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Lei 15.160/25: Quem é a mulher protegida contra o crime sexual?

A nova lei 15.160/25 exclui benefícios penais e exige repensar o conceito jurídico de mulher.

9/7/2025

1 | Panorama da nova lei

Sancionada em 3 de julho de 2025, a lei 15.160/25 alterou os arts. 65 e 115 do CP para excluir as atenuantes etárias (menor de 21 ou maior de 70 anos) e a redução do prazo prescricional quando o crime envolver violência sexual contra mulher. O art. 65 I e o art. 115 agora trazem a ressalva salvo se o crime envolver violência sexual contra a mulher” - solução que endurece a resposta penal e faz eco às diretrizes internacionais de proteção de gênero.

Até então, a juventude ou a velhice do agente reduziam a pena ou encurtavam a prescrição, o que se revelava incompatível com a gravidade dos delitos sexuais e com a política criminal de combate à impunidade. O Congresso justificou a mudança sob três eixos: (i) prevenção geral negativa (dissuasão), (ii) garantia de proporcionalidade para a vítima e (iii) alinhamento às obrigações convencionais assumidas pelo Brasil (CEDAW e Convenção de Belém do Pará).

2 | Fundamentos para vedar as atenuantes

Igualdade material de gênero - Afastar privilégios etários impede que estereótipos de vulnerabilidade masculina (paternalização do idoso) perpetuem desigualdades, coerente com o art. 5º I da Constituição.

Efetividade das obrigações internacionais - A Convenção de Belém do Pará exige-nos “agir com a devida diligência” para prevenir e punir a violência baseada em gênero, afastando indulgências que possam favorecer o agressor.

Economia processual e confiança na justiça - Maior expectativa de punição reduz a revitimização, encurta litígios decorrentes de prescrições precipitadas e entrega tutela tempestiva.

3 | Quem a lei chama de “mulher”?

A redação legal não define o termo, abrindo espaço hermenêutico. A ausência de definição expressa do termo “mulher” na lei 15.160/25 impõe uma leitura sistemática e conforme a Constituição. A seguir, os principais vetores interpretativos que sustentam uma concepção de gênero, e não apenas biológica:

Vetor constitucional:

A Constituição garante a igualdade material entre os gêneros (art. 5º, I) e determina proteção especial à mulher contra a violência (art. 226, §8º), o que inclui mulheres trans e travestis que se identificam e vivem socialmente no gênero feminino.

Vetor internacional:

A Convenção de Belém do Pará - com status supralegal - obriga o Estado brasileiro a adotar medidas para prevenir e punir toda violência baseada no gênero, o que implica reconhecer a pluralidade de identidades femininas.

Vetor infraconstitucional:

A lei Maria da Penha (lei 11.340/06) e a lei do feminicídio (lei 13.104/15) já vêm sendo aplicadas com base em uma leitura de gênero, ampliando o alcance protetivo para mulheres trans, travestis e outras identidades femininas.

Vetor jurisprudencial:

Tribunais superiores (STJ e STF) têm reconhecido, em decisões reiteradas, que o conceito de “mulher” nas leis de proteção abrange aquelas que se identificam no gênero feminino, independentemente de sexo biológico ou registro civil.

Conclusão hermenêutica: no contexto da lei 15.160/25, “mulher” deve abranger todas as pessoas que se identificam e vivem socialmente no gênero feminino, independentemente de sexo biológico ou status registral. Isso evita lacunas protetivas e concretiza o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

4 | Violência sexual contra a mulher: conceito jurídico-penal e de gênero

4.1 No CP

O tipo-base continua sendo o art. 213 - estupro: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal ou a outro ato libidinoso (pena de 6 a 10 anos, majorada em hipóteses qualificadas).

A partir da lei 12.015/09, o sujeito passivo deixou de ser apenas mulher - mas a nova lei 15.160/25 volta a sublinhar a vulnerabilidade específica do gênero feminino ao excluir benefícios quando a vítima for mulher.

4.2 Na lei Maria da Penha

A LMP descreve violência sexual como “qualquer conduta que force ou constranja a mulher a presenciar, obter, manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante força, intimidação ou uso de substâncias”.

Nota-se foco no consentimento e no caráter de gênero da opressão, ampliando o espectro para além do contato físico (por ex., obrigar a assistir pornografia).

4.3 Na Convenção de Belém do Pará

Define-se violência contra a mulher como todo ato ou conduta baseada no gênero que cause dano físico, sexual ou psicológico, no espaço público ou privado. A dimensão sexual engloba estupro, exploração, mutilação genital e coação reprodutiva.

4.4 Elementos comuns

5 | Interfaces com outros diplomas

Feminicídio (lei 13.104/15) - A violência sexual pode ser circunstância antecedente do homicídio qualificado por motivo de gênero, reforçando a gravidade da conduta.

Lei 14.245/21 (importunação sexual coletiva em transportes) - Aplica-se igualmente sem atenuantes etários caso a vítima seja mulher.

Estatuto da Criança e do Adolescente - Se a vítima tiver menos de 18 anos, incide simultaneamente a causa de aumento do art. 217-A e as vedações da lei 15.160/25.

6 | Impactos práticos da lei 15.160/25

Polícia Judiciária - Inquéritos sobre violência sexual contra mulheres deixam de computar prescrição pela metade; investigações ganham tempo.

Ministério Público - Denúncias passam a requerer penas integrais, sem abrandamentos etários; políticas de acordo de não persecução penal ficam mais restritas.

Defensoria - Necessidade de reavaliar estratégia defensiva quando o réu é muito jovem ou idoso; tese de atenuante etária tornou-se inviável.

Judiciário - Expectativa de uniformização na dosimetria; reforço do caráter pedagógico da sanção.

Sistema Prisional - Potencial aumento de tempo médio de execução de pena em crimes sexuais, com repercussões no cálculo de progressão.

7 | Crítica e perspectivas hermenêuticas

A inovação legislativa corrige distorções históricas, mas não basta por si só. Três desafios subsistem:

Conclusão

A lei 15.160/25 representa um passo firme na direção de uma justiça penal sensível ao gênero, eliminando benefícios penais que historicamente favoreceram agressores e reforçando a ideia de que toda violência sexual é intolerável, independentemente da idade do criminoso.

Entretanto, o alcance transformador da norma depende de uma hermenêutica inclusiva: “mulher” deve ser lida à luz da Constituição, das convenções internacionais e da jurisprudência que já reconhece a pluralidade de identidades femininas no Brasil. Ao vincular o conceito de mulher ao gênero - e não ao sexo biológico - o intérprete confere efetividade integral à proteção penal e cumpre o mandado constitucional de construir uma sociedade livre de preconceitos e de qualquer forma de discriminação.

Fransérgio dos Santos Prata
Advogado corporativo com atuação em Direito Empresarial, Imobiliário, Condominial e Contratual, com expertise em compliance, governança e proteção de dados.

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