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Letramento & IA: Uma viagem que recém começou

O letramento em IA, defendido pelo AI Act europeu, é crucial para uso ético, seguro e responsável da tecnologia, unindo inovação e proteção de direitos.

1/9/2025

A crescente utilização da inteligência artificial em processos decisórios, operacionais e estratégicos em empresas e outras organizações, públicas e privadas, do mundo todo, vem impondo desafios que vão muito além da inovação tecnológica. Sabendo disso, a União Europeia, através do regulamento 2024/1689 (“AI Act”), apresenta um conceito fundamental para que possamos ultrapassá-los e, ao mesmo tempo, qualificar o debate sobre este novo universo colaborativo entre humanos e máquinas.

Embora temas como a regulação, os possíveis modelos de governança, a responsabilização de agentes, os direitos autorais, a proteção de dados e outros direitos fundamentais no contexto da IA sejam cruciais neste novo e incerto cenário, é imprescindível estabelecer, no alicerce dessa discussão, critérios claros para orientar sua utilização de forma ética, responsável e segura. Afinal, estamos construindo uma estrada digital cheia de riscos e, por isso, a sinalização precisa ser clara e bem definida, orientando adequadamente todos que percorrerão esse novo caminho.

É daí que vem a relevância do letramento, conceito que vai além da mera capacidade técnica de compreender, utilizar e supervisionar sistemas de IA. Trata-se, sobretudo, de desenvolver a capacidade de compreender e tratar responsavelmente os desafios éticos e os riscos sociais, legais e econômicos envolvidos no uso da IA.

AI Act da União Europeia confere ao letramento um papel decisivo na construção de um ecossistema de IA centrado no ser humano, como forma de promover a transparência, a participação ativa da sociedade na governança tecnológica e a proteção contra abusos como vigilância em massa, discriminação ou manipulação. Mais do que um ideal regulatório, é uma necessidade prática urgente.

E no Brasil, como esse tema avança?

Embora não tenhamos - por enquanto - uma legislação específica acerca do assunto, nem mesmo uma conceituação tão precisa quanto à da regulação europeia, o país já demonstra avanços promissores. Iniciativas como a EBIA - Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, o PL 2.338/23 e a recente LC 205/25 de Goiás apontam para o objetivo de promover a capacitação técnica e ética de agentes e usuários de IA.

Em paralelo, conceitos acadêmicos como “literacIA cidadã” emergem, alinhando a educação tecnológica ao pensamento crítico. No Brasil, portanto, estamos avançando, mesmo que lentamente, nessa jornada de conscientização digital.

Como aplicar o letramento em IA na prática?

No setor público, essa conscientização é chave para evitar que sistemas automatizados violem direitos fundamentais em áreas sensíveis como saúde, educação e segurança pública. Servidores e gestores precisam entender profundamente o funcionamento e as implicações éticas da tecnologia para que possam empregá-la com responsabilidade.

Na iniciativa privada, empresas que utilizam IA em processos decisórios, como recrutamento ou concessão de crédito, deverão preparar as suas equipes, com treinamentos e atualizações regulares, para realizar uma supervisão humana efetiva, detectar vieses e mitigar outros riscos. Investir em letramento em IA deixa, assim, de ser apenas um diferencial competitivo para se tornar uma necessidade para mitigar riscos legais, regulatórios e reputacionais.

Na governança pública ou privada, o domínio ético e responsável da IA será cada vez mais importante para implementar mecanismos eficazes de transparência, responsabilização e controle. Sem isso, navegaremos sem bússola em um oceano azul, mas perigoso, deixando espaço para abusos e erros que podem custar caro para as instituições e a sociedade em geral.

O letramento em IA não é apenas um conceito acadêmico: é o mapa indispensável para guiar o desenvolvimento ético, seguro e sustentável dessa tecnologia. Afinal, estamos diante não apenas de uma revolução tecnológica, mas de uma revolução cultural que exige cidadãos preparados, críticos e conscientes das ferramentas digitais que já estão construindo o nosso futuro.

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Referências

União Europeia. Regulamento (UE) 2024/1689. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32024R1689

Comissão Europeia. Diretrizes Éticas para uma IA Confiável. Disponível em: https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/library/ethics-guidelines-trustworthy-ai

Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA). MCTI. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/transformacaodigital/inteligencia-artificial

PL 2.338/23. Senado Federal. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157476

LC 205/25 do Estado de Goiás. Assembleia Legislativa de Goiás. Disponível em: https://www.al.go.leg.br

Artigo “LiteracIA cidadã: educação crítica em inteligência artificial”. UERJ. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/riae/article/view/86241

Fábio Cardoso Machado
Sócio responsável pela prática de Governança, Compliance e Investigações no Andrade Maia Advogados. Possui mais de 20 anos de experiência em diversos setores econômicos e intensa atuação em fusões e aquisições (M&A) e outras operações societárias, governança corporativa, cooperativismo, contratos comerciais, direito regulatório, concessão de serviços públicos, licitações, compliance, investigações corporativas internas, litígios de alta complexidade e arbitragem.

Tamires Freitas
Sócia do Andrade Maia Advogados. Especialista em Processo Civil, Direito Civil, Empresarial e Digital e mestranda em Direito e Negócios Internacionais.

Nízio Maia Netto
Advogado da área de Governança, Compliance e Investigações Corporativas no Andrade Maia Advogados.

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