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Desistência do protesto e responsabilidade pelos emolumentos

Credor apresenta título ao tabelionato, devedor paga a dívida junto ao credor e alega não ser o responsável pelo pagamento de emolumentos de retirada ou desistência. De quem é a responsabilidade?

18/8/2025

O presente artigo tem como objetivo estudar a responsabilidade pelo pagamento dos emolumentos em casos de pedidos de retirada ou desistência do protesto, nos casos em que, após apresentado o título ou outro documento de dívida ao tabelionato de protesto, o devedor faz o pagamento direto ao credor.

Através da concepção moderna do protesto de títulos e outros documentos de dívida este vem desempenhando significativo papel na recuperação de créditos no Brasil, prevenindo litígios e auxiliando no processo de desjudicialização.

O maior obstáculo que se colocava à frente do credor no momento do protesto era o depósito prévio dos emolumentos e demais despesas necessárias, fator que, muitas vezes, impossibilitava o credor de encaminhar seus títulos e outros documentos de dívida (OLIVEIRA; FRAGA, 2024, p. 3).

Verificada essa carência e fazendo uma análise mais profunda, social e constitucional, do § 1º do art. 37, da lei Federal 9.492/1997, alguns Estados já estavam concretizando a postecipação do pagamento dos emolumentos e demais despesas do protesto para o credor/apresentante.

Para atender aos anseios da sociedade e padronizar o exercício da atividade, com a adoção de uma normativa em caráter nacional, o corregedor Nacional da Justiça editou o provimento CNJ 86/19, dispondo sobre a possibilidade de pagamento postergado de emolumentos, acréscimos legais e demais despesas devidas pela apresentação de títulos ou outros documentos de dívida para protesto (a redação do provimento CNJ 86/19 foi incorporada ao CNN/CN/CNJ-Extra, o provimento CNJ 149/23).

Dentre seus considerandos consta que, “presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação, segundo a regra geral estabelecida no art. 325 do Código Civil”.

De acordo com o CNN/ CN/CNJ-Extra - Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial, com redação extraída do provimento CNJ 86/19:

Art. 370. A apresentação, a distribuição e todos os atos procedimentais pertinentes às duplicatas escriturais (eletrônicas) e aos demais títulos e outros documentos de dívidas encaminhados a protesto por Banco, Financeira ou pessoa jurídica fiscalizada por órgãos do Sistema Financeiro Nacional, na qualidade de credor ou apresentante, independem de depósito ou pagamento prévio dos emolumentos e dos demais acréscimos legais e das despesas que estão contemplados no art. 369, cujos valores devidos serão exigidos dos interessados, de acordo com a tabela de emolumentos e das despesas reembolsáveis vigentes na data (Grifei):

I - da protocolização, quando da desistência do pedido do protesto, do pagamento elisivo do protesto ou do aceite ou devolução de devedor (Grifei); e

II - do pedido de cancelamento do registro do protesto ou da recepção de ordem judicial para a sustação ou cancelamento definitivo do protesto ou de seus efeitos.

§ 1.º As disposições do caput deste artigo aplicam-se:

[...]

II - a qualquer pessoa física ou jurídica desde que o vencimento do título ou do documento de dívida não ultrapasse o prazo de um ano no momento da apresentação para protesto (Grifei).

Diante da postergação do pagamento dos emolumentos necessários ao protesto, conclui-se que, apresentado um título ou outro documento de dívida para a tentativa de recuperação de créditos junto aos tabelionatos de protesto de títulos e outros documentos de dívida: (1) o Estado não terá qualquer ônus; (2) o credor não terá qualquer ônus; (3) o tabelião de protesto arcará com todos os ônus necessários ao protesto em caso de não pagamento do título ou outro documento de dívida por parte do devedor (FRAGA, 2020, p. 126).

Logo, tal modalidade de negócio condicionou a percepção dos emolumentos necessários à manutenção da serventia extrajudicial e à própria prestação do serviço público, a um evento futuro e incerto (FRAGA, 2023, p. 111).

Nesse cenário, nos permita resumir o procedimento de tentativa de recuperação dos créditos nos tabelionatos de protesto.

Vencido um título ou documento de dívida, à parte credora é dada a opção legal de tentar recuperar seu crédito por meio das serventias extrajudiciais de protesto de títulos e outros documentos de dívida (lei Federal 9.492/1997).

O procedimento tem início com a apresentação (pelo credor ou a seu mando) do título ou documento de dívida. Apresentado e protocolizado, feita a análise prévia, distribuição e qualificação, terá curso legal o título ou documento de dívida, seguindo para a etapa de intimação.

A intimação à pessoa devedora será expedida pelo tabelião no endereço fornecido pelo apresentante do título ou documento de dívida, considerando-se cumprida quando comprovada entrega.

Não sendo pago, aceito, retirado ou sustado o protesto do título, será registrado dentro de três dias úteis contados da protocolização do título ou documento de dívida. Pago, aceito, retirado ou sustado, o protesto não será registrado.

Feitas tais considerações, vamos ao ponto central do artigo.

Quanto a responsabilidade pelo pagamento das custas cartorárias quando o pagamento ocorre diretamente ao credor, pontua que se presumem a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação, segundo a regra geral estabelecida no art. 325 do CC.

De acordo com as lições de Alexandre Chini et al (2023, p. 151), na obra “O Protesto de Títulos e Outros Documentos de Dívida: Lei nº. 9.492/1997, Comentada, Doutrina e Jurisprudência”:

Importante frisar desde logo que, uma vez apresentado o título ao tabelionato de protesto, o pagamento feito diretamente ao credor não impedirá o prosseguimento e a lavratura do protesto, em caso de não quitação da dívida diretamente no cartório. Em tais casos, é fundamental que o credor, ao ser procurado pelo devedor quando o título está em cartório, informe ao devedor sobre o apontamento da dívida no tabelionato, dando a ele a opção de efetuar o pagamento no cartório ou, se preferir já receber diretamente, o credor providenciará desistência desse apontamento, o que ensejará para ele (credor) o pagamento de emolumentos específicos e relacionados a este ato (Grifei).

Nesse sentido, a jurisprudência evidencia a obrigação do devedor:

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA Recurso Inominado: XXXXX-45.2022.8.11 .0002 Classe CNJ: 460 Origem: Juizado Especial Cível do Cristo Rei em Várzea Grande/MT Recorrente (s): Energisa Mato Grosso Distribuidora de Energia S.A Recorrido (s): Erika Sofia Viana Reus Alvarenga Juiz Relator.: Valmir Alaércio dos Santos Data do Julgamento: 14 de fevereiro de 2023 E M E N T A; RECURSO INOMINADO. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. NOTIFICAÇÃO DA DEVEDORA PARA QUITAÇÃO DA DÍVIDA. PAGAMENTO REALIZADO DIRETAMENTE AO CREDOR. PROTESTO REALIZADO UM DIA APÓS O PAGAMENTO DA DÍVIDA. AUSÊNCIA DE TEMPO HÁBIL DO CREDOR PARA COMUNICAR O CARTÓRIO A RESPEITO DO PAGAMENTO. PROTESTO DEVIDO. ÔNUS DO DEVEDOR EM SOLICITAR A BAIXA DO PROTESTO. PRECEDENTES DO STJ. DANO MORAL INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. Se a devedora é notificada pelo Cartório Extrajudicial para a quitação da dívida, contudo, realiza o pagamento de título vencido diretamente ao credor e não perante o Cartório de Protestos, como determina o art. 19 da Lei n.º 9.492/97, não há que se imputar ao credor qualquer responsabilidade por danos morais porventura sofridos pela efetivação deste protesto. O pagamento efetuado em desacordo com as determinações legais é ineficaz para obstar a efetivação do protesto de título vencido. Conforme precedentes do STJ cabe ao devedor promover o cancelamento do protesto quando este foi efetivado de forma regular. Se a devedora sequer comprova que após quitar o título protestado solicitou carta de anuência, com o objetivo de providenciar a baixa do protesto, não há que se falar em conduta ilícita por parte do credor pela manutenção do registro negativo e tampouco em direito a indenização por dano moral. (TJ-MT XXXXX20228110002 MT, Relator: VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 14/02/2023, Turma Recursal Única, Data de Publicação: 15/02/2023)

Outrossim, de acordo com o art. 275, da Diretrizes Gerais Extrajudiciais de Rondônia, em qualquer das hipóteses de pagamento de títulos, serão incluídos os emolumentos, custas, e demais despesas previstas em lei e provimento, de responsabilidade do devedor, que deverão ser solvidos por este ou por qualquer pessoa interessada no mesmo ato.

Num caso prático em que o credor apresenta título ou documento de dívida ao tabelionato de protesto, o devedor quita ou renegocia a dívida diretamente com o credor, este encaminha ao tabelionato de protesto a carta de anuência para fins de desistência e/ou retirada, mas aquele (devedor) alega não ser o responsável pelo pagamento de emolumentos e custas de retirada e/ou desistência, de quem é a responsabilidade?

Certamente não será do tabelião de protesto. Antes do protesto é possível realizar a quitação e/ou retirada mediante autorização da parte credora, apresentados os documentos exigidos em lei ou normativa (carta de anuência assinada e com firma reconhecida ou assinada eletronicamente com assinatura avançada ou qualificada).

Não sendo pagas as custas para a quitação e/ou retirada no prazo e feito o protesto, será necessário o cancelamento, mediante carta de anuência da parte credora.

Entende o STF (ADI 5.539) que os emolumentos, como taxas, são tributos da espécie "taxa remuneratória de serviços públicos", reconhecendo, ainda, que o produto da arrecadação dessas taxas pode ser destinado a fundos ou órgãos públicos, desde que voltados ao aperfeiçoamento da administração da Justiça.

Seja do credor ou do devedor a responsabilidade, devidos são os emolumentos, selos e custas (tributos) necessários à prática dos atos de desistência, retirada, pagamento ou cancelamento.

O que não se pode é o tabelionato de protesto, no impasse entre credor e devedor, quanto a quem deve recolher as custas, selos e emolumentos, ser pressionado a não praticar um ato legalmente previsto, qual seja, o registro do protesto em caso de não pagamento das custas e emolumentos, seja por quem for.

Conclui-se que, apresentado um título ou outro documento de dívida ao tabelionato de protesto e sendo a dívida quitada ou renegociada diretamente com o credor, a responsabilidade pelo pagamento dos emolumentos, em casos de pedidos de retirada ou desistência do protesto, é do devedor, parte interessada em não ter o protesto lavrado e registrado.

_____________

CHINI, Alexandre; et al. O protesto de títulos e outros documentos de dívida: lei nº 9.492/1997 comentada, doutrina e jurisprudência. São Paulo: JusPodivm, 2023.

FRAGA, Fellipe Vilas Bôas. Protesto extrajudicial, desjudicialização e desenvolvimento socioeconômico local. São Paulo: Dialética, 2023.

FRAGA, Fellipe Vilas Bôas. Reflexões sobre o futuro do protesto de títulos e outros documentos de dívidas com a implementação do provimento CNJ nº 86/2019. Revista de Direito Notarial, São Paulo, v. 1, n. 2, jul./dez. 2020. Disponível em: http://rdn.cnbsp.org.br/index.php/direitonotarial/article/view/10/12. Acesso em: 15 ago. 2025.

OLIVEIRA, Bruno Bastos de; FRAGA, Fellipe Vilas Bôas. Protesto de títulos e outros documentos de dívidas a partir do Provimento nº 86/2019 do Conselho Nacional de Justiça: análise na perspectiva da necessária desjudicialização dos conflitos. Libertas: Revista de Pesquisa em Direito, v. 8, n. 1, pp. 1-29. Disponível em: https://periodicos.ufop.br/libertas/article/view/4204. Acesso em: 15, ago. 2025.

Fellipe Vilas Bôas Fraga
Doutor e Mestre em Direito - UNIMAR. Doutor em Ciências Jurídicas - UMSA. Mestre em Justiça Administrativa - UFF. Tabelião do 2º Tabelionato de Protesto de Ji-Paraná/RO. Vice-Presidente do IEPTB/RO

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