o advogado precisa de recursos, de investimentos, de estruturas que atendam aos cidadãos que lhe procuram e possibilitem sua atuação de forma adequada. Exerce, portanto, muitas funções públicas e que afetam à Justiça, mas com certa estrutura privada.

Neste sentido, talvez seja “o primeiro juiz da causa”. Melhor seria perceber, com todas as vênias aos que estão enviesados por esta imago, que além deste tipo específico de “juiz”, o advogado é muitas coisas mais, coisas afeitas às suas peculiares funções públicas e coisas que a sua estrutura privada exige (como entendimento acerca da alocação de investimentos no escritório, por exemplo).

Por isso o seu Estatuto é uma lei e não um documento privado. Por isso seus deveres são muitos e exigentes. Por isso necessita de prerrogativas, imunidades, inviolabilidades e deve contestar privilégios. Por isso e ao mesmo tempo, precisa de honorários dignos e que sua imagem pública reflita a valorização que merece.

Cá entre nós

Para a advocacia é necessário pensar no que temos feito ou deixado de fazer para que esta imagem pública esteja se consolidando. Mais: refletir e planejar imediatamente caminhos para retirada deste lugar que não nos pertence.

Um realinhamento cultural é extremamente bem-vindo, fomentando o reposicionamento do advogado na sociedade em geral – contribuindo assim para que sua imagem pública seja fortalecida e mais condizente com o seu papel para o Estado Democrático de Direito e nuances sociais.

Diga-se com respeito e sinceridade: se há advogado que pensa não exercer função pública de relevância, acreditando-se um ente privado sem repercussões significativas na vida social, está bastante enganado e totalmente fora de conexão com sua profissão. Igualmente está enganado aquele que, não vivenciando os amores e dores da advocacia, assim também pensa.

Autor

Bruno Amaral Advogado, sócio da firma ADVOCACIA AMARAL, MACHADO & PRAZERES

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