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Limitações à prova ilícita por derivação: Fonte independente e descoberta inevitável

A ausência de regras claras no Brasil para aplicação das exceções à teoria do fruto da árvore envenenada.

27/6/2025

A CF/88 trata expressamente sobre a vedação do uso da prova ilícita nos processos (art. 5º, inciso LVI, CF/88)1, positivando uma garantia básica integrante do conceito amplo do devido processo legal (ou justo processo).2

Portanto, a obtenção de provas que possam servir de suporte ao convencimento do julgador sem a observância das garantias constitucionais ou que contrarie as regras dispostas no CPP afrontam o princípio do due process of law.

Não se pode conceber a busca pela verdade no processo penal como uma batalha em que é permitido o uso de todos os meios úteis para se obter um resultado favorável. O ditado popular de que “os fins justificam os meios” não tem aplicação prática no processo penal. O direito probatório encontra limitação nas regras de admissão, produção e valoração de seus elementos.

O Estado pode muito, mas não pode tudo. É a partir dessa concepção que se insere a proibição de admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos em respeito às garantias individuais.

O texto constitucional não previu expressamente sobre a problemática admissibilidade das provas ilícitas por derivação, mas o Legislador inseriu na norma procedimental o dispositivo que determina que serão igualmente inadmissíveis as provas que, embora produzidas validamente, também são afetadas pelo vício da ilicitude originária.

A lei 11.690/08 alterou dispositivos do CPP relacionados à prova e positivou a prova ilícita por derivação ao inserir o § 1º do art. 157 que determina que “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas”.

Essa compreensão decorre da aplicação da doutrina dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree) oriunda da Suprema Corte norte-americana no julgamento Silverthorne Lumber Co. v. United States que reputou inválida a intimação expedida com base em uma informação obtida por meio de busca ilegal.

Limitações à prova ilícita por derivação

A teoria do fruto da árvore envenenada é um limitador de eventuais abusos praticados por autoridades na obtenção de provas que possam subsidiar um indiciamento ou condenação, como corolário da proteção dos direitos individuais. A partir disso também é lógico inadmitir as provas que originem dessas práticas abusivas. Contudo, não significa afirmar que a ilicitude das provas derivadas é absoluta, sagrada e inacessível.

Assim como no Direito norte-americano, a inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas prevê a aplicação de limitações que excluem a contaminação da prova derivada, tornando-a lícita para os fins necessários. As mais citadas na doutrina e jurisprudência são3: (a) fonte independente (independent source exception) e (b) descoberta inevitável (inevitable discovery limitation).

A exceção da fonte independente consagra que, embora a prova derivada guarde relação de causalidade com a prova originária, caso a conexão não seja total e, portanto, a prova ou informação derivada possa ser obtida por outra fonte lícita, os elementos probatórios derivantes não serão excluídos do processo.

Em outras palavras, caso fique provado que a obtenção de elementos de informação se deu a partir de uma fonte autônoma de prova e que não haja uma relação de dependência com a prova originária ilícita, os dados probatórios serão admitidos no processo, porque a mácula da prova originária não contaminou a prova derivada.

Já a exceção da descoberta inevitável (ou exceção da fonte hipotética independente) se refere a prova que, embora derivada da ilícita, seria inevitavelmente descoberta ou produzida de qualquer modo. Por isso fala-se em inevitabilidade da sua produção, porque a validade da prova com base na teoria necessita de um juízo do provável, através de um método hipotético da produção ou descoberta da prova, baseado em elementos concretos.4

Ausência de regras claras para aplicação das exceções

A abordagem teórica do princípio da contaminação e as exceções da sua aplicação é clara e objetiva, mas a aplicação prática no direito brasileiro é insegura quando o legislador permite ao julgador decidir casuisticamente, na medida em que se recorre a conceitos vagos e imprecisos da lei que abrem espaço para o subjetivismo que reforçam o decisionismo jurídico.

A legislação brasileira cometeu um equívoco ao importar o princípio da contaminação nascida na Corte Suprema norte-americana, porque se pretendeu inserir na norma procedimental a teoria da contaminação e a positivação de suas exceções, mas a menção genérica da inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas, sem positivar como e quando as exceções se aplicam resultam em um vazio normativo transferindo ao julgador o preenchimento das lacunas existentes e a adequação casuística da teoria.

O art. 157 prevê o seguinte:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

Crítico obstinado da disciplina adotada no art. 157 do CPP, o Aury Lopes Jr. assevera que:

“A disciplina adotada no art. 157 do CPP conduz ao enfraquecimento excessivo, quase erradicação, da doutrina dos frutos da árvore envenenada, retirando a eficácia da garantia processual e constitucional. Também é mais um exemplo de expansão do espaço impróprio da subjetividade judicial, conduzindo ao terreno da ilicitude à la carte, ou seja, mais um excesso de subjetividade que permite ao juiz/tribunal afirmar ou não a existência da conexão de ilicitude apenas com uma boa retórica. E tudo isso é gerador de tratamento desigual para situações jurídicas iguais, antidemocrático e fomentador de imensa insegurança jurídica.”5

A falta de definição clara das regras de aplicação da mitigação do princípio da contaminação lança a sorte para determinar os casos concretos que serão aplicadas as exceções da doutrina da contaminação. O julgador diante de uma situação prática recorre a conceitos vagos e imprecisos que resultam na insegurança jurídica, uma vez que não há estabilidade sobre a aplicação da norma legal.

Embora tenha importado a teoria, o Brasil não fez o mesmo com os instrumentos reguladores que asseguram a aplicação racional e equilibrada do instituto. Para que se possa alcançar a aplicação igualitária das exceções da teoria da árvore envenenada é necessário definir as regras do jogo.

Na jurisprudência norte-americana é possível extrair fatores utilizados na análise do caso concreto para avaliar a conexão entre o fator inicialmente ilegal e as evidências decorrentes, como por exemplo, se o ato ilegal foi utilizado como meio para alcançar a prova secundária, ou o decurso temporal entre o ato ilícito e a evidência derivante.

Até que o Poder Legislativo altere a regulamentação concreta das exceções, inserindo na norma procedimental os fatores para avaliar se a mácula da prova originária ilícita contaminou as evidências secundárias, é necessário que os juízes e tribunais apliquem com rigor o devido processo legal no tratamento da contaminação probatória.

Portanto, o tratamento dado à prova derivada deve respeitar o princípio da legalidade, na medida em que o § 1º do art. 157 prevê que somente quando “não evidenciado o nexo de causalidade” é que se admitirá a prova derivante no processo. Deve-se partir, portanto, da premissa que a prova secundária é ilícita e somente haverá a sua admissibilidade se o órgão acusador, através de argumentação lógica e racional, baseada em elementos fáticos concretos, demonstrar a independência da prova.

______________

1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

2 Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes; Paulo Gustavo Gonet Branco. – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 1.176.

3 REsp n. 2.159.111/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/5/2025, DJEN de 14/5/2025. Rcl n. 48.703/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 20/5/2025, DJEN de 30/5/2025. HC n. 974.400/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 7/5/2025. AgRg no RHC n. 192.603/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 28/4/2025.

4 Lima, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 691.

5 Lopes Jr., Aury Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 18. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 253.

Walacy Viana
Advogado criminalista. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Sócio-fundador do escritório Vasco e Viana Advocacia.

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