O cumprimento de sentença contra pessoas jurídicas tem, com frequência preocupante, ensejado práticas incompatíveis com a sistemática processual vigente. Entre elas, destaca-se a crescente tendência de se redirecionar a execução contra sócios da empresa originariamente demandada com base em pedidos genéricos de sucessão processual, sem que se comprove, de forma cabal, o efetivo encerramento da pessoa jurídica nos termos da legislação civil. Essa prática, que à primeira vista pode parecer apenas uma adaptação pragmática à realidade do processo, viola diretamente o devido processo legal, na medida em que suprime o contraditório e a ampla defesa do sócio supostamente responsável, dispensando a instauração do incidente próprio e tratando como sucessão aquilo que, na essência, constitui tentativa de responsabilização patrimonial pessoal fora das hipóteses legais.
A sucessão processual do sócio no cumprimento de sentença só é cabível, do ponto de vista jurídico, quando há comprovação efetiva de que a pessoa jurídica não mais existe, nos termos do art. 1.033 do CC. É necessário, portanto, que a empresa esteja extinta formalmente, com baixa arquivada na Junta Comercial, distrato social devidamente registrado e encerramento de suas obrigações tributárias e trabalhistas. A mera ausência de bens ou a paralisação das atividades comerciais não equivale à dissolução formal. Da mesma forma, o simples inadimplemento da obrigação reconhecida em juízo não transforma, por si só, o sócio em sucessor processual legítimo da empresa.
O que se observa em muitos casos é o ajuizamento de execuções ou o redirecionamento do cumprimento de sentença contra os sócios fundado na alegação genérica de que “a empresa está inativa”, sem a devida comprovação de sua extinção. Em outros, pretende-se a responsabilização direta dos sócios por obrigações da sociedade sem a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos arts. 133 a 137 do CPC, e sem que se configure a hipótese excepcional de sucessão processual. Nesses casos, a omissão do juízo em exigir a comprovação formal da extinção da empresa conduz à responsabilização patrimonial de pessoas naturais por dívidas de pessoa jurídica ativa, com personalidade - situação juridicamente insustentável.
Importa lembrar que, quando a pessoa jurídica não foi extinta, ela continua sendo o sujeito processual passivo legítimo da obrigação. Sua simples inatividade econômica ou ausência de bens penhoráveis não autoriza o redirecionamento da execução ao sócio sem o devido respeito à autonomia patrimonial. O CPC/15 foi claro ao estabelecer que o redirecionamento só pode se dar mediante a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, assegurando-se o contraditório e o exercício da ampla defesa ao sócio apontado como responsável.
Admitir a sucessão processual do sócio com base apenas na inexistência de patrimônio da pessoa jurídica - sem comprovar sua morte formal - é subverter o instituto da sucessão e utilizar indevidamente o processo como mecanismo de atalho para alcançar bens particulares, esvaziando a proteção jurídica conferida pela autonomia patrimonial. O resultado é a criação de uma espécie de “sucessão processual fictícia”, que, ao dispensar a formalização da extinção societária e ignorar a necessidade do incidente de desconsideração, viola tanto o art. 133 do CPC quanto o art. 50 do CC, além dos princípios do devido processo legal e da segurança jurídica.
Não se trata, evidentemente, de blindar o sócio que utilizou a pessoa jurídica como escudo para práticas abusivas ou fraudulentas. O ordenamento já oferece instrumentos eficazes para responsabilizá-lo, mediante desconsideração da personalidade jurídica, quando presentes o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Mas é necessário distinguir com precisão as figuras jurídicas. Sucessão processual e desconsideração são institutos com requisitos próprios e finalidades distintas. Confundi-los, como frequentemente se faz no cumprimento de sentença, compromete a coerência dogmática do sistema e impõe ao sócio uma responsabilidade patrimonial que não foi declarada nos autos, tampouco fundamentada.
A informalidade que se verifica na prática não pode ser tolerada como uma adaptação legítima da execução aos princípios da celeridade ou da efetividade. Eficiência processual não pode servir de justificativa para suprimir garantias mínimas do contraditório. Se a empresa está formalmente extinta, a sucessão pode ser deferida, desde que demonstrado esse fato com documentos idôneos. Se a empresa existe, mas se alega desvio de finalidade, a via adequada é o incidente de desconsideração. Qualquer atalho entre uma coisa e outra compromete a própria legitimidade da execução.
É preciso que os juízos da execução reconheçam que, mesmo na fase final do processo, o devido processo legal continua a ser imperativo. A aplicação de institutos técnicos exige rigor, sob pena de se banalizarem conceitos e se imporem restrições patrimoniais injustas. O sócio não pode ser transformado em sucessor por mera presunção de inatividade da sociedade, tampouco pode ser responsabilizado sem que lhe tenha sido oportunizado o contraditório específico que o art. 133 do CPC exige. A forma, no processo, não é um detalhe: é a própria essência da garantia.