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Lootboxes e o Direito brasileiro: Estamos prontos para esse debate?

Lootboxes em jogos digitais despertam debate sobre consumo juvenil, apelo psicológico e a ausência de normas específicas no Brasil.

27/6/2025

Você compraria uma caixa misteriosa pela internet sem saber o que há dentro, podendo receber desde um item virtual até um produto físico de alto valor? E o seu filho, deixaria comprar?

A pergunta não é retórica. As chamadas lootboxes (caixas-surpresa digitais) são hoje uma das funcionalidades mais difundidas, e menos compreendidas, da economia global dos games.

Presentes em plataformas que combinam entretenimento, recompensa, engajamento e elementos de jogo, elas movimentam milhões de usuários no mundo todo. No Brasil, o tema ainda avança em terreno pouco explorado. Mas não por muito tempo.

Ainda que o cenário atual indique a ausência de regulação específica, já se observam sinais de mudança. No Congresso Nacional, tramitam dois projetos de lei com propostas distintas sobre o tema:

Ambos os projetos, no entanto, ainda aguardam aprovação.

As lootboxes envolvem dinâmicas que merecem atenção: monetização vinculada à aleatoriedade, forte apelo psicológico e ampla disponibilidade em jogos online gratuitos, justamente os mais acessados por crianças e adolescentes.

Em um cenário de crescente regulação sobre apostas e jogos online, é, no mínimo, curioso observar que produtos com essas características ainda circulam sem filtro específico, nem diretrizes claras.

Mas vale lembrar: lootboxes não são apostas, tampouco se enquadram, hoje, como jogos de azar sob o ordenamento jurídico brasileiro. E é justamente aí que mora tanto o desafio quanto a oportunidade.

Afinal, o que são lootboxes?

Lootboxes são caixas virtuais com conteúdo aleatório. Ao abri-las, o usuário pode receber itens digitais (como skins para avatares ou acessórios como armas ou armaduras) ou até prêmios físicos. Em algumas plataformas, o sistema inclui funcionalidades adicionais, como batalhas entre usuários, recompensas diárias, cashback e acúmulo de experiência virtual.

O denominador comum é o elemento de surpresa: o usuário sabe que receberá algo, mas não sabe exatamente o quê. Do ponto de vista técnico, trata-se de uma mecânica de engajamento, e não de aposta no sentido legal do termo. E é essa nuance que precisa ser compreendida com maturidade.

Embora algumas ações civis públicas tenham tentado enquadrar lootboxes como formas disfarçadas de jogo de azar, não há hoje qualquer norma que proíba expressamente sua oferta ou monetização.

Na verdade, há sólidos argumentos jurídicos para sustentar que se trata de uma relação de consumo envolvendo produto de conteúdo incerto, onde o usuário sempre recebe algo em troca. A lógica é distinta daquela que caracteriza o jogo de azar tradicional, em que há risco de perda total e relação adversarial entre as partes.

Além disso, diversas plataformas já implementam boas práticas: verificação etária, transparência nas probabilidades, restrição a mercados secundários e ferramentas de controle parental. Ou seja, é viável, e desejável, operar com responsabilidade, especialmente em respeito ao CDC e ao ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente.

É aqui que se concentra a principal preocupação regulatória e social. Embora não sejam desenhadas para o público infantojuvenil, muitas lootboxes estão integradas a jogos gratuitos, facilmente acessíveis por crianças. E o apelo é evidente: além da recompensa, há o prestígio dentro do jogo, a progressão e o destaque frente aos demais.

São estímulos fortes e, por isso mesmo, merecem atenção.

A indústria de games é uma das mais criativas, lucrativas e influentes do mundo. No Brasil, cresce a cada ano, impulsionando não só o entretenimento, mas também a tecnologia, a educação e o empreendedorismo.

Ignorar ou simplificar o fenômeno das lootboxes é fechar os olhos para uma realidade consolidada no ecossistema digital.

Falta clareza normativa? Talvez. Mas, sobretudo, falta compreensão técnica e disposição para analisar esse tema sem reducionismos.

As lootboxes são parte de um novo modelo de consumo, engajamento e cultura digital que já está entre nós.

Mais cedo ou mais tarde, o Brasil terá que encarar essa discussão. E quanto mais informado for esse debate, melhor para todos.

Fernanda Meirelles
Responsável pela área de Media & Gaming do FAS Advogados.

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