Migalhas de Peso

STF debate norma que regula informação em publicidade de alimentos não saudáveis

STF promove audiência pública para debater norma da Anvisa que regula publicidade de alimentos não saudáveis, reforçando proteção à saúde e direito à informação.

18/8/2025

O STF vai promover, no dia 26 deste mês, audiência pública para coleta de subsídios com vistas ao julgamento da ADI 7.788, que versa sobre a validade da resolução da diretoria colegiada da Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária - RDC 24/10, que regulamenta a veiculação de informações sobre o consumo em excesso de alimentos não saudáveis na publicidade.

É uma iniciativa importante do ministro Cristiano Zanin, relator do caso, para ampliar o debate sobre essa norma, que segue atual e necessária para a defesa e promoção da saúde pública, está alinhada com as evidências científicas e concretiza o direito constitucional à informação, saúde e à alimentação saudável.  

Esse é o mais relevante caso sobre alimentação adequada e saudável da história do STF, essencial para garantir direitos humanos da população brasileira, como a saúde e a vida digna, além de preservar a atuação institucional da Anvisa.

O bem jurídico tutelado pela norma é a correta informação à pessoa consumidora, coibindo-se práticas excessivas que levem o público, em especial o infantil, a padrões de consumo incompatíveis com a saúde e prejudiciais à alimentação adequada.

A norma garante o direito à informação sobre os riscos do consumo em excesso de alimentos que contenham quantidades elevadas de açúcar, gordura saturada, gordura trans, sódio, e de bebidas com baixo teor nutricional. O ato cria normas regulatórias a respeito da oferta, publicidade e práticas comerciais desses produtos. Determina alertas sanitários na publicidade e garante princípios e direitos básicos do consumidor expressamente estabelecidos no CDC, como os princípios da informação, da identificação da publicidade, da proteção, da precaução, da transparência, em defesa do consumidor. 

Não obstante a importância da RDC 24/10 para a saúde pública brasileira, a norma nunca foi implementada, em razão da intensa judicialização a que foi submetida por associações que representam o setor econômico.

A Anvisa, contudo, tem o dever-poder de regular a matéria.

A resolução questionada decorre dos poderes concedidos à Anvisa pela lei 9.782/1990, que a criou, instituindo a agência como uma das executoras da política da União relativamente à vigilância sanitária, competindo-lhe “promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária” (art. 6º, “caput”; grifamos). Também é sua incumbência “regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública” (art. 8º, II, da lei 9.782), bem como “controlar, fiscalizar e acompanhar, sob o prisma da legislação sanitária, a propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária” (art. 7º, incisos III e XXVI).

A norma também está de acordo com os artigos 2º, XIV e 23 do decreto lei 986/1969, recepcionado pela Constituição Federal como lei ordinária, bem como do próprio direito à saúde previsto nos arts. 6º e 196, da Constituição Federal.

O consumo de alimentos não saudáveis contribui para o ganho de peso e é um dos fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis - DCNTs, que incluem doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias e câncer, responsáveis por cerca de 74% das mortes no Brasil1 e 71% da mortalidade geral no mundo, sendo 80% em países de baixa e média renda. A maioria dessas mortes é prematura e poder ser evitada. A obesidade é uma doença crônica que também é fator de risco de diversas DCNTs.

A nocividade dos produtos objeto da RDC 24/10 é confirmada em inúmeras pesquisas científicas, nacionais e internacionais, publicadas nos mais respeitáveis periódicos. É dispensável citá-las aqui, tão numerosas e conhecidas que são. À evidência solar produzida pela irrefutabilidade dos dados científicos comprovadores da nocividade do consumo excessivo de gorduras e de açúcar, é contraposto o argumento de que cabe ao consumidor a liberdade de escolha. É aqui que entra a questão crucial da publicidade como condicionante da saúde.

A publicidade de alimentos não saudáveis é parte dos determinantes comerciais na saúde, que consistem em produtos e práticas de alguns agentes comerciais - notadamente as maiores corporações transnacionais - responsáveis por taxas crescentes de problemas de saúde evitáveis, danos planetários e desigualdades sociais e de saúde2. São “estratégias e abordagens utilizadas pelo setor privado para promover produtos e escolhas prejudiciais à saúde.”3

O STF já decidiu que “a liberdade de iniciativa (arts. 1o, IV, e 170, caput, da lei maior) não impede a imposição, pelo Estado, de condições e limites para a exploração de atividades privadas tendo em vista sua compatibilização com os demais princípios, garantias, direitos fundamentais e proteções constitucionais, individuais ou sociais, destacando-se, no caso do controle do tabaco, a proteção da saúde e o direito a` informação” (ADI 4874).

Cabe ainda lembrar a ação que questionava lei do Distrito Federal que impunha a exigência de inserção de mensagens educativas de trânsito na publicidade comercial de automóveis. Disse na ocasião o min. Dias Toffoli que “as propagandas também encerram pretensão comercial que as distancia, nesse ponto, da mera propagação de informação, sendo mais propriamente, quanto a essa faceta, manifestação da livre iniciativa, para a qual se exige a observância de princípios constitucionais como a função social da propriedade e a defesa do consumidor”.

Acrescentou que o consumidor tem o direito de “ser informado sobre o produto, suas características e qualidades” e que “[P]or meio da propaganda, pode-se alertar a população sobre os possíveis riscos do uso desmedido dos produtos, ou mesmo sobre comportamentos inadequados em seu manejo”.4

Há décadas, a falta de informação é considerada uma das causas subjacentes fundamentais de muitas doenças5, inclusive em um país como o Brasil, onde as desigualdades sociais regionais são expressivas. A qualidade da informação disponível pode contribuir para a escolha de uma alimentação mais adequada e saudável. E a responsabilidade é da sociedade, setor produtivo e setor público, para a construção de modos de vida que tenham como objetivo central a promoção da saúde e a prevenção das doenças”6.  Que a audiência pública seja promissora nesse caminho.

_______

Pan American Health Organization (PAHO). Noncommunicable diseases in the region of the Americas: facts and figures. 2019 [cited 2020 Jan 19]. Disponível em: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/51483/PAHONMH19016_eng.pdf?sequence=6&isAllowed=y" \h

2 “O termo refere-se a “estratégias e abordagens utilizadas pelo setor privado para promover produtos e escolhas que são prejudiciais à saúde”. (...) A amplitude e profundidade da influência corporativa se expande na medida em que esta atinge mais pessoas, ofertando e propiciando mais opções de consumo, por meio de marketing, cadeia de suprimentos, lobby e cidadania corporativa. Os resultados ou impactos na saúde são determinados pela influência dos canais no ambiente onde as pessoas vivem, trabalham e circulam, em particular, na disponibilidade e acessibilidade de produtos não saudáveis a preços acessíveis, moldando os estilos de vida e as escolhas dos consumidores.”

Publicação da Organização Panamericana de Saúde/OPAS/OMS: “Marco de Referência sobre a Dimensão Comercial dos Determinantes Sociais da Saúde na Agenda de Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis”. 2020. Disponível em: Marco de Referência sobre a Dimensão Comercial dos Determinantes Sociais da Saúde na Agenda de Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (paho.org)

A Série Lancet sobre Determinantes Comerciais da Saúde (2023) reconhece que, embora os agentes comerciais sejam diversos e muitos desempenhem um papel vital na sociedade, os produtos e as práticas de alguns agentes comerciais estão tendo impactos cada vez mais negativos na saúde e na equidade humana e planetária. A epidemia de doenças não transmissíveis e a emergência climática são exemplos-chave e destacam a necessidade de ação urgente. Disponível em: https://actbr.org.br/post/a-serie-lancet-sobre-determinantes-comerciais-da-saude/19589/

3 KICKBUSCH, Ilona et al. The commercial determinants of health. The Lancet Global Health, Volume 4, Issue 12, e895 - e896.

4 Supremo Tribunal Federal. ADI 4.613-DF, Rel. Dias Toffoli, j. 20/9/2018.

5 DUBOS, 1959, referido no Guia Alimentar para a População Brasileira de 2006. P. 20.

Brasil. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde – Brasília : Ministério da Saúde, 2006. 210 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos). ISBN 85-334-1154-5

6 Guia Alimentar para a População Brasileira de 2006. Páginas 22 e 23. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2008.pdf

Igor Rodrigues Britto
Diretor de Relações Institucionais | Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Adriana Pereira de Carvalho
Advogada e diretora Jurídica da ACT Promoção da Saúde.

Adalberto Pasqualotto
Diretor do Idec - Instituto de Defesa de Consumidores.

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