Nem sempre as transformações no crédito rural chegam com tanto peso, mas quando o Conselho Monetário Nacional publica uma norma que afeta diretamente a forma como se financia a produção integrada de aves, suínos e peixes, é preciso parar, entender e reagir. A resolução CMN 5.195, de dezembro de 2024, marca o início de uma nova etapa na regulação das cadeias produtivas que operam sob regime de integração, exigindo das agroindústrias um novo patamar de controle, responsabilidade e transparência. E embora a norma tenha sido publicada no fim do ano passado, foi agora, entre abril e maio de 2025, que os reflexos começaram a ser sentidos com maior intensidade, especialmente com o início de fiscalizações mais acentuadas por parte dos agentes financeiros e reguladores, que passaram a cobrar efetivamente sua implementação.
O texto da norma não é apenas técnico, ele é estratégico. Ele exige que o financiamento esteja vinculado a contratos formais de integração regidos pela lei 13.288 de 2016. Isso quer dizer que não há mais espaço para relações informais, contratos frágeis ou estruturas que não contem com a participação de uma CADEC constituída e atuante. A Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração passa a exercer papel central, validando projetos, mediando parâmetros produtivos e, na prática, servindo como garantidora de equilíbrio na relação entre integradora e produtor.
Outro avanço concreto está na obrigatoriedade do DIPC - Documento de Informação Pré-Contratual, que deverá ser entregue ao produtor antes mesmo da formalização do contrato. A agroindústria integradora passa a ter o dever de fornecer informações claras, técnicas e validadas sobre os parâmetros da produção, os custos previstos, os objetivos zootécnicos e as estimativas de retorno econômico. Esse documento precisa estar em linha com o que a CADEC reconhece como praticável, e é com base nele que o produtor decidirá se adere ou não ao modelo proposto.
O detalhamento dos financiamentos também ganhou uma nova exigência, pois agora cada projeto deve trazer a identificação nominal de todos os produtores envolvidos, com CPF ou CNPJ e o valor individualizado do crédito. Isso assegura maior rastreabilidade, tanto para a instituição financeira quanto para a integradora, que passa a responder, de forma ainda mais direta, pela estruturação e execução do financiamento.
A resolução vai além e entra nos aspectos financeiros da relação. Estabelece que os insumos ou serviços antecipados pela agroindústria ao produtor não poderão ter encargos superiores à taxa de juros do financiamento rural concedido, protegendo o produtor contra repasses abusivos e exigindo que a integradora alinhe sua política de antecipações ao espírito do crédito subsidiado rural.
A regra ainda exige que todos os registros de aquisição de insumos, entrega dos animais, uso de instalações e cumprimento dos parâmetros técnicos fiquem arquivados e acessíveis, reforçando a importância da governança documental como mecanismo de conformidade.
Com isso, o que se vê é uma norma que, apesar de complexa, aponta para um futuro mais sólido no financiamento da produção integrada. Para as agroindústrias, não se trata apenas de atender a uma nova resolução, mas de repensar processos, revisar contratos e reforçar sua função como fiadoras do bom funcionamento da cadeia produtiva.
Quem atua como integradora precisa, a partir de agora, demonstrar não apenas capacidade técnica e financeira, mas também aderência regulatória e compromisso com a transparência contratual. O crédito rural segue existindo, mas passa a exigir um nível de estrutura institucional mais elevado, tanto do ponto de vista jurídico quanto operacional.
A resolução CMN 5.195 de 2024 não é um entrave, é uma oportunidade. Um novo capítulo em que as agroindústrias que assumirem seu papel com responsabilidade sairão fortalecidas. Em um setor onde previsibilidade e confiança valem tanto quanto eficiência produtiva, esse tipo de mudança não deve ser visto como um fardo, mas como uma alavanca.