Falar em governança em empresas estatais, é atravessar uma estrada que passa pelo Direito, cruza a política e desemboca na estratégia nacional. Mas antes de falar em estruturas, comitês e normativos, é preciso reconhecer algo fundamental: nenhuma estatal é igual à outra. Cada uma carrega uma história, uma missão e uma complexidade que não se traduzem em manuais ou modelos prontos.
No Brasil, convivemos com estatais que vão do petróleo à habitação, da tecnologia ao desenvolvimento regional. Algumas estão listadas em bolsa de valores, submetidas ao escrutínio do mercado; outras são empresas públicas locais, voltadas a políticas públicas específicas. Há estatais que operam com margens estreitas, outras com impacto direto no PIB. Essa diversidade é um ativo, e não um obstáculo — desde que haja governança adequada à realidade de cada uma.
A estatal como instrumento de política pública
É importante repetir o que nunca deveria ter sido esquecido: uma estatal não é uma empresa como qualquer outra. Ainda que constituída como sociedade anônima e sujeita a dispositivos da lei 6.404/1976, ela tem um DNA público, voltado a um interesse coletivo que vai além do lucro.
Essa razão de existir deve ser constantemente reafirmada por meio da sua atuação concreta: oferecendo serviços onde o setor privado não chega, mantendo ativos estratégicos sob controle nacional, promovendo o desenvolvimento de regiões negligenciadas pelo mercado.
Não por acaso, o art. 173 da CF/88 condiciona a atuação direta do Estado na economia à relevância do interesse coletivo. Portanto, a legitimidade da estatal nasce de sua entrega social — e se mantém pela sua governança.
A lei das estatais e os desafios da aplicação prática
A lei 13.303/16 representou uma guinada. Ela consagrou pilares modernos de integridade, gestão de riscos e transparência, tentando alinhar as estatais brasileiras às melhores práticas internacionais. Foi um avanço inegável. Mas não resolve tudo.
A realidade mostra que governança não se implanta apenas com organogramas e códigos de conduta. Exige engajamento, conhecimento institucional, formação técnica e — sobretudo — adaptação ao contexto específico da empresa.
Não se pode aplicar a mesma régua a uma estatal que atua em infraestrutura nacional e a uma que executa projetos de fomento regional. Ambas são importantes, mas operam em escalas, comissões e pressões muito distintas. A proporcionalidade, aqui, não é detalhe — é a própria essência da boa governança.
O exemplo da CODEGO: Integridade como política institucional
No Estado de Goiás, a CODEGO - Companhia de Desenvolvimento é um exemplo de estatal regional que tem buscado aprimorar sua governança com os pés no chão e os olhos na lei 13.303/16 e com decreto estadual 10.433/24. Atuando no estímulo ao desenvolvimento industrial e na gestão de distritos, a CODEGO reconhece a importância de profissionalizar sua estrutura sem perder a conexão com o interesse público que a justifica.
O fortalecimento de sua governança, os esforços em promover transparência ativa no portal institucional com melhoria nos seus processos demonstram que a boa governança também é possível fora dos grandes centros ou das estatais listadas na B3. Ela começa com decisões cotidianas, escolhas conscientes e alinhamento entre liderança e propósito.
O papel das estatais no Brasil de hoje
Num país como o nosso — continental, desigual e complexo —, as estatais ainda têm um papel central. Em muitos casos, são o único braço do Estado capaz de executar políticas públicas com capilaridade e agilidade. Negá-las ou desmontá-las por falhas passadas seria um erro histórico.
O que precisamos é de estatais melhor geridas, mais transparentes e mais comprometidas com seu papel público. E, para isso, a governança é o caminho. Mas não qualquer governança: uma que respeite a legislação, sim — mas também reconheça a singularidade de cada missão.
Conclusão
Governança não é um fim em si. É uma ponte entre o interesse público e a entrega concreta de valor para a sociedade. Nas estatais, essa ponte precisa ser construída com técnica, mas também com sensibilidade institucional.
A diversidade das estatais brasileiras não deve ser vista como um problema a ser contido, mas como uma riqueza a ser compreendida. Quando a governança leva isso em conta, ela deixa de ser uma exigência burocrática e passa a ser o que deve ser: uma forma de proteger o interesse público e assegurar que ele seja, de fato, realizado.