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Pejotização, subordinação e risco: Lições do TRT-4

Análise dos limites legais da pejotização e da importância de contratos que reflitam a realidade prática das relações empresariais.

28/7/2025

A recente decisão proferida pela 3ª turma do TRT da 4ª região, no processo 0021209-17.2023.5.04.0411 ao reconhecer o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a empresa de tecnologia para a qual prestava serviços, reacende uma discussão indispensável no cenário jurídico empresarial: a linha tênue entre a contratação lícita por meio de pessoa jurídica e a configuração dissimulada de vínculo empregatício. Embora o caso envolva uma empresa do ramo de mobilidade urbana, os reflexos e advertências da decisão ultrapassam o setor e atingem diretamente a estrutura de contratação adotada por inúmeras empresas que buscam maior flexibilidade e menor custo operacional através da pejotização.

É necessário compreender que a CLT, no art. 3º, estabelece critérios objetivos para a caracterização da relação de emprego: habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação. A presença simultânea desses requisitos é suficiente para o reconhecimento do vínculo empregatício, ainda que a relação tenha sido formalizada sob a roupagem de prestação de serviços autônomos. Não se trata de mera formalidade documental, mas da realidade prática que emerge da execução contratual. No caso concreto julgado pelo TRT-4, restou evidenciado que, embora o motorista atuasse como suposto prestador autônomo, havia subordinação direta, controle de jornada disfarçado, impossibilidade de substituição e dependência econômica, o que demonstra que o contrato não refletia a natureza jurídica real da relação mantida entre as partes.

Esse cenário não é exclusivo das plataformas digitais. Em diversos segmentos empresariais, observa-se a adoção da pejotização como estratégia para redução de encargos e flexibilização das contratações. Contudo, essa prática, quando desvirtuada, representa sério risco jurídico. O que se observa, com frequência, é a constituição de pessoas jurídicas apenas formalmente independentes, mas que, na prática, exercem atividades com todos os elementos da relação de emprego. Em tais hipóteses, a Justiça do Trabalho tem reiteradamente desconsiderado a personalidade jurídica do prestador e reconhecido o vínculo empregatício, com todas as consequências legais e financeiras daí decorrentes.

Do ponto de vista empresarial, é fundamental compreender que a contratação via pessoa jurídica não se presta à mera economia de encargos. Para que esse modelo seja juridicamente sustentável, é imprescindível que haja efetiva autonomia do prestador, liberdade de organização da rotina de trabalho, ausência de subordinação hierárquica e possibilidade concreta de prestação de serviços a outros contratantes. A imposição de exclusividade, o controle sobre horários, a definição unilateral de metas e a aplicação de sanções revelam, inequivocamente, a existência de uma relação que ultrapassa os limites da prestação de serviços autônoma e se insere no campo da subordinação jurídica.

A utilização indevida da pejotização como forma de burlar a legislação trabalhista expõe o empresário a riscos que transcendem as obrigações retroativas de natureza trabalhista, incluindo a responsabilização tributária, autuações administrativas e danos à reputação da empresa. A simples formalização contratual com cláusulas que proclamam autonomia e ausência de vínculo não é suficiente para afastar o reconhecimento de relação de emprego, quando a realidade fática demonstra subordinação e dependência. Assim, é imprescindível que o contrato reflita a efetiva autonomia do prestador e que a conduta da empresa esteja em conformidade com os parâmetros legais e operacionais.

A recente decisão do TRT-4 reforça o alerta de que a liberdade contratual encontra limites na legislação e na jurisprudência. O modelo de contratação por pessoa jurídica, embora lícito, deve ser adotado com critério e responsabilidade, mediante análise jurídica adequada e compatibilidade com a estrutura real do negócio. É indispensável que o instrumento contratual reflita, com precisão, a dinâmica efetivamente praticada no dia a dia da relação, sob pena de ineficácia diante do Poder Judiciário. O empresário que negligencia essa adequação assume um risco jurídico considerável, cujas consequências podem comprometer a sustentabilidade da operação. Blindar contratos é, portanto, mais do que precaução: é uma estratégia essencial de governança e segurança jurídica empresarial.

Kelly Viana
Advogada e CEO do KASV Advocacia Empresarial, escritório comprometido em desenvolver estratégias jurídicas inovadoras e seguras para potencializar o crescimento de negócios e reduzir riscos legais.

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