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A disputa que definirá o futuro do direito portuário talvez ainda não tenha chegado aos tribunais, mas seus contornos já podem ser desenhados

Smart contracts no setor portuário desafiam o direito, exigindo contratos híbridos que conciliem automação e segurança jurídica.

29/8/2025

A disputa que definirá o futuro do direito portuário talvez ainda não tenha chegado aos tribunais, mas seus contornos já podem ser desenhados. 

Imagine um navio que, atrasado por uma tempestade, aciona automaticamente a cobrança de sobrestadia (demurrage) por um smart contract, ignorando a cláusula de força maior prevista no contrato principal.

Com milhares de dólares transferidos de forma instantânea e irreversível por meio de uma stablecoin, moeda digital de valor estável, operando em blockchain, sistema de registros descentralizados e permanentes, a pergunta é inevitável. Como o direito pode intervir, se o código já executou a sentença?

O rigor algorítmico desses contratos colide com a flexibilidade interpretativa do direito contratual. Princípios como a função social do contrato (art. 421 do CC) e a boa fé objetiva (art. 113) exigem contexto, algo que o código, por si só, não reconhece.

O desafio se intensifica diante da ausência de regulação específica no Brasil. Diferentemente de jurisdições como o Arizona, nos Estados Unidos, que já conferem validade jurídica a esses contratos, operamos em um ambiente de incerteza.

A resposta, porém, não está em afastar a tecnologia, mas em sofisticar sua arquitetura jurídica. A proposta mais promissora é a adoção de contratos híbridos. Um instrumento principal juridicamente robusto, complementado por smart contracts subordinados, responsáveis por automatizar tarefas específicas.

Essa estrutura permite aliar eficiência operacional e segurança jurídica, estabelecendo previamente os limites do código, os procedimentos para revisão e a hierarquia entre linguagem legal e execução automatizada. Litígios envolvendo essas tecnologias exigirão novas abordagens probatórias e processuais.

A digitalização do ambiente portuário já é realidade. Avançar para contratos autoexecutáveis exigirá arquitetos jurídicos aptos a construir pontes entre inovação e justiça, garantindo que a automação sirva ao contrato, e não o contrário.

Caroline Ribeiro Souto Bessa
Sócia gestora da área do Contencioso Cível Estratégico de Martorelli Advogados.

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