1. Introdução
A garantia a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, prevista expressamente na CF/88, denota significativa evolução na proteção de valores ambientais, sendo consagrado como a “constitucionalização da proteção ambiental” (SARLET, 2021).
Nesse cenário, o TAC - Termo de Ajustamento de Conduta surge como um instrumento estratégico de proteção e reparação ambiental, especialmente em contextos em que o dano já se concretizou ou é iminente (VIEGAS, 2014). Trata-se de mecanismo de solução extrajudicial de conflitos promovido por órgãos públicos, visando à adequação da conduta de pessoas físicas ou jurídicas às normas ambientais.
Contudo, a simples celebração de TAC não assegura, por si só, a tutela efetiva do meio ambiente. Como tem destacado a doutrina majoritária (VIEGAS, 2014), o verdadeiro critério de legitimidade do TAC é sua “eficácia social”, ou seja, sua capacidade de promover um resultado socialmente tido por justo e efetivamente restaurador dos danos ambientais causados.
Logo, especialmente quando elaborado nos átrios do Ente público lesado, a celebração de um TAC deve operar dentro dos limites da vedação ao retrocesso ambiental. Portanto, em uma busca pela gestão pública sustentável e no exercício de suas funções constitucionais, qual é o papel do advogado público no cotejo e elaboração dos TACs?
2. O Termo de Ajustamento de Condutas como instrumento de vedação ao retrocesso ambiental
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (CF/88, art. 225), representa não apenas um princípio normativo, mas uma diretriz de máxima efetividade (BENJAMIN, 2005). Trata-se de um direito fundamental transindividual (DA SILVA, 2006), cuja preservação se conecta à dignidade da pessoa humana e à sustentabilidade intergeracional. Dentro desse marco, vigora a vedação ao retrocesso ambiental (PRIEUR, 2012), segundo a qual não se admite qualquer medida estatal - legislativa ou administrativa - que reduza o nível de proteção ambiental já alcançado.
Assim, como instrumento para o efetivo exercício desse direito transindividual, o §6º do art. 8º da lei 7.347 de julho de 1985 (LACP) dispõe que “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”, sendo este o fundamento nacional para a propositura de TACs nos átrios dos órgãos públicos lesados.
Como brilhantemente define Rodrigues (2002), o Termo de Ajustamento de Condutas em matéria ambiental é: uma forma de solução extrajudicial de conflitos promovida por órgãos públicos, tendo como objeto a adequação do agir de um violador ou potencial violador de um direito transindividual (direito difuso, coletivo ou individual homogêneo) às exigências legais, valendo como título executivo extrajudicial. (RODRIGUES, 2002, p. 297)
Rapidamente se conclui, portanto, que o TAC em matéria ambiental é um acordo extrajudicial entre o órgão público e um agente violador do direito transindividual, com o intuito de evitar a continuidade do dano e reparar integralmente à lesa até então constatada.
Contudo, especialmente quando elaborado nos átrios do Ente público lesado, a celebração de um TAC não pode ser um subterfúgio para flexibilizações indevidas das normas ambientais, legitimando condutas que já deveriam estar em conformidade com a legislação.
Essa prática, segundo a doutrina mais abalizada (VIEGAS, 2014), compromete a própria noção de justiça ambiental e contribui para a adoção de mecanismos de incentivos empresariais ao detrimento da real preservação ambiental.
Por outro lado, quando corretamente formulado e democraticamente conduzido, o TAC pode desempenhar um papel crucial na restauração ambiental. Isso exige que os compromissos assumidos sejam redigidos de forma clara e objetiva, incluam medidas reparatórias reais, cronogramas rigorosos de cumprimento e mecanismos de fiscalização transparente.
Assim, o TAC pode ser visto como uma importante ferramenta de consolidação do direito ambiental, desde que não sirva como substituto à responsabilização judicial ou como instrumento de tolerância com a ilegalidade, mas sim como caminho para a restauração plena do meio ambiente e a promoção da justiça socioambiental.
3. O advogado público como segunda linha de defesa do meio ambiente
Não há dúvidas: a advocacia pública desempenha um papel essencial para a justiça (VILANDE, 2023). Afinal, como órgão responsável pela representação judicial e extrajudicial das pessoas jurídicas de direito público, várias são as atividades profissionais, exercidas pelos advogados públicos, que possuem características eminentemente públicas, constituindo verdadeiro dever do Estado (DE LIMA, 2015).
Talvez seja pela importância do seu papel e pela posição ímpar que o advogado público exerce na realidade dos Entes em que atua, que o art. 169 da lei 14.133/21 assim dispões:
Art. 169. As contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa: II - segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade;
Ora, constatada a singularidade do texto legal quanto ao exercício profissional no âmbito licitatório, fato é que a teleologia da legislação busca oferecer ao assessoramento jurídico um papel de “segunda linha de defesa”, sendo, portanto, a primeira linha o próprio servidor atuante na licitação e a segunda linha, ainda interna ao Ente público contratante, um revisor e conselheiro, que busca identificar vicissitudes no procedimento licitatório e recomendar soluções antes mesmo de que tais apontamentos sejam realizados pela terceira linha de defesa (notadamente, o Tribunal de Contas e o órgão central de controle interno).
Em que pese o texto legal dispor exclusivamente do exercício licitatório, o paralelo com a atuação nos TACs é relevante, afinal, como representante extrajudicial do Poder Executivo, caberá ao Advogado Público revisar os termos firmados, buscando evitar vicissitudes e contribuir para a efetiva reparação ambiental (DE LIMA, 2015)
Note-se que, no âmbito federal, o art. 4º-A da lei 9.469/1997 prevê a legitimidade da AGU - Advocacia Geral da União em firmar termo de ajustamento de conduta para prevenir ou terminar litígios, nas hipóteses que envolvam interesse público da União, suas autarquias e fundações. Vejamos o texto legal.
Art. 4º-A. O termo de ajustamento de conduta, para prevenir ou terminar litígios, nas hipóteses que envolvam interesse público da União, suas autarquias e fundações, firmado pela Advocacia-Geral da União, deverá conter (incluído pela lei 12.249, de 2010):
- a descrição das obrigações assumidas;
- o prazo e o modo para o cumprimento das obrigações;
- a forma de fiscalização da sua observância;
- os fundamentos de fato e de direito; e
- a previsão de multa ou de sanção administrativa, no caso de seu descumprimento único. A Advocacia-Geral da União poderá solicitar aos órgãos e entidades públicas federais manifestação sobre a viabilidade técnica, operacional e financeira das obrigações a serem assumidas em termo de ajustamento de conduta, cabendo ao Advogado-Geral da União a decisão final quanto à sua celebração.
Nada obstante, na realidade dos demais Entes públicos, especialmente em âmbito municipal, muitas vezes a lavratura do TAC não fica legalmente a cargo do advogado público, com disciplina divergente daquela oferecida pela AGU.
Para além das discussões da constitucionalidade dessas normativas em âmbito estadual e municipal, é inegável o papel do advogado público como segunda linha de defesa na atuação ambiental dos Entes, cabendo ao advogado público a revisão dos Termos de Ajustamento de Condutas firmados, com a elaboração de pareceres jurídicos opinativos e indicativos da melhor alternativa para a reparação integral do meio ambiente. Nas palavras da doutrina abalizada:
(...) o atual contexto da advocacia pública é de evolução. Evolução esta que decorre de uma mudança gradativa no paradigma institucional da advocacia pública, de simples defensora do ente público para uma efetiva controladora da legalidade dos atos administrativos. E essa mudança parte da iniciativa do advogado público, que deveria abstrair as vontades políticas, tendo como facilitador o respaldo do fortalecimento legal da sua autonomia e independência, necessárias para a defesa do patrimônio público. Apesar das inúmeras vicissitudes enfrentadas pelos advogados públicos para o desenvolvimento de uma rede de proteção do patrimônio público isenta de influências políticas, tem-se que a advocacia pública surge como mais uma instituição voltada para a defesa da moralidade administrativa. Essa defesa é proporcionada pelo exercício dos instrumentos processuais e extraprocessuais disponíveis no ordenamento jurídico à advocacia pública para a efetiva proteção da moralidade administrativa e do patrimônio público. (MAZZEI, Marcelo Rodrigues; LORENZI, Marcelo Tarlá; PAZETO, Henrique Parisi; DA SILVEIRA, Sebastião Sérgio; NETO, Zaiden Geraige, 2015, p. 716-717)
Identifica-se, portanto, que o papel do advogado público não se amolda ao paradigma de mero defensor do Ente público, mas deve ser compreendido como uma segunda linha de defesa da constitucionalidade dos atos administrativos, em especial, quando da lavratura de TACs.
4. Conclusão
A análise empreendida permite concluir que o Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental é uma ferramenta indispensável à concretização da tutela ambiental, desde que estruturado com observância à legalidade, à moralidade administrativa e à vedação ao retrocesso ecológico. A função do TAC vai além de um simples pacto entre as partes: ele deve ser um instrumento restaurador, que corrija violações e assegure um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Nesse contexto, o papel do advogado público revela-se estratégico. Ao atuar como segunda linha de defesa, o procurador garante que os compromissos assumidos no TAC estejam em conformidade com as exigências legais e com os princípios constitucionais, resguardando o interesse público e evitando práticas que possam enfraquecer a proteção ambiental. A atuação técnica e independente da advocacia pública é um componente essencial para a efetividade dos compromissos firmados.
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DA SILVA, Solange Teles. Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado Avanços e Desafios. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito–PPGDir./UFRGS, n. 6, 2006.
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MAZZEI, Marcelo Rodrigues; LORENZI, Marcelo Tarlá; PAZETO, Henrique Parisi; DA SILVEIRA, Sebastião Sérgio; NETO, Zaiden Geraige, A administração pública na tutela coletiva da moralidade administrativa e do patrimônio público: o papel da advocacia pública. Revista de Administração Pública - RAP, vol. 49, núm. 3, mayo-junio, 2015, pp. 699-717.
PRIEUR, Michel. O princípio da proibição de retrocesso ambiental. O Princípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasilia: Senado Federal, p. 11-54, 2012.
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