Migalhas de Peso

Bancos respondem por falsa portabilidade com empréstimos indevidos

TJ/MG responsabiliza banco por fraude em portabilidade de empréstimos, apontando falhas sistêmicas, abuso contratual e lucros excessivos.

22/7/2025
Publicidade
Expandir publicidade

O Poder Judiciário tem se posicionado de forma firme diante do aumento de fraudes bancárias estruturadas, sobretudo aquelas voltadas contra pessoas idosas, de baixa renda ou com acesso limitado ao meio digital.

Em acórdão recente, o TJ/MG reconheceu a responsabilidade civil de instituição financeira por falha na segurança que resultou em empréstimos não autorizados, firmados sob o disfarce de portabilidade, em nome de um consumidor idoso.

A tese acolhida foi desenvolvida com base na responsabilidade objetiva das instituições financeiras, nos princípios da boa-fé objetiva, e nos deveres de segurança e informação que recaem sobre os agentes do mercado bancário - elementos todos bem delineados pelo CDC e pela regulamentação do Banco Central do Brasil.

O golpe: empréstimos simulados como portabilidade

O caso envolveu a contratação de dois empréstimos em nome do consumidor, no valor de R$ 21.134,07, dos quais apenas R$ 1.620,00 chegaram efetivamente ao seu poder. A suposta operação de portabilidade, que prometia quitação de contratos anteriores, jamais ocorreu. O resultado foi o início de descontos diretos em seu benefício previdenciário, comprometendo sua renda de forma grave.

O autor jamais consentiu com os contratos, tampouco teve acesso aos recursos. Mesmo assim, os documentos digitais apresentados pela instituição foram tidos inicialmente como válidos, embora sem autenticação segura ou certificação eletrônica.

O papel do correspondente e a falha sistêmica

Verificou-se que a fraude foi operacionalizada com o envolvimento de correspondente bancário, que entrou em contato com o consumidor já munido de todos os seus dados — o que, por si só, sugere o uso indevido ou vazamento de informações. Tal conduta viola normas expressas do Banco Central, que exigem dos bancos o dever de conhecer seu cliente e assegurar a legalidade das contratações, inclusive quando intermediadas.

Dados demonstram que as instituições financeiras vêm diminuindo suas agências físicas e aumentando a atuação de correspondentes, o que reduz custos operacionais, mas amplia sobremaneira o risco para consumidores hipervulneráveis, como os idosos.

Contrato digital sem validade jurídica

A prova contratual se limitava a um PDF com hash e uma selfie ao lado de um documento de identidade. Nenhuma certificação eletrônica válida foi apresentada. Conforme jurisprudência do STJ, essa forma de contratação não possui força probatória suficiente para comprovar a manifestação válida da vontade, sobretudo quando há alegação de fraude.

Não houve sequer demonstração de quando, onde ou por quem o contrato foi assinado. A ausência de qualquer cadeia de custódia eletrônica ou protocolo auditável agrava a fragilidade da prova e evidencia a falha no serviço bancário.

Lucro com a fraude: quando o risco se torna ganho

Um dos aspectos mais sensíveis revelados no julgamento foi o fato de que, caso o banco não fosse responsabilizado, ele lucraria aproximadamente R$ 26.000,00 com a operação fraudulenta, enquanto a vítima, idosa e hipossuficiente, amargaria um prejuízo de R$ 47.000,00 ao longo das 84 parcelas contratadas.

Esse desequilíbrio escancara a lógica perversa que vem se repetindo em muitos casos: o banco aufere ganhos mesmo quando a contratação é viciada, transferindo ao consumidor os riscos que, por lei, deveriam ser integralmente absorvidos pela instituição.

tese jurídica evidenciou a impossibilidade de legitimar lucros obtidos por meio de operações marcadas por falhas de segurança, ausência de controle e desrespeito à hipervulnerabilidade do consumidor.

Conclusão

A decisão do TJ/MG reforça o entendimento de que os bancos devem responder pelos riscos que assumem ao adotar processos digitais frágeis e delegar funções sensíveis a terceiros sem fiscalização efetiva

O uso indiscriminado de contratos eletrônicos sem certificação e a terceirização da abordagem ao consumidor, via correspondentes, não eximem a instituição de seu dever de zelar pela legalidade e segurança das operações.

Mais do que um caso de fraude, o episódio evidencia o custo social do descuido bancário, especialmente quando afeta aqueles que menos conseguem reagir aos abusos do sistema.

Autor

Cezar Eduardo March Farias Segundo Advogado. Sócio do Escritório SMA. Formado pela Universidade Cândido Mendes com especialização em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos