Durante anos, o metaverso foi apresentado como a próxima revolução da internet. A mudança do nome do Facebook para "Meta" em 2021, acompanhada de um investimento bilionário (mais de US$ 36 bilhões até 2023), consolidou a aposta de Mark Zuckerberg em mundos virtuais como o futuro da interação digital. Escritórios de advocacia criaram sedes virtuais, governos testaram experiências em realidade aumentada, e setores inteiros embarcaram na onda. No entanto, a realidade se impôs: demissões em massa, abandono de projetos e plataformas vazias.
Este artigo propõe uma reflexão ponderada sobre os caminhos da inovação, seus riscos e aprendizados. Não é uma negação à tecnologia, mas um chamado à responsabilidade e à sabedoria em sua aplicação.
O metaverso não falhou por falta de avanço tecnológico. Ele tropeçou na ausência de sentido. Muitos projetos foram lançados sem um problema real a resolver, guiados mais pela pressão de parecer inovador do que pela efetiva entrega de valor.
No mundo jurídico e institucional, essa pressa também se reflete na implementação de soluções digitais sem escuta dos usuários, sem testes adequados e sem métricas de impacto. A verdadeira inovação nasce da empatia, do diagnóstico correto e da aplicação contextualizada.
Enquanto cidades virtuais eram projetadas, milhões de pessoas no Brasil e no mundo ainda lutam com conexão instável, falta de equipamentos e baixo letramento digital. Criar soluções sofisticadas sem garantir acessibilidade é aprofundar desigualdades.
Inovação que não alcança as pessoas é apenas luxo tecnológico. No Direito, isso se traduz em sistemas processuais pouco intuitivos, audiências digitais excludentes e iniciativas que falham em promover justiça efetiva.
Em ecossistemas digitais altamente dinâmicos como o metaverso, onde interações sociais, econômicas e institucionais ocorrem em tempo real, a regulação precisa ser parceira estratégica desde o início do desenvolvimento. Infelizmente, não foi isso que ocorreu. A urgência de colocar produtos no mercado sobrepôs a preocupação com os fundamentos legais e éticos da inovação.
Em ambientes como o metaverso, surgem novas fronteiras para o Direito:
- Contratos firmados entre avatares em territórios virtuais;
- Créditos e ativos digitais com valor econômico real;
- Dados sensíveis sendo compartilhados por dispositivos de imersão;
- Obra intelectual criada por inteligência artificial;
- Perfis e identidades digitais que precisam de proteção.
A ausência de regulação não é sinal de liberdade criativa, mas de insegurança. Sem marcos legais claros, os usuários ficam vulneráveis, as empresas expostas e o avanço tecnológico desacompanhado de legitimidade.
Como juristas, devemos deixar de ser apenas reativos à inovação. Devemos assumir papel ativo, trabalhando lado a lado com designers, engenheiros, programadores e decisores públicos na criação de tecnologias seguras, responsáveis e juridicamente sustentáveis.
A opinião pública e empresarial global tem se tornado cada vez mais cética quanto à viabilidade do metaverso. Grandes empresas recuaram. A Microsoft encerrou projetos ligados ao metaverso corporativo em 2023. A Disney dissolveu sua divisão dedicada a experiências virtuais. Gigantes como a Google e a Apple passaram a investir em realidade aumentada com aplicações mais concretas, sem usar o termo "Metaverso". Investidores passaram a cobrar retorno real, e não apenas narrativas futuristas.
Os reflexos práticos incluem cortes de verba, redirecionamento de times de P&D e uma maior demanda por regulação e análise de impacto tecnológico. O mercado compreendeu que, sem um ecossistema funcional, juridicamente protegido e socialmente acessível, nenhuma promessa tecnológica se sustenta por muito tempo.
Inovações eficazes não são aquelas que apenas impressionam. São aquelas que resolvem. E isso só acontece quando há escuta real, testes com usuários, liderança colaborativa e abertura ao erro.
Como especialista em soft skills, defendo que a liderança tecnológica precisa ser mais humana. O metaverso fracassou também por ter sido pensado para agradar investidores, não para servir pessoas.
Antes de aderir à próxima grande promessa digital, façamos perguntas essenciais:
- Qual problema real estamos tentando resolver?
- Essa solução é acessível para todos os usuários?
- Existe uma base jurídica sólida para sua implantação?
- As áreas de compliance, privacidade e segurança foram ouvidas?
- Está claro como essa tecnologia será mantida e avaliada?
A inovação que perdura é a que transforma com responsabilidade. Ela exige planejamento, regulação, escuta e senso de propósito.
O colapso do metaverso não deve ser visto como um fracasso da tecnologia, mas como um alerta sobre os limites da euforia tecnológica. Não se trata de temer o novo, mas de acolhê-lo com serenidade, ancorado em propósito, justiça e humanização.
O jurista do futuro é aquele que inova com senso crítico. Que participa desde o início dos processos de criação, garantindo que a tecnologia esteja a serviço das pessoas e não da especulação.
Porque o novo, sem sentido, é apenas uma distração sofisticada. A verdadeira revolução é aquela que é sustentável, justa e humana.
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Referências bibliográficas
META Platforms Inc. (2023). Relatórios Financeiros Anuais – Reality Labs. Disponível em: https://investor.fb.com
BBC News Brasil. (2023). Microsoft abandona o metaverso corporativo. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese
The Verge. (2023). Disney eliminates metaverse division. Disponível em: https://www.theverge.com
OECD (2023). Regulatory Frameworks for Emerging Technologies: Aligning Innovation and Governance.
Zuboff, Shoshana. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power. PublicAffairs.
Tapscott, Don; Tapscott, Alex. (2016). Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin Is Changing Money, Business, and the World. Penguin.