A lei 14.596/23, que trata das regras de preços de transferência, tem gerado discussões sobre sua aplicabilidade às remessas efetuadas ao exterior em razão de um contrato de compartilhamento de custos e despesas (cost sharing agreements).
O art. 3º da lei 14.596/23 trata como transação controlada “qualquer relação comercial ou financeira entre 2 ou mais partes relacionadas, estabelecida ou realizada de forma direta ou indireta, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma e série de transações”.
O art. 3º, inciso IV, da IN/RFB 2.161/23 trata como transação controlada os “contratos de compartilhamento de custos”.
Além disso, o art. 53 dessa normativa faculta ao contribuinte a adoção de uma abordagem simplificada. Com isso, a remuneração dos serviços de baixo valor agregado (back office e atividades-meio, por exemplo) terá uma margem de lucro bruto, calculada sobre a totalidade dos custos diretos e indiretos relativos à transação, de no mínimo 5% (prestador de serviços no Brasil), e no máximo 5% (prestador situado no exterior).
Acreditamos que essas regras, que versam sobre preço de transferência, não podem influenciar a controvérsia sobre a incidência de PIS/Cofins Importação, Cide, e ISS sobre as remessas efetuadas ao exterior em um contexto de contrato de compartilhamento de custos e despesas.
O art. 3º da lei 14.596/23 estabelece textualmente que “o disposto nesta lei aplica-se na determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL”. Logo, essa regra é inaplicável ao PIS/Cofins-Importação, Cide, e ISS sobre remessas ao exterior.
Por mais que o art. 3º da lei 14.596/23 trate como transação controlada qualquer relação financeira entre partes relacionadas, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma, essa regra não impacta os fatos geradores dos tributos que atingem as remessas ao exterior feitas em razão de um contrato internacional de rateio de despesas.
Esse cenário, por si só, justifica a inaplicabilidade da legislação de preços de transferência às remessas derivadas de um cost sharing internacional, inclusive da regra infralegal que trata de um “serviço de baixo valor agregado”.
Os contratos de compartilhamento de despesas não se confundem com contratos de prestação de serviços. Enquanto estes pressupõem bilateralidade (sinalagma) e onerosidade, os cost sharing têm natureza associativa e não envolvem lucro proveniente de uma contraprestação; afinal, consistem na divisão de despesas entre as partes envolvidas no contrato de rateio.
Na estrutura de centralização de custos, cada participante assume sua fração das despesas, e os valores remetidos à centralizadora estrangeira objetivam recompor os dispêndios por ela antecipados, sem configurar receita ou contraprestação por serviços. A entidade centralizadora não aufere lucros nem presta serviços às demais; apenas concentra o pagamento de despesas comuns, que seriam incorridas de toda forma pelas participantes. Trata-se, como se vê, de mera recomposição patrimonial, e não de receita.
Por qualquer perspectiva, inexiste espaço para tributar, pelo PIS/Cofins-Importação, Cide e ISS, as remessas ao exterior realizadas em um contexto de contrato internacional de rateio de despesas, sendo infundada eventual tentativa de aplicação da legislação de preços de transferência.