A compra de um imóvel na planta representa, para muitos brasileiros, a realização de um sonho. No entanto, em tempos de instabilidade econômica, altas taxas de juros e reajustes acima da média, esse sonho tem se transformado em pesadelo. A dificuldade para manter os pagamentos ou a decepção com atrasos e cláusulas abusivas leva muitos compradores a desistirem do negócio. E aí surge a grande dúvida: posso recuperar o que paguei?
A resposta é sim, mas com alguns cuidados.
A explosão dos distratos no Brasil
Segundo levantamento da Abrainc - Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, apenas no primeiro trimestre de 2025, houve um aumento de 33% nos distratos em relação ao mesmo período de 2024. No total, foram 1.061 cancelamentos de contratos, o que representa 11% do total de vendas no setor.
Esse crescimento tem explicação: a inflação no setor da construção elevou o INCC para 15,44%, ao mesmo tempo em que a taxa básica de juros (Selic) subiu de 4,25% para 15%, tornando o financiamento imobiliário muito mais caro do que o planejado na assinatura do contrato.
O que diz a lei?
Para proteger o consumidor, foi sancionada a lei 13.786/18, conhecida como "Lei do Distrato". Ela traz regras claras sobre valores que podem ser retidos pela incorporadora e prazos para devolução do dinheiro.
Veja os principais pontos:
- Retenção de até 25% dos valores pagos, em casos gerais;
- Retenção de até 50% se o imóvel estiver em regime de patrimônio de afetação;
- Prazo de devolução:
- Em até 180 dias após o distrato, quando não houver patrimônio de afetação;
- Em até 30 dias após o habite-se, nos casos com patrimônio de afetação.
A lei também veda cláusulas abusivas, como a retenção da totalidade dos valores pagos ou da comissão de corretagem sem aviso prévio.
O que dizem os tribunais?
A jurisprudência tem reforçado a proteção ao comprador. Tribunais de Justiça em diversos estados já reconheceram o direito à devolução integral quando há falha da incorporadora - como atraso na entrega da obra ou propaganda enganosa.
Geralmente, eles determinam a devolução integral dos valores pagos, corrigidos monetariamente, diante do atraso superior a 180 dias na entrega do imóvel, ainda que o contrato previsse retenções.
Além disso, o STJ, por meio da súmula 543, já firmou que nos casos de resolução do contrato por culpa da construtora, a devolução dos valores pagos deve ser integral e imediata.
A dor de quem quer desistir!
Muitos consumidores, ao buscar o distrato, se deparam com situações como:
- Propostas de devolução irrisória (menos de 30%);
- Prazos de mais de um ano para receber os valores;
- Descontos sem justificativa ou sem previsão contratual;
- Pressão psicológica para não judicializar o caso.
Essas práticas são ilegais - e a boa notícia é que a Justiça tem dado respostas firmes, desde que o consumidor busque seus direitos com orientação adequada.
Como agir?
Se você está nessa situação, o primeiro passo é revisar o contrato com um advogado especialista. Depois, pode-se buscar:
1. Negociação extrajudicial, com base na legislação atual;
2. Ação judicial de distrato, com pedido de devolução integral e, se for o caso, indenização por danos morais ou materiais;
3. Pedido de tutela antecipada, quando houver risco de prejuízo financeiro imediato.
Quanto mais cedo o comprador agir, menores serão os prejuízos. Inclusive, em muitos casos, é possível impedir cobranças futuras de parcelas ou de financiamento ainda não iniciado.
Conclusão:
A desistência de um imóvel na planta é difícil, mas não precisa significar prejuízo. A legislação está do seu lado, a jurisprudência caminha no sentido da proteção do comprador, e os dados mostram que você não está sozinho nessa situação.
Se você está enfrentando essa dor, procure orientação jurídica o quanto antes. Conhecer seus direitos é o primeiro passo para sair do prejuízo.