Migalhas de Peso

Meu jubileu como professor da Faculdade de Direito da USP

Relato dos 50 anos de atuação como professor de Direito Comercial na USP, com trajetória no ensino, pesquisa e produção acadêmica.

20/8/2025

Nesses dias estou completando cinquenta anos como professor da Faculdade de Direito da USP, em uma longa jornada que começou no já longínquo ano de 1975.

Voltando ainda um pouco mais atrás no tempo, fatores antecedentes a este Jubileu se deram a começar do segundo semestre de 1971, quando ingressei na primeira turma do recém-criado curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, com o objetivo de fazer o mestrado. No começo de 1972, na qualidade de aluno do professor Oscar Barreto Filho, comecei a atuar junto a ele como docente voluntário1, uma espécie de assistente não oficial, que representava um costume ali então adotado, com o fim de auxiliar os professores nas aulas práticas ou de seminário, com relação às matérias lecionadas, considerando que o modelo da Faculdade ainda não contemplava a figura do assistente. 

Observo que no final de 1971 eu havia publicado, sob a coordenação do professor Oscar, o Vade-mécum do Mercado de Capitais, por meio da Editora Saraiva, uma obra que havia consolidado toda a legislação então vigente dentro dessa área (o que envolvia também o Direito Bancário), tendo em vista que a lei 4.728/1965 havia atribuído ao CDB - Banco Central do Brasil a competência para atuar naquela em tal campo, o que ocorreu até o advento da lei 6.385/1976, com a criação da CVM - Comissão de Valores Mobiliários. Nesse sentido, eu havia me tornado um especialista de fato em Direito Bancário e do mercado de capitais, tendo então auxiliado o professor Oscar na ministração daquelas disciplinas.

A obra acima citada havia sido uma encomenda feita pela ACREFI - Associação Nacional das Empresas de Crédito, Financiamento e Investimentos ao professor Oscar, tendo em vista o seu conhecimento do mercado de capitais, especialmente por ter escrito obras sobre as sociedades de investimento. Isso foi em 1968, ao tempo em que eu era seu aluno no terceiro ano do curso de graduação e, ao mesmo tempo, funcionário do BCB de cujo corpo funcional eu havia começado a fazer em 1967, tendo sido aprovado em concurso público no anterior. Dessa maneira começamos a trabalhar juntos em 1968 naquela consolidação, a partir de um projeto por mim elaborado, que ele aprovou.

Veja-se que as coincidências relativas a esses fatores aconteceram mais uma vez. Precisamente foi o setor em que eu trabalhava no BCB aquele que recebeu todo o acervo documental da SUMOC existente então em São Paulo, do qual fazia parte a legislação pertinente à sua atividade. Como se sabe, a SUMOC foi transformada no BCB por meio da lei 4.595/1964. Para mim bastou organizar todo aquele acervo e botar mãos à obra - tendo contado com todo o grande apoio do meu então chefe no BCB -, tendo o trabalho sido finalizado quanto à primeira edição em 19791, conforme visto acima, seguida da segunda edição em 1978.

Dessa maneira, voltando a 1972, enquanto eu cursava as disciplinas do mestrado, adquiria ao mesmo tempo uma experiência como professor, sob os auspícios sempre presentes do professor Oscar, em um mútuo aprendizado, o que abrangeu também, as disciplinas relativas à Teoria Geral do Direito Comercial, Direito Societário, Direito dos Títulos de Crédito, Contratos Mercantis e Falência e Concordata. 

Em 1975 foi criada a função de auxiliar de ensino na Faculdade de Direito da USP, com o compromisso dos aprovados de terminarem os seus mestrados ou doutorados dentro de determinado tempo. Fui aprovado naquele concurso, tendo, então, passado a fazer oficialmente parte do corpo docente daquela Faculdade, tendo sucessivamente galgado as funções de professor assistente, de professor assistente doutor e de professor associado, até a minha aposentadoria compulsória em 2015, aos setenta anos. Aposentado, continuei a minha missão como professor sênior do departamento de Direito Comercial, que atualmente exerço.

A experiência como auxiliar de ensino me permitiu trabalhar também com os professores Fábio Comparato, Waldírio Bulgarelli, Luiz Gastão Paes de Barros Leães e Modesto Carvalhosa, o que representou um aprendizado ímpar. 

No âmbito da Faculdade de Direito da USP fui coordenador e autor por cerca de algumas décadas, da RDM - “Revista de Direito Mercantil, Industrial e Financeiro” (a qual pertence ao Instituto Tullio Ascarelli), um grande marco do Direito Comercial do Brasil, pela qualidade dos autores que nela têm publicado os seus textos. 

Na minha história acadêmica escrevi inúmeros livros e dezenas e dezenas de artigos sobre os mais diversos temas do Direito Comercial, com destaque para os que abordaram Direito Bancário e do mercado de capitais. Tenho a destacar as obras  “Responsabilidade Civil Especial nas Instituições Financeiras e nos Consórcios em Liquidação Extrajudicial - Um Estudo de Iure Constituto e de Lege Ferenda (1992 - Tese de Doutoramento);  “Bancos Centrais no Direito Comparado - O Sistema Financeiro e o Banco Central do Brasil - O Regime em Vigor e as Propostas de Reformulação” (2005); “O Código Civil e a Crise do Contrato - Seus Efeitos nos Contratos Mercantis (Alguns Aspectos Relevantes)”, 2009, Tese de Livre-Docência; “Coleção de Direito Comercial” em seis volumes, obra coletiva que abrange todas as áreas do curso de bacharelado, 2022; “Aspectos da Teoria Geral do Direito Bancário - A Moeda e o Sistema Financeiro Nacional e Internacional”, em coautoria com Alexandre Sansone Pacheco 2022; e “Aspectos da Teoria Geral do Mercado de Capitais” (obra coletiva), 2022. Em andamento encontra-se uma obra coletiva sobre o Direito Concorrencial, que deverá ser publicada no próximo ano. 

No tocante a artigos em revistas e outras mídias jurídicas, perdi a conta, tendo merecido da RDB - Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais e do Jornal Eletrônico Migalhas a abertura de portas sempre prontas para publicar os meus textos. 

Merece uma menção toda especial o IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo, que integro e dentro dele do Comitê de Bancário e do Mercado de Capitais do qual faço parte - ao lado de grandes nomes dessas duas áreas - onde têm sido discutidos os mais importantes temas a elas pertinentes, aos quais tenho procurado dar a minha contribuição.

Como professor do curso de pós graduação da Faculdade de Direito da USP, lecionei em parceria duradoura com a professora Rachel Sztan -  a par da colaboração de professores especialmente convidados - um bom número de disciplinas sobre Direito Comercial e outras áreas, tendo procurado exercer uma integração com a economia e outros campos da pesquisa ligados àquele Direito, como fator de enriquecimento em um mundo que a cada dia se transforma, ultimamente de maneira avassaladora com os recursos das novas tecnologias, em grande efervescência no campo das instituições financeiras e das companhias abertas.

Ainda na atividade acadêmica, na graduação - que exerci até 2015 -, fui professor de alguns milhares de alunos. E desde o começo de 1992 até agora lecionei no pós-graduação para centenas de alunos e ajudei a fazer muitos mestres e doutores, meus orientados, que hoje honram como professores o nome da Faculdade de Direito da USP, dentro e fora dela.

Finalmente, durante a pandemia criei com ex-alunos do curso de pós-graduação da USP um grupo de estudos interdisciplinares, reunido semanalmente à distância, com o objetivo de dar um pouco de vida àquele período de reclusão obrigatória, o qual cresceu progressivamente com o advento de novos integrantes. Trata-se do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial, que tem feito estudos e os dados à luz em diversas publicações.

Enquanto tiver condições pessoais, continuarei essa atividade docente, a par do lado profissional, na perseguição do conhecimento como um todo e do Direito Comercial em particular, procurando não me tornar um dinossauro engolido pela tecnologia, mas desejando compreendê-la e utilizá-la com eficiência, usando as ferramentas modernas de divulgação do conhecimento e de troca de experiências, a exemplo do Linkedin e dos grupos de WhatsApp.

___________________________

1 Segundo os detratores, “carregadores de pastas”.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.

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