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A nova interpretação do STF sobre a responsabilidade de plataformas digitais

STF declarou possível a responsabilização de plataformas mesmo sem ordem judicial, em hipóteses específicas como crimes graves ou omissão diante de notificações extrajudiciais.

29/7/2025

A responsabilização civil de plataformas digitais por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros passou por uma mudança importante a partir de decisão recente do STF.

Em junho de 2025, ao julgar os REsp 1.037.396 e 1.057.258 (Temas 987 e 533), a Corte declarou parcialmente inconstitucional o art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), que até então exigia, como regra geral, ordem judicial específica para que houvesse responsabilização da plataforma.

O dispositivo legal previa que os provedores de aplicações, como redes sociais, sites de vídeo e fóruns, só poderiam ser responsabilizados civilmente se, após ordem judicial clara e individualizada, deixassem de remover o conteúdo apontado como ofensivo. A intenção original da norma era proteger a liberdade de expressão e evitar qualquer forma de censura prévia, estabelecendo um filtro judicial como condição para a retirada de conteúdos potencialmente lícitos. Essa lógica, no entanto, passou a ser questionada diante da complexidade e da velocidade com que circulam informações online, especialmente aquelas que violam direitos fundamentais ou promovem discursos de ódio, violência e desinformação.

O STF entendeu que a exigência de ordem judicial como condição exclusiva para responsabilização tornou-se insuficiente frente à realidade digital contemporânea. A Corte fixou, com efeito vinculante, novos parâmetros de atuação. Entre eles, destaca-se a possibilidade de responsabilização da plataforma mesmo sem decisão judicial prévia, nos casos em que houver disseminação de conteúdos ligados a crimes graves, como racismo, incitação à violência, apologia ao terrorismo, incentivo ao suicídio, entre outros, ou quando houver omissão reiterada após notificações extrajudiciais sobre a permanência de conteúdos já declarados ofensivos por decisão judicial anterior.

Essa mudança representa um novo patamar de responsabilidade das plataformas. Elas passam a ter o dever de atuar de forma diligente, com mecanismos de moderação mais eficazes e canais de resposta acessíveis. Embora a responsabilização principal continue sendo do autor do conteúdo, as plataformas assumem o risco de responder subsidiariamente se forem inertes diante de situações que exigem ação imediata. A decisão também reconhece que a liberdade de expressão, embora protegida constitucionalmente, não é absoluta e deve ser compatibilizada com outros direitos fundamentais, como a honra, a dignidade e a integridade das pessoas atingidas.

Importa destacar que a nova interpretação dada ao art. 19 pelo STF valerá até que o Congresso Nacional edite nova legislação específica sobre o tema. Enquanto isso, caberá ao Poder Judiciário avaliar, caso a caso, a conduta da plataforma diante de denúncias, notificações e da natureza do conteúdo veiculado.

A decisão não afasta o papel do Judiciário na proteção da liberdade de expressão, mas redefine os limites da atuação das plataformas diante de conteúdos ilícitos. O entendimento firmado pelo STF atualiza a interpretação do art. 19 à luz da complexidade dos ambientes digitais, sem afastar os parâmetros constitucionais. Trata-se de uma inflexão relevante na jurisprudência, com impacto direto sobre a gestão de conteúdos e o dever de cuidado das plataformas.

Bruna de Oliveira Chixaro
Escritora, historiadora e advogada especialista em Direito Internacional pela PUC de Minas Gerais. Nasceu em Manaus-AM e concluiu seu mestrado em Direito na Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

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