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Bases e fundamentos da incorporação imobiliária: Uma perspectiva introdutória

Aspectos essenciais da incorporação imobiliária: um processo complexo de contratos e agentes, fundamental para assegurar a transparência e eficácia no mercado imobiliário.

2/6/2025

1. Breve conceito de incorporação imobiliária

A incorporação imobiliária, embora muito presente no cotidiano das pessoas, seus termos técnicos nem sempre são conhecidos por elas, tampouco sabem do que exatamente se trata.

Em alguns casos, isso se aplica até mesmo a profissionais do Direito, que podem encontrar dificuldades para explicar seu conceito.

De modo geral, a incorporação imobiliária pode ser conceituada como um empreendimento organizado para construção e alienação de imóveis, com posterior individualização em unidades autônomas.

Nesse mesmo sentido, como definição legal, embora vetado, o art. 28 da lei 4.591/1964 traz uma definição precisa:

[...] considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas1.

Na doutrina, destaca-se a definição de Melhim Namem Chalhub, também citada em artigo do professor Alexandre Junqueira Gomide2

[...] a expressão incorporação imobiliária tem o significado de mobilizar fatores de produção para construir e vender, durante a construção, unidades imobiliárias em edificações coletivas, envolvendo a arregimentação de pessoas e a articulação de uma série de medidas no sentido de levar a cabo a construção até sua conclusão, com a individualização e discriminação das unidades imobiliárias no Registro de Imóveis3

Assim, temos que a incorporação não é um ato isolado e único, mas composto por várias situações coligadas, tratando-se, resumidamente, da construção para alienação de coisa futura.

2. Agentes da incorporação

Para o seu desenvolvimento, são necessários alguns agentes, entre os quais merecem destaque: a) o proprietário do terreno, quando sua figura não se confundir com a do incorporador; b) a incorporadora; c) a construtora; d) os adquirentes. 

Importante notar que há distinção, embora muitas vezes se confundam, entre dois dos principais sujeitos citados anteriormente: a incorporadora e a construtora.

A primeira é a responsável pelo projeto em geral e é quem, inclusive, contrata a construtora para o desenvolvimento da obra. Já a segunda tem apenas as responsabilidades ligadas à obra em si, tais como questões técnicas, material, entre outras.

Contudo, como mencionado, é possível que a própria incorporadora tenha uma equipe própria para construção, tornando-se, assim, responsável também pela execução da obra.

E ainda, embora por questões de marketing as grandes incorporadoras sejam mais chamativas, nada obsta que empresas com menor poderio financeiro desenvolvam uma incorporação.

O ponto central é que sigam todo o rito prescrito na lei 4.591/1964.

No que se refere ao proprietário do terreno, ele pode ser o próprio incorporador, ou participar do empreendimento oferecendo como participação o terreno em troca de unidades futuras, por meio de um contrato de permuta.

Os adquirentes são aqueles que farão a compra das unidades autônomas. Ao celebrar a promessa de compra e venda passam a ser “investidores” da incorporação.

Por fim, é imperioso citar a figura dos corretores de imóveis. Embora sua presença não seja obrigatória, eles são, na maioria das vezes, quem faz o elo entre incorporadora (vendedora) e adquirente (comprador).

Em termos globais, estes são os principais agentes. Entretanto, é importante ressaltar que a incorporação imobiliária é extensa e depende dos esforços de várias outras pessoas para seu desenvolvimento e conclusão.

3. Formas de incorporação

A primeira forma de incorporação a ser analisada é a por empreitada. Em regra, é realizada por preço acordado anteriormente ao início da execução da obra, podendo ainda ser fixo ou mutável, ou seja, é possível estabelecer previsão contratual de alterações no valor da obra conforme se desenvolve, por variações no preço de materiais e mão de obra, como exemplo.

Normalmente, ocorre que ela tenha um custo maior do que o inicialmente previsto. Para essa alteração, os índices devem estar previstos de acordo com o art. 55 da lei 4.591/1964.

Apresenta-se ainda a figura da Comissão de Representantes do empreendimento, que deve observar o andamento da obra, verificar se a execução está nos moldes estabelecidos no contrato e cuidar dos reajustes, no caso de contratos com preços mutáveis, analisando se estes também estão nos padrões estabelecidos anteriormente.

Outra forma de incorporação imobiliária é a por administração, conhecida como “a preço de custo”, devido ao fato de que os próprios adquirentes realizam o pagamento da obra.

Essa modalidade talvez seja a que exige maior atenção aos detalhes. Já no contrato de incorporação deve constar o orçamento do custo da obra, nos moldes dos critérios estabelecidos na lei 4591/1964 com ênfase nos arts. 53, II e 59.

Mais um ponto importante, visando dar maior transparência aos envolvidos na construção, é que todos e quaisquer documentos relacionados à construção deverão ser emitidos em nome do condomínio. Além disso, eventuais contribuições dos condôminos deverão ser depositadas em conta bancária aberta em nome do condomínio, conforme o art. 58, I e II da referida lei.

Ou seja, a participação dos adquirentes é bastante ativa no desenvolvimento e controle das obras.

Por último, sendo a modalidade mais comum de incorporação imobiliária, é a por conta e risco do incorporador, ou nos moldes do art. 43 da lei 4.591/1964, alienação a preço fechado, caracteriza- se por ser aquela em que o incorporador realiza a alienação das unidades imobiliárias a prazo e preço certos.

Uma definição precisa sobre essa forma de incorporação é feita pelo professor Marcus Vinícius Motter Borges:

“Nessa modalidade, o incorporador, sendo ou não proprietário do terreno promove o planejamento de todos os custos para a construção da edificação, acrescenta a isso a sua margem de lucro e, então, forma o preço de alienação das futuras unidades autônomas. Esse preço é denominado de "preço fechado", pois - apesar de ser passível de reajuste, desde que predeterminado no contrato, - não comportará modificação após a celebração do contrato, seja por motivo de aumento nos custos da obra, ou pelo desejo de maior lucro do incorporador”4.

Outrossim, o incorporador assume todas as responsabilidades do empreendimento; em contrapartida, o adquirente se responsabiliza pelo pagamento do preço acordado.

4. Contrato de incorporação imobiliária

Antes de chegar ao contrato de incorporação, é necessário o arquivamento e registro no Cartório de Registro de Imóveis de um conjunto de documentos denominado Memorial de Incorporação. Esses documentos têm a finalidade de atestar a titularidade do terreno onde será feita a construção, a discriminação das suas frações ideais, entre outros fatores que elucidarão a forma pela qual será feito o empreendimento.

Esse é o marco inicial permissivo para as vendas, conferindo maior segurança jurídica acerca da legalidade e idoneidade da incorporação

Arquivado o memorial, viabiliza-se o início das vendas por meio do contrato de incorporação imobiliária. É a forma que o incorporador utiliza para alienar uma unidade futura, constituindo duas obrigações: a de fazer (construção) e a de dar (entrega do bem).

Noutro giro, o adquirente participa do contrato com a obrigação de realizar o adimplemento do valor acordado.

O modelo específico do contrato dependerá da forma como a incorporação será realizada.

Na incorporação por conta e risco do incorporador, como o incorporador estabelece o preço final do imóvel, o contrato utilizado é a promessa de compra e venda de unidade autônoma, a qual tem seus requisitos básicos no art. 104 do CC e 35-A da lei 4.591/19645.

Já nas incorporações por empreitada, preço de custo e preço máximo garantido, os adquirentes figuram mais como “sócios” da incorporação, por, mesmo que de forma indireta, participam mais do desenvolvimento das obras.

Desta forma, o contrato adequado é uma promessa de compra e venda da fração ideal de terreno com dever de construção, com base legal no art. 48 da lei 4.591/1964.

Ou seja, há obrigações: a compra e venda da fração ideal, bem como a construção.

Com isso, para adquirir uma unidade autônoma a ser construída, essas são as duas formas contratuais mais utilizadas, sem prejuízo de outros contratos, os quais podem variar pela característica do negócio a ser celebrado entre as partes.

5. Conclusões

A incorporação imobiliária, como exaustivamente analisado, é uma atividade complexa e multifacetada, com a participação de diversos agentes e a celebração de múltiplos contratos coligados, todos convergindo para a construção e alienação de unidades autônomas.

A compreensão aprofundada dos papéis dos agentes envolvidos - desde o proprietário do terreno e o incorporador, passando pela construtora, até os adquirentes e os corretores de imóveis – é crucial para mitigar riscos e garantir a lisura das operações.

Da mesma forma, o domínio das distintas modalidades de incorporação, seja por preço acordado (fixo ou mutável) ou por administração (a preço de custo), e das nuances contratuais que as regem, é indispensável para proteger os interesses de todas as partes.

A exigência do Memorial de Incorporação e a correta formalização dos contratos, como a promessa de compra e venda de unidade autônoma ou de fração ideal com dever de construção, são mecanismos legais que visam assegurar a transparência e previsibilidade do empreendimento.

Em suma, a incorporação imobiliária, em sua dinâmica e relevância para o desenvolvimento urbano e econômico do país, exige não apenas conhecimento técnico-jurídico aprofundado por parte dos operadores do direito, mas também conscientização e diligência por parte de todos os envolvidos.

_________

1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm

2 https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-edilicias/346852/incorporacao-imobiliaria-elementos-introdutorios-e-aspectos-praticos. Acesso em 30 maio. 2025.

3 CHALHUB, Melhim Namem. Incorporação Imobiliária. 5.Ed. revista, atualizada e

ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 7.

4 BORGES, Marcus Vinícius Motter. Curso de Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2021.p.12.

5 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

Gabriel de Campos Luz
Advogado. Formado em Direito (UEL), especialista em Direito e Negócios Imobiliários, Advocacia Contratual/Responsabilidade Civil e em Direito Notarial e Registral.

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