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O sangue italiano que a Itália quer negar

Decisão judicial em Turim desafia decreto italiano e reacende o direito de descendentes à cidadania, enfrentando barreiras políticas e resgatando raízes.

22/9/2025

Fonte ouvida para a escrita deste artigo: Vinicius Gama, sócio-fundador da Pátria Cidadania.

A contradição italiana

Enquanto a Itália envelhece e sua economia sofre com uma pirâmide etária invertida, o governo de Giorgia Meloni opta por fechar as portas para milhões de descendentes que poderiam ser a salvação demográfica do país. Surge então um protagonista improvável: o juiz Fabrizio Alessandria, do Tribunal de Turim, que lembrou o óbvio - não se apagam direitos centenários com uma canetada populista.

Uma vitória jurídica com impacto social

A decisão de reconhecer o direito de um bisneto à cidadania italiana, mesmo após o decreto Tajani, é mais que um ato judicial. É um contraponto à hipocrisia de um país que, de um lado, lamenta a falta de jovens para sustentar sua economia e, de outro, ergue barreiras para quem carrega sangue italiano nas veias.

Números que não podem ser ignorados

Em 2024, 68.841 brasileiros tiveram sua cidadania italiana reconhecida. Cada um deles é um consumidor, um potencial investidor, um contribuinte para um sistema previdenciário à beira do colapso. Estima-se que 30 milhões de brasileiros descendam de italianos - mais da metade da população atual da Itália. Em vez de fortalecer laços culturais e econômicos, o governo preferiu aumentar taxas e impor novos obstáculos. 

Miopia política 

Enquanto países como Canadá e Austrália disputam imigrantes qualificados, a Itália restringe justamente aqueles com vínculo histórico e cultural. Pequenas cidades italianas definham, vilarejos são abandonados, imóveis são oferecidos por um euro. Ainda assim, centenas de milhares de ítalo-brasileiros foram empurrados para fora dos processos de cidadania, interrompendo um fluxo bilionário de turismo de raízes, serviços e investimentos. 

O decreto e a resistência judicial 

O decreto-lei 36/25, convertido na lei 74/25, tenta impor restrições retroativas que afrontam princípios básicos do CC italiano. A arguição de inconstitucionalidade enviada à Corte Constitucional é mais do que um procedimento jurídico - é um ato de resistência contra o autoritarismo travestido de soberania.

A seletividade hipócrita 

A Itália se orgulha de sua diáspora quando lhe convém - celebra o Columbus Day, exalta os ítalo-argentinos campeões do mundo, vangloria-se das Little Italys espalhadas pelo planeta. Mas quando esses mesmos descendentes buscam formalizar seus laços, passam a ser tratados como “turistas de passaporte”. É um paradoxo de identidade que, em vez de fortalecer a nação, a enfraquece.

Esperança em Turim 

A decisão do Tribunal de Turim não é apenas juridicamente correta - é moralmente necessária. Ao afirmar que o direito à cidadania por descendência é “originário e não pode ser simplesmente revogado”, o juiz Alessandria defendeu não apenas um princípio legal, mas a própria essência do que significa ser italiano.

O julgamento que definirá o futuro

A Corte Constitucional analisará o caso entre o fim de 2025 e o início de 2026. A decisão poderá consolidar ou sepultar o vínculo entre a Itália e sua diáspora. Validar as restrições seria assinar o atestado de óbito de uma nação que sempre se orgulhou de seus filhos espalhados pelo mundo. 

Um recado aos descendentes

Para os milhões de ítalo-brasileiros que acompanham angustiados esses desdobramentos: não desistam. A história, o Direito e agora a jurisprudência estão do seu lado. A Itália que sonhamos não é a da burocracia kafkiana e das taxas extorsivas; é a da arte, da cultura, da família, dos valores preservados com carinho. 

Conclusão

A decisão de Turim reacende a chama da justiça e da razão. Ela mostra que a italianidade não é uma concessão do Estado, mas um direito natural de quem carrega em si a história de gerações. Nenhum decreto pode mudar o fato de que sangue italiano corre nas veias de milhões de pessoas. Tentar negar isso é autodestrutivo para um país que precisa desesperadamente de sangue novo - mesmo que esse sangue seja, ironicamente, o velho sangue italiano voltando para casa.

Flademir Pereira
Assessor de imprensa há 15 anos. Apaixonado pela comunicação jurídica. Jornalista, colunista no Uol, iG e editor-chefe da A Fonte Magazine. Apresentador de TV no SBT do Pará

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