Em fevereiro de 2025, a 6ª turma do STJ, no julgamento do habeas corpus 929.002/AL, afastou, por unanimidade, a tese de “racismo reverso” apresentada pelo Ministério Público do Estado de Alagoas em um processo por injúria racial movido contra um homem negro, que foi acusado de ofender um homem branco utilizando referências à sua cor da pele e à sua ascendência europeia.
O colegiado da Corte superior afastou a possibilidade de reconhecimento do “racismo reverso” por considerar que o racismo é um fenômeno estrutural, que historicamente afeta grupos minoritários. Assim, restou fixado o entendimento de que a injúria racial não se configura a partir de ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente em razão da sua cor de pele.
O Ministério Público do Estado de Alagoas apresentou uma denúncia contra um homem negro, por suposta prática de injúria racial contra um imigrante branco italiano, que estaria sendo chamado de “escravista cabeça branca europeia”, por meio de aplicativos de mensagens. O órgão acusador baseou a denúncia em suposta ofensa à raça europeia da pretensa vítima.
Segundo o ministro relator Og Fernandes, a injúria racial somente se caracteriza quando há uma relação de opressão histórica. A tipificação do crime de injúria racial visa resguardar grupos minoritários historicamente discriminados e a interpretação das normas deve considerar a realidade concreta e a proteção desses grupos, conforme diretrizes do protocolo de julgamento com perspectiva racial do CNJ, o qual reconhece o racismo como um fenômeno estrutural baseado na hierarquia historicamente imposta por grupos dominantes.
O objeto central do julgado em questão foi a interpretação teleológica da lei de racismo (lei 7.716/1989), notadamente no sentido de compreendê-la de acordo com o objetivo para o qual ela foi criada.
Com efeito, o art. 20-C da mencionada legislação dispõe que “na interpretação desta lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.
Nesse sentido, no entendimento do relator, a expressão “grupos minoritários” revela um traço muito mais político do que quantitativo, de modo que se refere não ao contingente populacional, mas àqueles que, ainda que numericamente majoritários, não estão igualmente representados nos espaços de poder.
Assim, a conclusão interpretativa utilizada no julgado visou preservar o bem jurídico tutelado pela norma que, no caso dos autos, seria o combate ao racismo estrutural contra pessoas negras.
Impende-se destacar que a decisão do STJ não impede que ofensas dirigidas a pessoas brancas sejam enquadradas no crime de injúria simples, mas afasta a possibilidade de tipificação como injúria racial em caso de ofensa baseada exclusivamente na cor da pele.
Portanto, o julgamento do STJ estabelece um precedente importante na interpretação das leis antirracistas no Brasil. Ao conceder o habeas corpus para afastar qualquer interpretação que considere a injúria racial aplicável a ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por essa condição, rechaçando a tese falaciosa de "racismo reverso", a Corte reafirmou que a legislação não pode ser descontextualizada, devendo sempre considerar o papel histórico do racismo na exclusão de grupos racializados.