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O transtorno de espectro autista na visão do STJ

Este texto aborda as recentes jurisprudências do STJ sobre o TEA (autismo).

18/6/2025

Com fulcro na mais recente edição da Jurisprudência em teses do STJ (Edição 259, publicada em 19/5/25), revela-se um panorama robusto e profundamente alinhado à proteção dos direitos da pessoa com TEA - Transtorno do Espectro Autista. O STJ tem construído uma sólida jurisprudência que reafirma a dignidade da pessoa humana, a efetividade dos direitos fundamentais e a máxima proteção ao consumidor nas relações com as operadoras de planos de saúde.

Inicialmente, pela tese 1, destaca-se que é considerada abusiva a recusa de cobertura, bem como a limitação do número de sessões de terapias multidisciplinares indicadas para beneficiários diagnosticados com TEA. Esse entendimento se alinha ao Tema 1.295 dos REsps repetitivos, ainda em fase de afetação, como ilustrado no REsp 2.167.050/SP (DJe 26/11/24), reafirmando-se em diversos precedentes, como no AgInt no AREsp 2.630.469/SP, de relatoria da ministra Daniela Teixeira, julgado em 8/5/25.

Relevante também destacar que a RN 465/21 da ANS, posteriormente alterada pela RN 539/22, consolidou a obrigatoriedade de cobertura por qualquer método ou técnica prescrita pelos profissionais de saúde, o que foi referendado pela tese 2.

A tese 3 impôs às operadores de plano de saúde tratamentos fundamentais como ABA - Análise do Comportamento Aplicada, equoterapia, musicoterapia, hidroterapia e psicopedagogia, quando integradas ao contexto das terapias psicológicas.

Ademais, destaca-se pela tese 4 que a psicopedagogia, frequentemente utilizada como instrumento terapêutico essencial para o desenvolvimento das habilidades cognitivas e comportamentais dos pacientes com TEA, deve ser contemplada dentro das sessões de psicologia, cuja cobertura é obrigatória e ilimitada. Tal orientação consta do AgInt no REsp 2.122.472/SP, relatoria do ministro Humberto Martins, julgado em 30/10/24.

Pela tese 5 depreende-se um ponto de especial relevância reside no direito a sessões ilimitadas da terapia ABA. A jurisprudência sedimenta que não cabe às operadoras limitar quantitativamente essas terapias, que são reconhecidamente essenciais no tratamento do TEA, conforme recente decisão no AgInt no AREsp 2.663.353/SP, de relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, publicado em 28/2/25.

No tocante à territorialidade, o STJ consolidou que o tratamento multidisciplinar deve ser garantido no município de residência do beneficiário, tudo pela tese 6. Na inexistência de profissionais credenciados, o custeio do tratamento fora da rede contratada e o consequente ressarcimento integral são direitos assegurados.

Por outro lado, é importante esclarecer que esse custeio não se estende ao acompanhamento realizado no ambiente escolar ou domiciliar, especialmente por profissionais da educação, a teor da tese 8.

As garantias jurídicas não se limitam às relações de consumo. No campo do Direito Tributário, o STJ assegura que pessoas com TEA fazem jus à isenção na aquisição de veículos, ainda que estes sejam conduzidos por terceiros (tese 10).

No âmbito penal, evidencia-se sensível avanço na proteção das famílias. É possível substituir a pena privativa de liberdade por prisão domiciliar para genitores de pessoas com TEA, desde que comprovada a imprescindibilidade dos cuidados parentais (tese 11). 

Em tema de direito de família, o STJ, nos termos da tese 9, reafirma que o princípio do melhor interesse do menor pode justificar, em casos excepcionais, a supressão do direito de visitação entre avós e neto diagnosticado com TEA.

Diante desse panorama jurisprudencial, verifica-se que as operadoras de planos de saúde serão diretamente impactadas pelas diretrizes firmadas pelo STF. A obrigatoriedade de custeio irrestrito das terapias multidisciplinares voltadas ao tratamento do TEA - Transtorno do Espectro Autista, sem limitações quantitativas e metodológicas, representa um aumento significativo nos custos operacionais dessas empresas. Tal repercussão financeira tende, inevitavelmente, a ser refletida nos reajustes dos contratos, especialmente daqueles firmados na modalidade coletiva, cujos aumentos seguem a lógica atuarial, baseada na efetiva utilização dos serviços e na sinistralidade do grupo. Trata-se, portanto, de um reflexo econômico direto da consolidação jurisprudencial, cujos efeitos, embora juridicamente legítimos à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde, ensejam debates relevantes sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de saúde suplementar e a sustentabilidade do sistema privado de assistência à saúde.

Jesualdo Almeida Junior
Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra. Pós-Doutorando pela USP. Mestre e Doutor em Direito. Professor. Sócio de Jesualdo Almeida Junior Advogados Associados. Pres. Conselheiro Estadual da OAB/SP.

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