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O que a manifestação do Papa Leão XIV revela sobre o futuro do Direito do Trabalho?

A nomeação de Leão XIV sinaliza preocupação com os efeitos da inteligência artificial nas relações de trabalho e propõe um olhar ético e regulatório sobre o tema.

29/6/2025

Quando um papa escolhe seu nome pontifício, ele não apenas homenageia seus antecessores. Quando um papa escolhe seu nome papal, há uma indicação, com força simbólica e política, do rumo que deseja imprimir ao seu papado.

A decisão de Jorge Mario Bergoglio em adotar o nome Francisco, por exemplo, foi inspirada em São Francisco de Assis, um santo católico tradicionalmente conhecido por sua humildade e compromisso com os pobres, projetando uma Igreja especialmente voltada à simplicidade e à justiça social. Agora, Robert Francis Prevost optou por utilizar o nome Leão XIV, indicando expressamente que a escolha remete diretamente ao papa Leão XIII e sua encíclica Rerum Novarum, documento que foi publicado em 1891 como resposta da Igreja Católica ao fortalecimento do liberalismo e do capitalismo, no contexto da Revolução Industrial.

Em verdade, Leão XIV não apenas homenageou seu antecessor (Leão XIII), mas declarou expressamente que o mundo atravessa uma espécie de “nova revolução”, dessa vez impulsionada pela Inteligência artificial, e que, indicando um rumo de seu papado, a Igreja deve contribuir com sua doutrina social na defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.

Nitidamente, não se trata de mera retórica religiosa e tampouco de alerta alarmista. Trata-se de um sinal institucional de que a Inteligência artificial não é apenas uma pauta tecnológica ou econômica, é, sobretudo, uma das principais questões sociais da agenda mundial e, consequentemente, da agenda trabalhista.

A Inteligência artificial nas relações de trabalho já não é assunto para o futuro. É a realidade de hoje. A tecnologia está presente nos processos de recrutamento e seleção, no monitoramento de desempenho, na análise de produtividade, na avaliação de metas, na automação de tarefas e, até mesmo, na extinção das relações de trabalho.

Veja-se que a inteligência artificial já está presente e consolidada nas relações de trabalho do início (ou até mesmo antes) ao fim (ou até mesmo após).

Ainda assim, carece-se de uma regulamentação específica que trate da Inteligência artificial de forma estruturada, ética e efetiva, sobretudo no âmbito das relações de trabalho. No país, o Direito do Trabalho ainda opera com base em princípios sólidos como a valorização do trabalho humano, a dignidade da pessoa e a função social da empresa. Entretanto, os clássicos e robustos conceitos que envolvem as relações de emprego - tais como subordinação, pessoalidade, não eventualidade e controle de jornada - passam a não mais entregar respostas jurídicas efetivas à nova realidade mediada por códigos e dados, bem como aos problemas sociais daí decorrentes.

É justamente nesse ponto, ao que parece, que a manifestação de Leão XIV se revela pertinente: o risco não é o avanço da Inteligência artificial, mas sim a perpetuação de um modelo sem a análise, estudo e regulamentação necessários. A preocupação está em como, onde e para quem ela é (e será) implantada, sobretudo nas relações de trabalho.

Partindo do alerta simbólico do Papa, é possível (e necessário) construir uma agenda propositiva para o Direito do Trabalho sobre o tema. Não se trata de movimento que visa frear o avanço da Inteligência artificial, mas sim de guiá-la pelo melhor caminho, seguindo o norte e os bons ares dos princípios constitucionais.

A inteligência artificial não precisa ser tratada como inimiga do emprego e dos trabalhadores. Deve ser, ao contrário, aliada deles, como um verdadeiro instrumento positivo de reorganização, inclusão e proteção dos trabalhadores nas relações laborais.

Ao contrário do que muitos temem, a inteligência artificial - como qualquer avanço tecnológico - não deve ser rejeitada e não precisa ser temida. Precisa e deve ser compreendida, regulada e dirigida por valores éticos e sociais. A história mostra que o progresso tecnológico carrega riscos reais, mas também potencial transformador extraordinário, capaz de gerar soluções inéditas para problemas humanos históricos.

Apenas à título de exemplo ocorrido há não muito tempo, a Revolução Digital, ao final do Século XX, causou rupturas profundas no mercado de trabalho e até mesmo extinção de postos de trabalho tradicionais, mas também gerou novas oportunidades, novas profissões, dinamizou o empreendedorismo e permitiu a descentralização da informação.

A inteligência artificial, acredita-se, não será a exceção, mas sim mais uma etapa evolutiva.

Nessa linha, o que a manifestação do Papa Leão XIV revela, ao que parece, é que estamos diante de uma nova encruzilhada histórica, em que o avanço da Inteligência artificial já não pode ser tratado como tendência futura ou abstrata, mas como realidade concreta e presente, que impacta empregos, carreiras, estruturas produtivas e, sobretudo, pessoas.

Sugere também, nas entrelinhas, que o momento de intervir é agora, antes que essa transformação se consolide à margem da condução da sociedade. Para tanto, o Direito do Trabalho deve assumir papel de protagonismo: incentivando avanço tecnológico e empresarial, sem perder de vista seu dever de proteger o trabalhador e valorizar o trabalho.

Isso implica promover não apenas a adaptação legal e normativa, mas também a aproximação crítica, a capacitação contínua e a proteção efetiva do trabalhador diante das transformações impostas pela tecnologia.

Trata-se de uma alteração profunda, constante e ininterrupta na forma como se produz, organiza e executa o trabalho. Uma mudança que exigirá do Direito do Trabalho mais do que respostas reativas ou pontuais: exigirá uma atuação ativa, tecnicamente atualizada, comprometida com o progresso tecnológico e social, mas igualmente atenta à preservação da dignidade tanto do trabalhador quanto do empresário.

Caberá a nós, não só enquanto operadores do Direito, mas como sociedade, assumir esse protagonismo e liderar o debate sobre como a inteligência artificial pode ser não um substituto do trabalhador, mas uma aliada do trabalho humano e do progresso social.

Lucas Velho
Advogado da área de direito do Trabalho do escritório Silveiro Advogados, é pós-graduando em Direito Agrário e do Agronegócio na FMP - Fundação Escola Superior do Ministério Público.

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