Comentários: A coisa julgada, assim como diversos temas previstos no anteprojeto aqui em discussão, não era expressamente regulada na legislação trabalhista, sendo utilizadas as previsões constantes no CPC, conforme autorização constante no art. 769 da CLT.
Muito embora não trate especificamente da coisa julgada, a CLT, em seu art. 836, já prevê o óbice da não rediscussão de matérias já decididas. Mas só este dispositivo se tornou insuficiente para aplicação da lei processual, de modo que, subsidiariamente, como dissemos, se aplica o CPC.
Conforme explicado pelo doutrinador Sérgio Pinto Martins (Direito Processual do trabalho – 32 ed. – São Paulo; Atlas, 2011) pode ser definida como a vedação ao ajuizamento de nova ação para tratar de tema já decidido por sentença transitada em julgado em ação anterior.
O referido autor assegura que a coisa julgada possui fundamento político, uma vez que visa garantir a certeza do direito. Ao impedir que as partes rediscutem matérias já julgadas, evita-se a criação de um cenário de insegurança jurídica.
Assim, não restam dúvidas que tal instituto possui como um de seus papéis trazer a pacificação social, no âmbito da certeza e segurança das relações jurídicas.
Ademais, conforme ensina referido doutrinador, a coisa julgada pode ser dividida em coisa julgada material, o qual se refere a eficácia da sentença de mérito, com caráter de imutabilidade e indiscutibilidade; e coisa julgada formal, que diz respeito à sentença irrecorrível por aspectos processuais, mas sem julgamento do mérito.
Ou seja, a coisa julgada formal possui natureza processual, pois se refere a hipóteses em que a parte está impossibilitada de recorrer por preclusão, não havendo relação com o mérito propriamente dito. Já em relação a coisa julgada material ou substancial, tem-se que a impossibilidade de rediscussão da matéria nela tratada ocorre pois já ocorreu a solução por decisão de mérito.
Cabe ponderar que, para o reconhecimento da coisa julgada, conforme entendimento pacífico sobre o tema, é necessária a tríplice identidade: igualdade de partes, pedidos e causa de pedir. Assim, reconhecendo tais elementos entre duas ações - sendo uma delas já transitada em julgado - pressupõe a extinção sem julgamento do mérito da ação proposta posteriormente, sob pena de violação da coisa julgada e do ato jurídico perfeito.
A título informativo, caso não tenha havido ainda coisa julgada material na ação proposta inicialmente, os autos que apresentarem identidade de partes, causa de pedir e pedidos, devem ser reunidos para decisão conjunta, caracterizando o fenômeno da conexão.
Realizadas essas considerações iniciais e adaptando-as à realidade trabalhista, o anteprojeto traz algumas mudanças relevantes nas disposições sobre a coisa julgada.
Em primeiro lugar, seguindo a sistemática do CPC, o anteprojeto inaugura o tema no seu art. 477, apresentado uma definição para coisa julgada, como sendo a “a autoridade que torna imutável a sentença de mérito irrecorrível ou não mais sujeito a recurso”.
O artigo seguinte traz previsão, em seu caput, sobre força das decisões nos processos trabalhistas. Enquanto o CPC dispõe que as decisões têm força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida, o anteprojeto promove alteração gramatical ao determinar que tal decisão possui força vinculante, mas, a nosso ver, com o mesmo peso.
O § 1º preservou a redação do CPC, tratando-se dos requisitos para o reconhecimento da coisa julgada em resoluções de questões prejudiciais, quais sejam: dependência do mérito, contraditório assegurado previamente e competência do juízo quanto à matéria e à pessoa.
O § 2º manteve a disposição relativa à não aplicação do parágrafo anterior nos casos em que houver restrições probatórias ou limitações à cognição, de modo então a não formar a coisa julgada.
O art. 479 do anteprojeto acrescenta que, além dos motivos e da verdade dos fatos, não fazem coisa julgada material as decisões interlocutórias e os despachos, reforçando o caráter mutável e provisório de tais pronunciamentos.
Em nossa visão, essa alteração é bastante positiva para a Justiça do Trabalho, já que é comum nos depararmos com decisões que contrariavam a coisa julgada durante o curso processual. Nesse sentido, a nova legislação tende a proporcionar maior segurança às partes quanto a esse tema.
A título de exemplo, destaca-se:
HOMOLOGAÇÃO DE CÁLCULOS. OFENSA À COISA JULGADA. Tendo agido de forma contrária à r. decisão proferida no processo de conhecimento, já transitada em julgado, incorreu o MM. Juízo de origem em violação à coisa julgada material (art. 879, § 1º, da CLT), uma vez que nas fases de liquidação e execução já não é mais possível modificar ou inovar o quanto decidido na fase de conhecimento. Recurso da executada a que se dá provimento. Destaques não originais (TRT-2 00000034720165020087 SP, Relator.: ANNETH KONESUKE, 17ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 12/05/2022)
O art. 480 do anteprojeto traz, à semelhança do CPC, exceções que permitem a rediscussão da coisa julgada, como: relações jurídicas de trato continuado com modificação no estado de fato ou de direito e demais hipóteses previstas na lei.
Entretanto, o CPT promoveu uma ampliação do rol de exceções anteriormente previstas, com a inclusão das matérias de ordem ou interesse público e sentenças anuladas.
Em nossa opinião, o anteprojeto não foi bem-sucedido ao expandir essas exceções, especialmente, ao prever a hipótese genérica de “matérias de ordem e de interesse público”, no que preferimos a redação do CPC. Quanto às anulações citadas, entendemos por redundante, já que, neste caso, é evidente que o ato de anular leva à revisão da sentença, motivo pelo qual também entendemos que a redação do CPC é suficiente e concisa.
Os arts. 481, 482 e 483 mantiveram as previsões do CPC, assegurando que a sentença só faz coisa julgada entre as partes, sem prejuízos a terceiros; vedação a rediscussão de matérias já atingidas pela preclusão; e disciplinando os efeitos do trânsito em julgado, presumindo-se formuladas e repelidas todas as alegações e defesas que poderiam ser opostas pelas partes.