No próximo dia 16 de junho o advogado Técio Lins e Silva completará 80 anos de vida. Técio formou-se pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ) em 1968 e está inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro desde 1969. Mestre e Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Foi conselheiro da OAB do Rio de Janeiro e do Conselho Federal da Ordem por vários biênios. Foi, ainda, vice-presidente eleito da OAB/RJ, período em que se licenciou para ocupar o cargo de secretário de justiça do Estado do Rio de Janeiro (1987/1990). Foi conselheiro do CNJ (207/2010) e membro da Comissão de Juristas do Senado para a reforma da lei de Execução Penal, 2013. Presidente do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros, por dois mandatos (09/5/2014 a 9/5/2018).
Não posso deixar de lembrar que pelas mãos e pela generosidade de Técio Lins e Silva tive a honra de ingressar no IAB no ano de 2017.
Além de todos os cargos e conselhos ocupados por Técio, vale destacar aqui sua atuação como Advogado criminalista. Advogado com “A” maiúsculo, exercendo a advocacia por seis décadas com dignidade, independência, denodo, ética e compromisso com o Estado Democrático de Direito. Técio Lins e Silva é advogado da liberdade. Sua atuação nos fóruns e tribunais de todo país inspiram inúmeros advogados, advogadas e estudantes de direito. Diante de suas memoráveis sustentações orais, desembargadores e ministros quedam-se atentos e em silêncio.
Durante a ditadura militar (1964-1985) o advogado Técio Lins e Silva não se curvou, com coragem e cultura jurídica defendeu inúmeros presos políticos perante os tribunais militares (Auditorias Militares e STM).
Naquela época, lembra Heleno Cláudio Fragoso1, a defesa nos processos políticos apresentava enormes dificuldades e não se exercia sem risco pessoal. Dentre os numerosos desafios da defesa - que sofria com inúmeras restrições diante das arbitrariedades, impedidos de ter acesso aos autos dos “inquéritos” e até mesmo de acompanhar os interrogatórios de seus clientes que eram mantidos incomunicáveis -, era o de tentar localizar os presos e desqualificar as confissões obtidas sob tortura.
Em um de seus artigos, Técio Lins e Silva observa que:
O regramento excepcional criado pelo Regime Militar praticamente impossibilitava a defesa dos presos políticos, pois nada pode ferir mais a luta pela defesa da liberdade do que o fim de seu melhor instrumento, seu remédio heroico, o habeas corpus. Eu próprio vivi intensamente os anos da ditadura e sou testemunha ocular dessa recente história, em que as liberdades e outros tantos direitos fundamentais estiveram rompidos, impedindo que o exercício da Advocacia pudesse ser realizado de maneira livre, pois havia até mesmo a incomunicabilidade do preso em relação ao advogado, disciplinado pela lei2.
Embora a Constituição da República proclame que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (art. 133) a cada dia que passa se torna mais difícil exercer a advocacia criminal.
O exercício da advocacia criminal corolário do sagrado e constitucional direito à ampla defesa (art. 5º LV da Constituição da República) sofre de preconceitos e ataques daqueles que ignoram a importância da missão do advogado. Chegam a confundir o criminalista com aquele que tem o infortúnio de ser acusado, justa ou injustamente, da prática de crime. Há, ainda, aqueles que chegam ao absurdo de negar o próprio direito de defesa.
Ao se referir a missão do advogado criminal, Antônio Evaristo de Moraes Filho assevera:
Aos que insistem em não reconhecer a importância social e a nobreza de nossa missão, e tanto nos desprezam quando nos lançamos, com redobrado ardor, na defesa dos odiados, só lhes peço que reflitam, vençam a cegueira dos preconceitos e percebam que o verdadeiro cliente do advogado criminal é a liberdade humana, inclusive a deles que não nos compreendem e nos hostilizam, se num desgraçado dia precisarem de nós, para livrarem-se das teias da fatalidade3.
Sempre comprometido com a defesa dos direitos e garantias fundamentais, necessário rememorar que sob a presidência de Técio Lins e Silva, o IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros, em 14 de junho de 2016, ingressou como amicus curiae na ADC 44 - Ação Declaratória de Constitucionalidade, proposta pelo Conselho Federal da OAB para que o STF declarasse a constitucionalidade do art. 283 do CPP, segundo o qual “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo ,em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” (redação dada pela lei 12.403, de 2011). Grifamos.
Enquanto o procurador geral da República Rodrigo Janot sustentava que proibir a prisão de condenados em segunda instância poderia inibir delações, Técio Lins e Silva - em sua épica sustentação em defesa da presunção de inocência – bradava: “Não, não é verdade, não é verdade...”, destacando que na verdade a ação tratava da população pobre, dos negros, da clientela do sistema penal e não de “meia dúzias de presos da lava jato”...4
Lamentavelmente, naquela ocasião o STF, por seis votos a cinco, violando o princípio constitucional da presunção de inocência decidiu que a prisão antes do trânsito em julgado e, portanto, em razão de condenação em segunda instância, poderia ser executada imediatamente ainda que houvesse recursos para os tribunais superiores. Contudo, em 7 de novembro de 2019, por diferença de um voto (6 a 5), o STF acabou reconhecendo a constitucionalidade do art. 283 do CPP vedando a prisão em razão da condenação em segunda instância.
Coerente com sua trajetória, em palestra proferida na abertura do I Congresso Nacional do IAB, em João Pessoa, em 1º de setembro de 2017, na presidência da Casa de Montezuma, Técio Lins e Silva alertava sobre a necessidade de o advogado manter sua indignação, “para não permitir que os direitos da cidadania, que nós representamos, sejam conspurcados...” Diante da violação de prerrogativas da advocacia, Técio clama para que “não fiquemos calados diante da violência que se pratica contra o direito de defesa” e, ao final, convoca todos advogados e advogadas para que, “mais unidos, mais conscientes e com amor ainda maior pela defesa do Estado de Direito Democrático e pelas liberdades públicas” possam combater os adversários de democracia, os inimigos do exercício da profissão e aqueles que têm horror à liberdade.
Por tudo, só me resta agradecer e parabenizar o advogado e amigo Técio Lins e Silva pelo seu 80º aniversário.
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1 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da liberdade: a defesa nos processos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984.
2 https://www.conjur.com.br/2014-mar-31/tecio-lins-silva-advogados-foram-fundamentais-resistencia-ditadura
3 MORAES FILHO, Antonio Evaristo. Advogado Criminal, esse desconhecido. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, v. 9, , jan/mar. 1995.
4 Disponível em: https://www.linsesilva.adv.br/publicacoes/videos/sustentacao-tecio-lins-e-silva-stf/