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Prescrição da pretensão executiva: Decisão de mérito sem honorários?

Magistrados ainda confundem prescrição da pretensão com intercorrente e deixam de fixar honorários. Mas decisão de mérito impõe sucumbência: há vencido, há honorários.

13/6/2025

É recorrente, no cotidiano forense, a omissão de magistrados em fixar honorários advocatícios quando julgam extinta a execução em razão da prescrição da pretensão executiva. Tal conduta, além de tecnicamente incorreta, representa grave violação aos princípios da causalidade, da sucumbência e do devido processo legal. Não se trata de questão periférica, mas de um erro conceitual com repercussões diretas sobre o exercício da advocacia, o acesso à justiça e a segurança jurídica.

A prescrição da pretensão executiva consiste na perda do direito de exigir judicialmente o cumprimento de uma obrigação, por meio da via executiva, em razão da inércia do titular do direito no prazo legal previsto. É regida pelas normas de direito material, como claramente dispõe o art. 206 do CC.

Esse prazo deve ser contado a partir do vencimento da obrigação constante do título executivo, se o exequente não propõe a execução dentro desse interregno, a pretensão executiva se extingue, inviabilizando o exercício do direito de ação com base naquele título.

O reconhecimento da prescrição da pretensão executiva não decorre de fato processual e tampouco depende de instauração ou paralisação de processo. Trata-se de fato jurídico extintivo do próprio direito subjetivo de executar, e por isso a jurisprudência o classifica como hipótese de perda da pretensão de direito material - e não de mera sanção processual, como ocorre na prescrição intercorrente. Trata-se de decisão de mérito.

A prescrição intercorrente, atualmente regulada pelos arts. 921 e 924, do CPC, passou por importante ressignificação a partir da lei 14.195/21, que consolidou seu caráter objetivo e automático, descolando-a da necessidade de comprovação de culpa ou inércia intencional do exequente. A nova redação do art. 921, §5º, determina que o prazo prescricional se inicia a partir da data da ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do executado ou de bens penhoráveis, e não mais a partir de um juízo subjetivo sobre eventual desídia da parte credora.

Dessa forma, a prescrição intercorrente passou a operar como causa objetiva de extinção da execução, baseada em critérios formais e verificáveis. Ainda assim, permanece sendo instrumento processual, pois pressupõe execução em curso, regularmente instaurada, com citação válida. Diferentemente da prescrição da pretensão executiva, não extingue o direito material do credor, mas apenas inviabiliza a sua exigibilidade pela via executiva, podendo, inclusive, em certos casos, preservar efeitos em outras esferas (como compensação ou reconhecimento de dívida).

É clara a diferença essencial de natureza entre os dois institutos: a prescrição intercorrente é um mecanismo processual objetivo de extinção da execução, enquanto a prescrição da pretensão executiva é instituto de direito material que extingue o próprio direito à pretensão executiva.

O reconhecimento judicial da prescrição da pretensão executiva configura sucumbência material do exequente. Trata-se de hipótese clássica de derrota jurídica, nos termos do princípio da causalidade, devendo o derrotado arcar com as consequências previstas em lei - entre elas, o pagamento de honorários advocatícios à parte executada.

A regra é clara e imperativa: A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.” (Art. 85, caput, do CPC)

Contudo, persistem decisões judiciais que, de forma equivocada, deixam de arbitrar honorários nessas hipóteses. Esse erro decorre, em geral, de confusão conceitual entre a prescrição da pretensão e a prescrição intercorrente. Em certos casos, ao reconhecer a prescrição da pretensão executiva, o magistrado não fixa verba honorária sob o argumento de que não houve resistência da parte exequente ou de que a extinção se deu por "falta de interesse de agir", tratando a situação como se fosse mera paralisação processual - o que é flagrantemente incorreto.

Essa dispensa indevida da condenação em honorários representa não apenas violação ao art. 85 do CPC, mas também usurpa o direito do advogado à justa remuneração por atuação técnica que, em regra, é decisiva para o reconhecimento da prescrição.

Importante frisar: não se trata de mera faculdade do juiz, mas de obrigação imposta por norma cogente. A omissão nesse ponto configura nulidade por violação ao devido processo legal, à ampla defesa e à dignidade da advocacia, garantida constitucionalmente pelo art. 133 da CF/1988.

Não há qualquer amparo legal ou jurisprudencial para se isentar o vencido do dever de pagar honorários quando a execução é extinta por inexistência de pretensão válida. E mais: tal postura reforça a banalização do ajuizamento de execuções prescritas, incentivando condutas temerárias sem qualquer risco econômico para o exequente.

Quando o juízo reconhece a prescrição da pretensão executiva, está proferindo uma decisão de mérito, nos exatos termos do art. 487, II, do CPC. Trata-se do reconhecimento de que a pretensão do credor se extinguiu em razão do decurso do prazo prescricional, o que impede o exercício do direito de ação. Diferentemente da prescrição intercorrente, a prescrição da pretensão executiva atua no plano do direito material e extingue a própria pretensão executiva, inviabilizando qualquer forma de exigibilidade forçada. Nesses casos, é indiscutível que há parte vencida no mérito, sendo obrigatória a condenação em honorários advocatícios em favor da parte vencedora. A regra do art. 85, caput, do CPC é de aplicação automática, e não está sujeita à análise discricionária do julgador. Ocorre, contudo, um erro frequente e grave: magistrados deixam de fixar honorários sob o argumento de que não houve resistência do exequente ou sequer citação válida do executado, como se estivessem diante de extinção sem resolução de mérito. Trata-se de uma inaceitável confusão técnica entre institutos de natureza absolutamente diversa, que ignora a essência do processo de execução e a função estruturante da sucumbência.

Onde há decisão de mérito, há necessariamente vencido e vencedor - e, por consequência, há dever de pagamento de honorários. Negar essa premissa é violar a literalidade da lei, desconsiderar o esforço técnico do advogado que demonstrou a prescrição e enfraquecer a lógica do sistema processual como instrumento de justiça material.

Daniela Poli Vlavianos
Advogada civilista com 20 anos de experiência. Pós-graduada em Execução. Atuação em execução cível e proteção patrimonial. Atualmente, integra a equipe do escritório Arman Advocacia

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