Migalhas de Peso

Nova era para o crédito rural em sistemas de integração, o que a resolução CMN 5.195/24 revela sobre o papel das agroindústrias

Nova resolução do CMN exige maior transparência, governança e rastreabilidade das agroindústrias em financiamentos com produtores integrados.

29/5/2025

Nem sempre as transformações no crédito rural chegam com tanto peso, mas quando o Conselho Monetário Nacional publica uma norma que afeta diretamente a forma como se financia a produção integrada de aves, suínos e peixes, é preciso parar, entender e reagir. A resolução CMN 5.195, de dezembro de 2024, marca o início de uma nova etapa na regulação das cadeias produtivas que operam sob regime de integração, exigindo das agroindústrias um novo patamar de controle, responsabilidade e transparência. E embora a norma tenha sido publicada no fim do ano passado, foi agora, entre abril e maio de 2025, que os reflexos começaram a ser sentidos com maior intensidade, especialmente com o início de fiscalizações mais acentuadas por parte dos agentes financeiros e reguladores, que passaram a cobrar efetivamente sua implementação.

O texto da norma não é apenas técnico, ele é estratégico. Ele exige que o financiamento esteja vinculado a contratos formais de integração regidos pela lei 13.288 de 2016. Isso quer dizer que não há mais espaço para relações informais, contratos frágeis ou estruturas que não contem com a participação de uma CADEC constituída e atuante. A Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração passa a exercer papel central, validando projetos, mediando parâmetros produtivos e, na prática, servindo como garantidora de equilíbrio na relação entre integradora e produtor.

Outro avanço concreto está na obrigatoriedade do DIPC - Documento de Informação Pré-Contratual, que deverá ser entregue ao produtor antes mesmo da formalização do contrato. A agroindústria integradora passa a ter o dever de fornecer informações claras, técnicas e validadas sobre os parâmetros da produção, os custos previstos, os objetivos zootécnicos e as estimativas de retorno econômico. Esse documento precisa estar em linha com o que a CADEC reconhece como praticável, e é com base nele que o produtor decidirá se adere ou não ao modelo proposto.

O detalhamento dos financiamentos também ganhou uma nova exigência, pois agora cada projeto deve trazer a identificação nominal de todos os produtores envolvidos, com CPF ou CNPJ e o valor individualizado do crédito. Isso assegura maior rastreabilidade, tanto para a instituição financeira quanto para a integradora, que passa a responder, de forma ainda mais direta, pela estruturação e execução do financiamento.

A resolução vai além e entra nos aspectos financeiros da relação. Estabelece que os insumos ou serviços antecipados pela agroindústria ao produtor não poderão ter encargos superiores à taxa de juros do financiamento rural concedido, protegendo o produtor contra repasses abusivos e exigindo que a integradora alinhe sua política de antecipações ao espírito do crédito subsidiado rural.

A regra ainda exige que todos os registros de aquisição de insumos, entrega dos animais, uso de instalações e cumprimento dos parâmetros técnicos fiquem arquivados e acessíveis, reforçando a importância da governança documental como mecanismo de conformidade.

Com isso, o que se vê é uma norma que, apesar de complexa, aponta para um futuro mais sólido no financiamento da produção integrada. Para as agroindústrias, não se trata apenas de atender a uma nova resolução, mas de repensar processos, revisar contratos e reforçar sua função como fiadoras do bom funcionamento da cadeia produtiva.

Quem atua como integradora precisa, a partir de agora, demonstrar não apenas capacidade técnica e financeira, mas também aderência regulatória e compromisso com a transparência contratual. O crédito rural segue existindo, mas passa a exigir um nível de estrutura institucional mais elevado, tanto do ponto de vista jurídico quanto operacional.

A resolução CMN 5.195 de 2024 não é um entrave, é uma oportunidade. Um novo capítulo em que as agroindústrias que assumirem seu papel com responsabilidade sairão fortalecidas. Em um setor onde previsibilidade e confiança valem tanto quanto eficiência produtiva, esse tipo de mudança não deve ser visto como um fardo, mas como uma alavanca.

Rodrigo Linhares Orlandini
Advogado do escritório Martinelli Advogados. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Univ. Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Digital pela Escola Brasileira de Direito.

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