Introdução
Em 17 de julho de 2025, celebramos o Dia Nacional da Proteção de Dados, instituído pelo PL 2.076/22, de autoria do senador Eduardo Gomes (PL/TO), o qual ainda depende de sanção presidencial. Esta data, que homenageia o nascimento do jurista e do meu professor da Pós LLM Proteção de Dados: LGPD & GDPR que fiz na FMP, o mestre Danilo Cesar Maganhoto Doneda (17 de julho de 1970).
É relevante destacar que o CNPD - Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, órgão consultivo vinculado à ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados, manifestou apoio institucional à aprovação do PL 2.076/22, que propõe a criação do Dia Nacional da Proteção de Dados, a ser celebrado anualmente em 17 de julho.
1 - Contexto histórico e evolução da proteção de dados
Relembrando de suas aulas, o professor pontuou que proteção de dados pessoais no Brasil emergiu como resposta às transformações sociais e tecnológicas e o desenvolvimento do conceito jurídico de proteção de dados encontra suas raízes na necessidade de regular o tratamento de informações pessoais em um contexto de crescente digitalização e expansão das tecnologias da informação.
Embora a Constituição Federal de 1988 não trate diretamente da proteção de dados pessoais no sentido contemporâneo (como definido pela LGPD ou pelo GDPR), os dispositivos mencionados estabelecem princípios fundamentais de privacidade, sigilo e controle sobre informações pessoais. Esses princípios serviram como base para a criação de legislações posteriores, como a LGPD (lei 13.709/18), que detalha e amplia a proteção de dados pessoais no Brasil.
Não podemos nos esquecer que o CDC, o CC, a lei de Acesso à Informação, a lei do Cadastro Positivo e o Marco Civil da Internet, são legislações que contribuíram para a construção e amadurecimento jurídico da temática da proteção de dados pessoais.
Neste contexto, o marco regulatório brasileiro da proteção de dados pessoais se consolidou em 2018, com a promulgação da lei 13.709/18 (LGPD), estabelecendo princípios, direitos dos titulares e obrigações para os agentes de tratamento, representando a maturação do ordenamento jurídico brasileiro em matéria de proteção de dados, inspirada no GDPR - Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia, mas adaptada às especificidades do sistema jurídico nacional.
Sua entrada em vigor, de maneira plena, ocorreu em 2021, marcando a transição para um novo paradigma de tratamento de dados pessoais, baseado em princípios como finalidade, adequação, necessidade e transparência.
O marco mais significativo na evolução da proteção de dados no Brasil ocorreu com a promulgação da EC 115/22, que incluiu o inciso LXXIX ao art. 5º da Constituição Federal, estabelecendo que “é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais”.
Esta elevação constitucional representa uma transformação paradigmática no tratamento jurídico da matéria, sendo que a proteção de dados deixa de ser meramente uma garantia legal para tornar-se um direito fundamental, dotado de maior força normativa e proteção contra retrocessos legislativos. A constitucionalização confere estabilidade ao direito, impedindo que futuras alterações legislativas possam reduzir seu nível de proteção.
Desta feita, a proteção de dados pessoais se tornou cláusula pétrea, demonstrando, portanto, toda a relevância no contexto em que vivemos.
Além disso, a EC 115/22 estabeleceu a competência privativa da União para legislar sobre proteção de dados pessoais, evitando a fragmentação normativa que poderia resultar de diplomas estaduais e municipais divergentes. Esta centralização legislativa garante uniformidade na aplicação dos princípios e regras de proteção de dados em todo o território nacional.
2 - Distinções conceituais: Proteção de dados versus Privacidade
É fundamental compreender que a proteção de dados pessoais e a privacidade, embora relacionadas, constituem direitos distintos com objetos e finalidades específicas.
A privacidade, tradicionalmente concebida a partir do paradigma estabelecido por Samuel Warren e Louis Brandeis em 1890 como “o direito de estar só” ou “o direito de ser deixado em paz” (right to be let alone), assume um caráter mais amplo e subjetivo, relacionado à autonomia individual e à proteção da personalidade.
A proteção de dados, por sua vez, configura-se como um direito de natureza mais objetiva e procedimental, focado no controle sobre o tratamento de informações pessoais.
Assim, a proteção de dados pessoais constitui um direito autônomo que se diferencia da privacidade por regular especificamente as operações realizadas com dados pessoais, estabelecendo princípios, direitos e garantias para seu tratamento lícito e proporcional.
Esta distinção conceitual é crucial para a compreensão do atual arcabouço jurídico, pois permite que a proteção de dados opere de forma autônoma, garantindo direitos específicos como acesso, correção, portabilidade e eliminação de dados, independentemente da violação à privacidade.
Desta forma, a proteção de dados constitui um instrumento jurídico mais preciso e eficaz para enfrentar os desafios contemporâneos do tratamento de informações pessoais.
3 - Legado de Danilo Doneda e a escolha da data
A escolha do 17 de julho como Dia Nacional da Proteção de Dados presta justa homenagem ao professor Danilo Doneda, reconhecido como um dos pioneiros na abordagem do direito à proteção de dados pessoais no Brasil. Autor da seminal obra “Da privacidade à proteção de dados pessoais”, o professor Doneda foi um dos coautores do anteprojeto que resultou na criação da LGPD.
Seu trabalho acadêmico e prático foi fundamental para a consolidação do arcabouço teórico que sustenta a proteção de dados como direito autônomo no ordenamento jurídico brasileiro. A institucionalização desta data pelo Congresso Nacional reconhece não apenas sua contribuição individual, mas também a importância de perpetuar o debate sobre proteção de dados na sociedade brasileira.
Conforme observado pelo relator do Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, deputado Ricardo Ayres, “a instituição do Dia Nacional da Proteção de Dados não se limita a um ato simbólico; ela promove um ambiente propício para o diálogo e a reflexão sobre a proteção de dados em diversos setores da sociedade. Essa iniciativa pode servir como ações para debates e ações relacionadas à segurança da informação em ambientes como escolas, empresas, setor público e até mesmo no âmbito familiar, ampliando a compreensão coletiva sobre os desafios e responsabilidades associadas à preservação da privacidade.”
4 - Conclusão
Como visto, a constitucionalização da proteção de dados pessoais reflete a compreensão de que este direito é essencial para a dignidade humana na era digital. Em um contexto de crescente dependência tecnológica e expansão da economia digital, a proteção de dados pessoais torna-se instrumento fundamental para garantir a autonomia individual e a confiança nas relações sociais e econômicas.
Para Fabrício da Mota Alves, representante do Senado na Presidência do Conselho Consultivo da ANATEL e presidente da GOVDADOS, “a proteção de dados é um direito de enorme valor para a sociedade brasileira dos tempos contemporâneos. Um direito que representa uma era dedicada às relações informacionais”.
A institucionalização do Dia Nacional da Proteção de Dados em 17 de julho cumpre função pedagógica importante, promovendo a conscientização social sobre a importância da proteção de dados pessoais e estimulando o debate sobre as melhores práticas para seu tratamento. Esta data deve servir como momento de reflexão sobre os avanços alcançados e os desafios ainda a serem enfrentados, propiciando um ambiente de diálogo multissetorial que envolve desde o âmbito familiar até as grandes corporações e instituições públicas.
A proteção de dados pessoais, alçada à condição de direito fundamental, representa conquista civilizatória que deve ser preservada e aprimorada. O legado do professor Doneda e de todos os profissionais que contribuíram para a construção deste arcabouço jurídico deve inspirar as futuras gerações a manter o compromisso com a proteção da dignidade humana no ambiente digital.
O Dia Nacional da Proteção de Dados não é apenas uma data comemorativa, mas um chamado à ação para que todos os atores sociais, governo, empresas e cidadãos, assumam suas responsabilidades na construção de uma sociedade digital mais justa, transparente e respeitosa dos direitos fundamentais.
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