Migalhas de Peso

Mercados financeiro e de capitais: Separação mantida ou imbricação regulatória?

Análise da separação entre mercados financeiro e de capitais e os desafios regulatórios frente a novos ativos, tecnologia e sobreposição de competências.

18/6/2025

1. Objetivo e considerações históricas iniciais

O objetivo deste texto é o de tentar mostrar, por meio de um relance histórico, que o sistema atual de regulação dos valores mobiliários, de um lado (submetidos à CVM) e dos demais títulos de crédito negociados no mercado financeiro (submetidos ao BCB), a par de novos ativos financeiros criados no ambiente das novas tecnologias (alguns fora de qualquer ambiente regulatório) precisa ser repensado para que se possa dar segurança aos agentes financeiros e aos investidores. E assim trataremos essas questões.

2. Dois modelos a partir praticamente do nada em termos sistemáticos

A sistematização desses dois mercados teve início com as leis 4.595, de 31/12/1964 (lei de Reforma Bancária) e 4.728, de 14/7/1965. Não se pode dizer que antes era o caos, mas o seu tratamento legislativo se dava de forma atomizada, dividido em diversos órgãos governamentais, como a Sumoc (extinta quando da criação do BCB), o Ministério da Fazenda e o Banco do Brasil, a Caixa de Mobilização Bancária e outros. É claro que tal situação gerava elevada ineficiência e, consequentemente, também elevados custos de transação, dos quais os agentes ainda não haviam de dado conta, fossem operadores, fossem clientes.

Do ponto de vista meramente prático, a título de consolidação não oficial, foram publicadas duas obras com o fim de auxiliar os agentes financeiros: (i) o “Orientador Bancário e Cambial”, coordenado por Mário Orlando de Carvalho1; e o “Vademécum do Mercado de Capitais”, realizada por este autor, sob a coordenação de Oscar Barreto Filho, fruto de um pedido da ACREFI, cuja primeira edição se deu em 1971. Já em vigor as duas leis básicas acima citadas. Nesse cenário legislativo ainda não haviam se estabelecido os dois sistemas, bancário e de mercado de capitais em sua integridade, o que foi realizado aos poucos. O último deles foi objeto de mudança do regime da lei 4.728/1965 pela lei 6.385/1976, atualmente em vigor, tendo passado por diversas alterações. Examinemos em seguida como se deu a sistematização progressiva dos dois mercados.

3. A sistemática da lei de Reforma Bancária - Criação do Banco Central do Brasil - Competência para atuação concorrentemente nos mercados financeiros e de capitais

Dois órgãos foram criados para a regulação dos mercados financeiros e de capitais, o CMN - Conselho Monetário Nacional e o BCB - Banco Central do Brasil. Pensando neste texto exclusivamente sobre a temática da sua competência quanto às operações realizadas nesses mercados, observamos que o CMN é competente para:

(i) Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras (art. 4°, VI);

(ii) Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover (art. 4º, IX);

(iii) Disciplinar as atividades das Bolsas de Valores e dos Corretores de Fundos Públicos (art. 4°, XXI); e

(iv) XXXII - regular os depósitos a prazo de instituições financeiras e demais sociedades autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, inclusive entre aquelas sujeitas ao mesmo controle acionário ou coligadas. (Redação dada pelo decreto-lei 2.290, de 1986).

O BCB, por sua vez, foi dotado de competência para:

(v) V - Realizar operações de redesconto e empréstimos a instituições financeiras bancárias e as referidas no Art. 4º, inciso XIV, letra " b ", e no § 4º do Art. 49 desta lei (art. 10, V).  (Renumerado pela lei 7.730, de 31/1/89)

V - Realizar operações de redesconto e empréstimo com instituições financeiras públicas e privadas, consoante remuneração, limites, prazos, garantias, formas de negociação e outras condições estabelecidos em regulamentação por ele editada (art. 10, V). (Redação dada pela LC 179, de 2021);

(vi) VI - Exercer o controle do crédito sob todas as suas formas (art. 4°, VI);

(vii) Exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem (art. 10, VII);

(viii) Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; (art. 4°, IX)

(ix) VII - Exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem (art. 11, VII);

(x) Exercer poder sobre as instituições financeiras públicas ou privadas;  as sociedades de crédito, financiamento e investimentos; as caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham; no que for aplicável, as bolsas de valores; as companhias de seguros e de capitalização; as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma; e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras (arts. 17 e 18, § 1º).

Como se verifica, sem que tenha sido adotada qualquer seleção entre as atividades no mercado financeiro e no de mercado de capitais, tendo a matéria abordado os temas pertinentes a cada um de maneira desorganizada e amontoada. Mas, de qualquer maneira, o CMN e o BCB foram erigidos competente para os dois mercados em toda a sua extensão, não tendo sido na origem agasalhado o modelo norte-americano, com a divisão entre o FED para as operações bancárias e a SEC para as de mercado de capitais. Sabemos que isso aconteceu ao tempo de lei 6.385/1976, em seu tempo examinada.

Além disso, foi outorgada ao BCB competência para agir fora dos dois mercados citados, como ser verifica no tocante às companhias de seguro e de capitalização e as sociedades distribuidoras de prêmios, uma demasia.

Não é o caso aqui de se fazer a crítica da atuação do BCB no mercado de capitais, sob cuja regência sérias crises se manifestaram.

4. A lei 4.728, de 14/7/1965 - Primeira lei do Mercado de Capitais

Essa lei nasceu a partir do PL 2.732, apresentado em 22/4/1965, portanto somente quatro meses após a promulgação da lei de Reforma Bancária, tendo corrido rapidamente a sua discussão, não tendo havido quaisquer emendas. Portanto é estranho que, paralelamente, ele não tenha sido discutido ao tempo do trâmite da reforma bancária. Isto significa dizer que os institutos sobre mercado de capitais dessa reforma tiveram duração de apenas quatro meses. Vejamos os temas que nos interessam na presente pesquisa.

Os mercados financeiro e de capitais eram disciplinados concomitantemente pelo CMN e BCB (art. 1°);

Seu objetivo era, basicamente, dar acesso a informações e proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos ou valores mobiliários, evitar modalidades de fraude ou de manipulação em relação a eles e disciplinar a utilização do crédito nesse mercado (art. 2°), atribuindo competências ao BCB para (art. 3°):  

I - autorizar a constituição e fiscalizar o funcionamento das Bolsas de Valores;     

II - autorizar o funcionamento e fiscalizar as operações das sociedades corretoras membros das Bolsas de Valores (arts. 8º e 9°) e das sociedades de investimento;

III - autorizar o funcionamento e fiscalizar as operações das instituições financeiras, sociedades ou firmas individuais que tenham por objeto a subscrição para revenda e a distribuição de títulos ou valores mobiliários;        

IV - manter registro e fiscalizar as operações das sociedades e firmas individuais que exerçam as atividades de intermediação na distribuição de títulos ou valores mobiliários, ou que efetuem, com qualquer propósito, a captação de poupança popular no mercado de capitais;

V - registrar títulos e valores mobiliários para efeito de sua negociação nas Bolsas de Valores;

VI - registrar as emissões de títulos ou valores mobiliários a serem distribuídos no mercado de capitais;

VII - fiscalizar a observância, pelas sociedades emissoras de títulos ou valores mobiliários negociados na bolsa, das disposições legais e regulamentares relativas a:

a) publicidade da situação econômica e financeira da sociedade, sua administração e aplicação dos seus resultados;

b) proteção dos interesses dos portadores de títulos e valores mobiliários distribuídos nos mercados financeiro e de capitais.

VIII - fiscalizar a observância das normas legais e regulamentares relativas à emissão ao lançamento, à subscrição e à distribuição de títulos ou valores mobiliários colocados no mercado de capitais;

IX - manter e divulgar as estatísticas relativas ao mercado de capitais, em coordenação com o sistema estatístico nacional;

X - fiscalizar a utilização de informações não divulgadas ao público em benefício próprio ou de terceiros, por acionistas ou pessoas que, por força de cargos que exerçam, a elas tenham acesso.

Nesse contexto normativo algumas observações devem ser feitas.

Como se verifica, nos termos do art. 3° ficou marcada a ampla competência do CMN e do BCB sobre o mercado de capitais de forma sistemática, pela primeira vez. Observe-se que a expressão “títulos ou valores mobiliários” seria uma redundância, tomando-se cada termo como sinônimo do outro). Mas no inciso V desse artigo encontra-se a referência títulos e valores mobiliários, caracterizando-se uma distinção. Mais importante, ainda, não foi estabelecido o conceito desses termos, fossem uma coisa só ou duas, o que levou à necessidade de interpretação criativa.

No art. 5° encontramos a criação do Sistema de Distribuição do Mercado de Capitais, da seguinte forma:

O sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais será constituído:

I - das Bolsas de Valores e das sociedades corretoras que sejam seus membros;

II - das instituições financeiras autorizadas a operar no mercado de capitais;

III - das sociedades ou empresas que tenham por objeto a subscrição de títulos para revenda, ou sua distribuição no mercado, e que sejam autorizadas a funcionar nos termos do art. 11;

IV - das sociedades ou empresas que tenham por objeto atividade de intermediação na distribuição de títulos ou valores mobiliários, e que estejam registradas nos termos do art. 12.

5. O surgimento da CVM - Comissão de Valores Mobiliários e a sua competência operacional no Mercado de Capitais

A nossa estreita análise mostra a CVM, nos termos da lei 6.385/76, como o órgão encarregado do mercado de capitais, finalmente aqui tendo sido seguido o modelo em funcionamento nos Estados Unidos da América, o que foi considerado uma grande conquista para o seu aperfeiçoamento. 

Fundamentalmente a CVM disciplina e fiscaliza a sistemática das operações com valores mobiliários e o funcionamento das Bolsas de Valores e de Mercadorias e Futuros, o mercado de derivativos, a administração e a custódia de valores mobiliários, a auditoria das companhias abertas e os serviços de consultar e analista de valores mobiliários (art. 1º). Alguns desses temas foram objeto de modificações posteriores aos incisos do referido artigo2.

O fulcro da competência da CMN está na categorização dos valores mobiliários, conforme os termos do art. 2º, sendo necessário cotejar a definição original e a atual, para verificarmos a evolução do seu conceito:

Versão original:

Art . 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta lei:

I - as ações, partes beneficiárias e debêntures, os cupões desses títulos e os bônus de subscrição;

II - os certificados de depósito de valores mobiliários;

III - outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional.

Parágrafo único - Excluem-se no regime desta lei:

I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;

II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures.

Versão atual:

Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:  (Redação dada pela lei 10.303, de 31/10/01)

I - As ações, debêntures e bônus de subscrição; (Redação dada pela lei 10.303, de 31/10/01)

II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; (Redação dada pela lei 10.303, de 31/10/01)

III - os certificados de depósito de valores mobiliários; (Redação dada pela lei 10.303, de 31/10/01)

IV - As cédulas de debêntures; (Inciso incluído pela lei 10.303, de 31/10/01)

V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; (Inciso incluído pela lei 10.303, de 31/10/2001)

VI - As notas comerciais; (Inciso incluído pela lei 10.303, de 31/10/01)

VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; (Inciso incluído pela lei 10.303, de 31/10/01)

VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e (Inciso incluído pela lei 10.303, de 31/10/01)

IX - Quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. (Inciso incluído pela lei 10.303, de 31/10/01)

X - Os ativos integrantes do SBCE - Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa e os créditos de carbono, quando negociados no mercado financeiro e de capitais. (Incluído pela lei 15.042, de 2024)

§ 1o Excluem-se do regime desta lei: (Redação dada pela lei 10.303, de 31/10/01) (Vide art. 1º da lei 10.198, de 142/01)

I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal; (Redação dada pela lei 10.303, de 31/10/01)

II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures.       

Tenha-se em conta que, mesmo não declarada expressamente nos dispositivos legais em apreço, as competências tanto do BCB quanto da CVM estiveram e estão focadas nos títulos/valores mobiliários ofertados ao público, presentes limitações normativas pontuais, pontos a ser mais adequadamente desenvolvido nas linhas adiante escritas.

Um grande problema enfrentado pela CVM foi o surgimento de novos negócios, os contratos de investimento coletivo, a exemplo do famoso caso das Fazendas Boi Gordo, que eram oferecidos publicamente no mercado, não sendo originados nas instituições financeiras, os quais se encontravam fora tanto no mercado financeiro, quanto no de capitais3. A solução foi a de trazer para o Brasil o tratamento existente nos Estados Unidos da América, consubstanciado no atual inciso IX do art. 2º.

Mas tal dispositivo não foi uma panacéia, uma solução mágica, dado que se veio a entender que os seus elementos, a partir de sua complexidade, deviam estar presentes nesse tipo de valores mobiliários de forma cumulativa, do que resultaram muitas discussões na doutrina e na própria CVM, cogitando-se da necessidade de nova mudança da lei4. E isso tem a ver com as novas tecnologias que geram novos negócios complexos, cuja dissecação para os fins da aplicação se revela altamente problemática.

6. O novo desafio

Precisamente, a larga utilização das novas tecnologias pelas Fintechs e pelos bancos incumbentes nos mostra que quatro zonas cinzentas se formaram, quanto aos limites dos conceitos dos “títulos financeiros” (bancários); dos relativos aos valores mobiliários; e de um terceiro grupo, concernentes a ativos financeiros que não são uma coisa nem outra; e de um quarto grupo, indeterminado. Vejamos.

Os títulos bancários (denominação adotada para abranger diversas espécies) são, necessariamente aqueles emitidos por instituições financeiras ou assemelhadas, na forma do art. 17 e 18§ 1° de lei 4.595/1964, que formam uma relação bastante ampla e diversificada. Todos eles ficam atrelados à competência do BCB.

Alguns destaques devem ser feitos no que tange à emissão de títulos. As companhias seguro e de capitalização ficam na alçada da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, cabendo ao BCB tão somente estabelecer normas relativas às suas aplicações, para segurança desse mercado. Correspondendo a um desvio de função, ficaram atreladas ao BCB as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, o que presentemente menos nos interessa. Entenda-se, ainda, que a referência às Bolsas de Valores foi revogada pelo advento da lei 6.385/1976.

De outro lado, quando examinamos a relação de valores mobiliários presente no art. 2° da lei acima citada. Itens I a VIII, eles somente se configuram como tais quando ofertados ao público, reconhecida a sua negociação privada. Isso é regra histórica.

Já o inciso IX é velho criador de problemas de interpretação, formando um conceito complexo e cumulativo. É aqui que surgem as zonas cinzentas mencionadas acima, tendo em conta que os seus elementos se revelam herméticos e sem a existência de outra fonte interpretativa. Dessa forma temos quatro situações possíveis:

(i) Títulos ou contratos que preenchem todos os requisitos do inciso IX e que, portanto, são valores mobiliários, competência da CVM;

(ii) Títulos ou contratos emitidos por instituições financeiras ou assemelhadas, não caracterizados como valores mobiliários, competência do BCB;

(iii) Títulos ou contratos emitidos por instituições financeiras ou assemelhadas que, ao mesmo tempo seriam, valores mobiliários e títulos bancários, gerando uma competência dupla, da CVM e do BCB; e

(iv) Títulos ou contratos emitidos por empresas diversas, não instituições financeiras, não caracterizados, portanto, como nem de natureza bancária, nem do mercado de capitais, eventualmente categorizados como títulos de crédito. Esses ficariam fora do poder regulamentar, regidos então apenas pelo CC, arts. 887 a 9265.

Veja-se que, para complicar, basta que um determinado título ou contrato, então caracterizado como de natureza bancária, ou da quarta espécie, seja colocado em oferta pública para se transformar em valor mobiliário, com a mudança para a esfera da CVM como o órgão regulador. E isso sem alteração na sua natureza jurídica intrínseca.

Sobre o tema acima tem se discutido (aqui de forma sumária) a teoria denominada Twin Peaks, ou seja, uma forma de regulação muito abrangente nos campos da atividade bancária e do mercado de capitais (arregimentando instituições financeiras, seguradoras e entidades de previdência e as entidades ligadas ao mercado de capitais), para o efeito da supervisão e fiscalização estruturada em função de dois picos. O primeiro sob a tutela de um único novo órgão estatal, responsável pela supervisão prudencial sobre todos esses campos, e o segundo voltado para a fiscalização das condutas dos agentes, com o poder de penalização. Assim sendo, entrariam no pacote a ser formado o BCB, a CVM, a Susepe e a Previc. Fora as sérias questões de fundo, isso somente poderia ser feito por meio de uma alteração legislativa de grande monta, alvo a nosso ver impossível de ser racionalmente implementado com o Congresso que temos.

Sem nos esquecermos de que estão em tramitação projetos de lei destinados a alterar a estrutura e a competência do BCB, a exemplo da PEC 65/2023, extremamente combatida no mercado6 que se forem levados a efeito provocarão um tsunami no mercado financeiro.

Outra solução estaria em complementar por meio de lei as falhas regulatórias que foram mostradas acima, sem considerar como fundamental a oferta ao público, tal como a conhecemos. Neste sentido, parece-me que não há diferença sub substancial, quando um título é ofertado ao mercado por meio da imprensa (no atacado) ou quando as instituições financeiras os oferecem aos seus clientes (no varejo), por intermédio dos gerentes de suas contas, em uma atividade de convencimento que coloca aqueles em situação delicada, uma vez que dependem dos últimos, muitas vezes, de boa vontade no atendimento de suas pretensões. Na verdade, eles seriam valores mobiliários por afetação.

E, informação por informação, no mercado de capitais ela está institucionalizada por uma série de medidas obrigatórias em defesa dos investidores. Enquanto isso em certas ofertas no varejo, que é meramente aparente - pois a somatória dos clientes alcançados pela oferta das instituições pode chegar aos milhares - os quais padecem de séria assimetria informacional diante do ofertante. Nesse caminhar, por fim, é necessário da mesma forma regular a oferta dos não títulos de crédito e dos não valores mobiliários nesse vasto e complexo mundo negocial, insuficientes as normas do CC.

Acho que o leitor está cansado. Em outra oportunidade continuaremos com esse tema.

_________

1 Professor catedrático da Faculdade de Ciências Econômicas da U. UFRJ e Inspetor do Banco do Brasil, com segunda edição de 1959. Essa obra é atualmente uma raridade, extremamente útil aos pesquisadores da história legislativa dos mercados em apreço. Seus capítulos tratam da competência da Sumoc; das normas sobre crédito e bancos; da Caixa de Mobilização Bancária; da moeda, câmbio e comércio exterior; do desenvolvimento econômico nacional e regional, e das finanças públicas, incluindo os impostos. Como se percebe, tudo muito junto e misturado.

2 Interessante é que o inciso VII do art. 10 da Lei 4.595/1964 outorgava competência do BCB sobre o mercado de capitais outorgava competência para permanentemente atuar no mercado de capitais, não tendo sido expressamente revogado. Ou se trata de revogação implícita pela Lei 6.385/1976, ou ficou ainda reservada uma competência complementar do BCB nessa área que precisaria ser regulamentada.

3 Vide nosso texto “A CVM e os Contratos de Investimento Coletivo: Boi Gordo e Outros”, in RDM nº 108/1997, pp 91/100.

4 Veja-se a discussão do caso do token D¥N, emitido pela Dinasty, objeto de decisão da CVM, in “Valores Mobiliários e Tecnologia: Essência e Forma”, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais – RDB nº 107, jan/mar/2025, pp. 15 a 42.

5 Sobre esse aspecto vide nosso texto “O Direito Bancário e do Mercado de Capitais e as Operações Relativas a Títulos e Valores Mobiliários ‘desregulamentados’”, em Migalhas de 28.02.20205,

6 A respeito vide nosso texto “Jabutis na Reforma do Banco Central do Brasil”, Migalhas de 8/7/2024.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.

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