O § 4º, do art. 103-B, da CF/88 dispõe que compete ao CNJ “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura”, estando em seu rol de competências: “II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União”; e “V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano”.
Em nossa visão como advogado, entendemos que nem sempre o CNJ aplica sanções disciplinares dentro dos critérios da proporcionalidade, razoabilidade e racionalidade.
Respeitamos todas as decisões do órgão, mas, como advogados, não temos que concordar com todas elas.
O tema da proporcionalidade/desproporcionalidade na aplicação de sanções de natureza disciplinar aplicadas pelo CNJ é algo que nos aflige como advogados militantes perante o órgão de controle do Poder Judiciário.
Poderíamos aqui listar diversos casos em que não concordamos com as sanções disciplinares aplicadas pelo CNJ, mas, vamos nos limitar, como exemplo, a um caso recente que foi julgado pelo plenário, que reviu a pena de censura aplicada pelo Tribunal de origem para aplicar ao magistrado a pena de remoção compulsória (prevaleceu o voto divergente do conselheiro Marcello Terto pela aplicação da remoção compulsória – a conselheira Salise Sanchotene, relatora, votou pela aplicação da sanção de disponibilidade)1.
Aqui lembramos a visão crítica que temos externado em relação aos filtros do art. 83 do RICNJ: quando a defesa busca o CNJ através da revisão disciplinar encontra dificuldades para superar seus requisitos; porém, quando o CNJ propõe revisões disciplinares de ofício, temos que os filtros de admissibilidade são mais alargados (mas isso será objeto de um outro artigo específico sobre o tema).
E o que fazer quando entendemos que o plenário do CNJ “extrapola” na aplicação de sanções disciplinares?
Há vários caminhos técnicos e processuais, mas trazemos aqui, até em razão da limitação de espaço, alguns julgados do STF sobre o tema – a jurisprudência do STF é firme no sentido de permitir ao Poder Judiciário apreciar, no bojo do controle de legalidade, a proporcionalidade e razoabilidade dos atos administrativos. Nessa linha indicamos alguns precedentes:
“(...) 2. A jurisprudência da Corte é no sentido da possibilidade de controle pelo Poder Judiciário de ato administrativo eivado de ilegalidade ou abusividade, podendo ele atuar, inclusive, em questões atinentes à proporcionalidade e à razoabilidade do ato. 3. Agravo regimental não provido. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, pois o agravado não apresentou contrarrazões. (ARE 947843 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 14/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 03-08-2016 PUBLIC 04-08-2016).
“(...) O controle judicial de atos administrativos tidos por ilegais ou abusivos não ofende o princípio da separação dos Poderes, inclusive quando a análise é feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. (...).
(RE 580642 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-192 DIVULG 01-10-2014 PUBLIC 02-10-2014)
Destacamos ainda, que o próprio CNJ já julgou diversos processos em sede de revisões disciplinares em que reduziu sanções de natureza disciplinar aplicadas injustamente pelas Cortes de origem. Vejamos:
(...)
1. A pena de aposentadoria compulsória é a primeira sanção que aplicada ao magistrado não é proporcional aos fatos constatados, além de destoar da função educativa inerente à toda penalidade. Esta é a sanção mais grave passível de aplicação na via administrativa e, por isso, deve ser reservada a situações excepcionais ou quando a aplicação de outras sanções não surtiu o efeito esperado.
(...)
(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001057-19.2019.2.00.0000 - Rel. CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM - 307ª Sessão - j. 31/03/2020 ).
REVISÃO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. NEGLIGÊNCIA NO DESEMPENHO DE FUNÇÕES JUDICANTES. COMARCA SOB RESPONDÊNCIA DO MAGISTRADO. EXCESSO DE TRABALHO CONSTATADO. DEPOIMENTOS FAVORÁVEIS DESCONSIDERADOS NA ANÁLISE DOS FATOS. DESPROPORCIONALIDADE DA REPRIMENDA IMPOSTA. DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. REVISÃO DISCIPLINAR JULGADA PROCEDENTE. APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA.
1. Pretensão de revisão da pena de aposentadoria compulsória imposta a magistrado, com fundamento no art. 83, I, do regimento interno do CNJ.
2. A análise do contexto fático demonstra que o magistrado se encontrava em sobrecarga de trabalho, agravado pelo período eleitoral. Desproporcionalidade da pena imposta.
3. Contraria a evidência dos autos o desprestígio aos depoimentos e documentos favoráveis à defesa, os quais devem ser devidamente valorados.
4. Procedência do pedido revisional para, na linha dos precedentes do CNJ, aplicar a pena de censura.
(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000933-70.2018.2.00.0000 - Rel. Henrique de Almeida Ávila - 58ª Sessão - j. 13/12/2019).
REVISÃO DISCIPLINAR. MAGISTRADO EM SUBSTITUIÇÃO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁS EM EXECUÇÕES PROVISÓRIAS. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE.
1. Não há nos autos evidências de que o magistrado tenha de alguma forma se beneficiado da expedição dos alvarás referidos.
2. No mesmo sentido, também não houve reforma das decisões pelo Tribunal nos recursos apresentados.
3. Considerando a reiteração da conduta do magistrado e sua gravidade, visto que a expedição de alvarás, sem que estivessem atendidos seus requisitos, era passível de causar prejuízo financeiro à parte, entendo que é de ser aplicada ao magistrado a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, prevista no art. 6º da resolução CNJ 135/11.
4. Revisão disciplinar parcialmente procedente.
(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001841-64.2017.2.00.0000 - Rel. ROGÉRIO NASCIMENTO - 31ª Sessão - j. 15/02/2018).
REVISÃO DISCIPLINAR – CONCESSÃO DE LIMINARES – AUSÊNCIA DE AFERIÇÃO DAS CONDIÇÕES ELEMENTARES DE PROCEDIBILIDADE – PERSISTÊNCIA MESMO APÓS CIÊNCIA DE CONDUTA DAS PARTES INDICATIVA DE FRAUDE – APLICAÇÃO DE PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA NO TRIBUNAL DE ORIGEM – DESPROPORCIONALIDADE
(...)
3. Por tal razão, afigura-se excessiva e desproporcional a pena aplicada à magistrada pelo TJ/CE, em acórdão de fundamentação sucinta, a ensejar a revisão do julgado, com base no art. 83, I, do RICNJ.
4. Aplicação da pena de disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, prevista no art. 6º da resolução CNJ 135/11.
5. Revisão disciplinar julgada parcialmente procedente.
(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001877-43.2016.2.00.0000 - Rel. LELIO BENTES CORRÊA - 253ª Sessão - j. 13/06/2017).
E mais ainda do próprio CNJ:
REVISÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DISPONIBILIDADE COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS. OFENSAS ÀS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NO ART. 35, I e VII DA LOMAN C/C ART. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. USO IRREGULAR DO VEÍCULO OFICIAL. SUBSTITUIÇÃO DA PLACA OFICIAL PELA COMUM. DESVIO FUNCIONAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROPORCIONALIDADE DA SANÇÃO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA.
(...)
6. Desproporcionalidade da penalidade aplicada. A sanção de disponibilidade com vencimentos é penalidade considerada grave e não pode ser aplicada de forma residual, quando impossibilitada a penalidade de advertência, censura ou remoção compulsória.
7. Conduta do revisionado que se considera não configuradora de desvio funcional e a penalidade cominada pelo Tribunal que se reputa desproporcional.
8. Revisão disciplinar que se conhece e se julga procedente.
(CNJ - RD - Reclamação Disciplinar - 0010105-70.2017.2.00.0000 - Rel. ARNALDO HOSSEPIAN - 293ª Sessão - j. 25/06/2019). (grifamos)
Conclusão
O art. 42 da LOMAN traz como penas disciplinares: advertência (inciso I); censura (II); remoção compulsória (III); disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço (IV); aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço (V); e demissão (VI).
O tema da gradação das penas disciplinares previstas na LOMAN - Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LC 35, de 14.03.19792) é de extrema importância e merece total atenção por parte dos advogados que militam perante o CNJ.
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1 https://www.cnj.jus.br/em-revisao-disciplinar-cnj-aplica-pena-de-remocao-compulsoria-a-magistrado-do-piaui/
2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp35.htm