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Anteprojeto do Código de Processo do Trabalho: Da gratuidade de Justiça (arts. 72 a 77)

O anteprojeto do CPT atualiza as regras da gratuidade de justiça no processo trabalhista, ampliando garantias de acesso e alinhando-se à jurisprudência do STF e do TST.

16/7/2025

QUADRO COMPARATIVO

Anteprojeto do CPT

(arts.   72 a 77)

Norma Jurídica Vigente Sobre o Tema:

CLT (art. 790)

Art. 72. É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer grau de jurisdição conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita àqueles que declararem a insuficiência de recursos financeiros.

 

§ 1° A gratuidade da justiça compreende:

 

I - as taxas, os emolumentos ou as custas judiciais;

 

Il - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios físicos;

 

Ill - os honorários do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;

 

IV - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;

 

V- os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para ajuizamento de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;

 

VI- os valores devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

 

§ 2° A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.

 

Art. 73. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo, em recurso ou na execução.

 

§ 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso.

 

§ 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de a indeferir, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

 

§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural.

 

§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.

 

§ 5º O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos.

 

Art. 74. Deferido o pedido, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples a ser apresentada no prazo de cinco dias nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso.

 

Parágrafo único. Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, multa até cinco vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, que será revertida em benefício da Fazenda Pública federal, podendo ser executada nos mesmos autos.

 

Art. 75. Contra a decisão de primeiro grau que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá agravo de urgência, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual poderá ser interposto recurso ordinário.

 

§ 1° Se a decisão que indefere a gratuidade ou acolhe o pedido de sua revogação for proferida por relator caberá agravo interno.

 

§ 2° Confirmada a denegação ou a revogação da gratuidade, o relator ou o órgão colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas processuais, no prazo de cinco dias, sob pena de inadmissibilidade do recurso.

 

Art. 76. Sobrevindo o trânsito em julgado de decisão que revoga a gratuidade, a parte deverá efetuar o recolhimento de todas as despesas de cujo adiantamento foi dispensada, inclusive as relativas ao recurso interposto, se houver, no prazo fixado pelo juiz, sem prejuízo de aplicação das sanções previstas em lei.

 

Parágrafo único. Não efetuado o recolhimento, o processo será extinto sem resolução de mérito, tratando-se do autor, e, nos demais casos, não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela parte enquanto não efetuado o depósito.

 

Art. 77. Requerida a concessão de gratuidade de justiça em recurso, o requerente ficará dispensado de realizar o preparo, incumbindo ao relator apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo de cinco dias para o recolhimento devido.

 

Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho.

 

§ 1º Tratando-se de empregado que não tenha obtido o benefício da justiça gratuita, ou isenção de custas, o sindicato que houver intervindo no processo responderá solidariamente pelo pagamento das custas devidas.      

 

§ 2º [omissis];

  

§ 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

 

§ 4º O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

 

 

Comentários: A justiça gratuita é um benefício que permite à parte ingressar em juízo sem a obrigação de arcar com as custas processuais, em razão da insuficiência de recursos. Esse direito decorre diretamente dos princípios constitucionais da assistência jurídica integral e gratuita e do acesso à justiça, previstos no art. 5º, incisos LXXIV e XXXV, da CF - Constituição Federal de 1988.

Atualmente, a gratuidade de justiça no processo do trabalho é amplamente concedida com base na declaração de hipossuficiência da parte, sobretudo ao trabalhador reclamante, nos termos do art. 790, § 3º, da CLT.

A lei 13.467, de 2017, que instituiu a Reforma Trabalhista, promoveu alterações significativas na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, e foram amplamente debatidas na doutrina e na jurisprudência. Dentre elas destaca-se o art. 790-B, §4º, que previa a obrigação de o trabalhador beneficiário da justiça gratuita arcar com os honorários periciais se fosse vencido no objeto da perícia, caso obtivesse créditos suficientes no processo, ainda que estes fossem relativos a verbas de natureza alimentar.

Na mesma linha, o art. 791-A, §4º, da CLT dispunha que o beneficiário da justiça gratuita poderia ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, desde que possuísse créditos no próprio processo ou em outra demanda.

Contudo, em 20 de outubro de 2021, o STF, ao julgar a ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade 5766, declarou inconstitucionais estes dispositivos celetistas, por violarem os princípios do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF) e da assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, da CF), além de comprometerem a função protetiva da Justiça do Trabalho ao imporem ônus desproporcionais aos trabalhadores hipossuficientes.

Por isso, a jurisprudência do TST firmou entendimento no sentido de que, deferido o benefício da justiça gratuita, suspende-se a exigibilidade dos encargos decorrentes da sucumbência ao trabalhador reclamante, inclusive honorários advocatícios, mesmo após a Reforma Trabalhista, em conformidade com o julgamento do STF.

Ademais, nos termos do art. 99, §3º, do CPC, presume-se verdadeira a alegação de insuficiência econômica formulada por pessoa natural. Aplicando-se esse dispositivo de forma subsidiária ao processo do trabalho, como permitem os arts. 769 da CLT e 15 do CPC, deve ser deferido o benefício da justiça gratuita à parte que declarar não possuir condições financeiras de arcar com as despesas processuais.

A súmula 463, I, do TST, corrobora esse entendimento, ao estabelecer que não se exige comprovação documental adicional, salvo em caso de impugnação fundamentada ou indícios de má-fé.

Por sua vez, o anteprojeto do CPT - Código de Processo do Trabalho buscou aprimorar a questão aqui tratada no cenário processual trabalhista nacional, visando garantir segurança jurídica, evitar lacunas procedimentais e preservar o acesso à justiça.

A gratuidade não é um benefício exclusivo da parte reclamante - ela pode ser concedida a qualquer parte no processo, seja pessoa física ou jurídica, reclamante ou reclamada, conforme previsão do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho.

O art. 72 do anteprojeto do CPT, em seu caput, repaginou o que consta nos arts. 790, §§ 3º e 4º, da CLT, inspirado no art. 99, § 3º, do CPC, permitindo a concessão da gratuidade de justiça em qualquer instância do Judiciário Trabalhista a requerimento da parte ou de ofício, mediante apresentação de declaração de insuficiência de recursos.

Já no § 1º, I a VI, traz de maneira detalhada os atos abrangidos pela gratuidade (custas, perícias, tradutores, cálculos, depósitos recursais, atos notariais), em redação parecida com a do art. 98, §1º, I a IX, do CPC, que o faz até de maneira mais ampla que o anteprojeto.

No § 2º, do art. 72, temos que a gratuidade não afasta a responsabilidade final pelas multas processuais, que serão exigidas ao fim. Este conteúdo é trazido de maneira idêntica ao do art. 98, § 2º, do CPC vigente.

O anteprojeto, no art. 73, em seu caput, similar ao § 2º, do art. 72 traz idêntico texto ao atual art. 99, caput e §1º, do CPC, dizendo que o requerimento de gratuidade é permitido em qualquer fase processual, mesmo por meio de simples petição.

O art. 73 do anteprojeto do CPT, em seus §§ 1º a 5º, reproduz de forma praticamente idêntica o disposto no artigo 99, §§ 2º a 6º, do CPC, tratando da presunção de hipossuficiência da pessoa natural, possibilidade de requerimento por advogado particular, necessidade de decisão expressa para litisconsortes e sucessores, possibilidade de indeferimento diante de prova em contrário e revogação do benefício.

Por seu turno, o art. 74, do anteprojeto, regula a impugnação ao benefício pela parte contrária e prevê multa em caso de má-fé, em valor equivalente a até cinco vezes o teto do RGPS - Regime Geral da Previdência Social.

Atualmente, a impugnação ao pedido de gratuidade pode ser apresentada pela parte contrária no prazo da contestação ou, se o benefício for concedido após esse momento, em até 15 dias a contar da ciência da decisão que o deferiu, com base na analogia ao art. 100 do CPC.

Para impugnar é necessário apresentar fundamentos concretos, como provas de que a parte possui renda compatível com o custeio do processo (ex.: altos salários, declaração de IR ou bens de valor significativo). Alegações genéricas não são suficientes, conforme entendimento consolidado pelo TST (súmula 463, I).

Ao tratar da impugnação, o anteprojeto do CPT prevê prazo em 5 dias, o que pode ser considerado exíguo diante da matéria tratada. Seria mais coerente a previsão de prazo de 8 dias para a apresentação da impugnação tratada no referido artigo, padrão para a maioria dos recursos no processo do trabalho.

No cenário atual, o indeferimento da gratuidade de justiça pode ser impugnado por recurso ordinário, se constar da sentença, ou por agravo de instrumento, se proferido por decisão interlocutória que impeça o seguimento de recurso por falta de preparo recursal. Na fase de execução, utiliza-se o agravo de petição.

Já o anteprojeto, em seu art. 75, prevê agravo de urgência contra indeferimento ou revogação da gratuidade; se proferida por relator, caberá agravo interno.

O art. 76 traz previsão similar àquela do art. 102 do CPC, sendo que após trânsito em julgado da decisão de revogação da gratuidade de justiça, a parte deve recolher os valores devidos.

Não o fazendo, ocorre a extinção do processo para o autor, ou vedação da realização dos atos processuais subsequentes para qualquer das partes, a depender da fase em que os autos se encontram. Aqui o anteprojeto CPT organiza de forma mais clara esta questão para a prática forense trabalhista.

Por fim, o art. 77 traz a previsão de que se a gratuidade for requerida em recurso, o recorrente fica dispensado do preparo, até decisão do relator, sendo o texto idêntico ao §7º, do art. 99 do CPC, reforçando entendimento já aplicado na prática.

Ricardo Nogueira Lemes
Advogado da área trabalhista do escritório Pereira Advogados.

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