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Prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória do TCU segundo o STF

O presente artigo tem como objetivo demonstrar o atual entendimento do STF sobre a resolução do TCU 344/22, em especial, sobre a possibilidade de múltiplas interrupções do prazo prescricional.

4/9/2025
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Introdução

Em 11 de outubro de 2022, o TCU - Tribunal de Contas da União editou a resolução 344, que no seu art. 5º previu 04 (quatro) causas interruptivas aplicáveis à prescrição das pretensões punitiva e ressarcitória da Corte de Contas. Estabeleceu, ainda, em seu parágrafo primeiro, a possibilidade de a interrupção ocorrer mais de uma vez.

Da análise do citado dispositivo, dessume-se que as circunstâncias descritas são praticamente idênticas às causas interruptivas previstas no art. 2º, da lei 9.873/1999, que estabelece o prazo prescricional para o exercício da pretensão punitiva da Administração Pública Federal, Direta e Indireta.

Nada obstante essa similitude normativa, o que se observou, na prática, foi uma crescente judicialização, especialmente no STF, relacionada com o tema prescrição de pretensões no âmbito do Tribunal de Contas da União, sendo visível, hoje, a existência de um dissenso jurisprudencial sobre o tema, como aqui será analisado.

A despeito do entendimento firmado pela Corte de Contas no exercício de seu poder regulamentar, para uma melhor compreensão do tema e dos possíveis contornos que a regra pode trazer, e com isso, inclusive, compreender e bem visualizar os aspectos relacionados com o anunciado dissenso jurisprudencial e à legalidade, ou não, dessa norma infralegal expedida pelo TCU, é importante identificar e analisar: (a) a natureza do regime jurídico aplicável ao tema prescrição no âmbito do TCU, bem como; (b) a forma que a mais alta Corte do Poder Judiciário brasileiro tem se manifestado quanto à aplicabilidade ou não dessas diversas causas interruptivas, sobretudo diante da existência de regra geral prevista no art. 202 do CC, que prevê o princípio1 da unicidade da interrupção do prazo prescricional.

Isso porque, a depender da análise do regime jurídico e do bem jurídico tutelado pelo Tribunal de Contas no exercício do seu poder fiscalizatório e sancionador previstos no art. 71, incisos II e VIII da CF, será possível identificar qual o instrumento normativo mais se adequa à matéria, sob o aspecto prescricional.

Destarte, partindo-se da análise do regime jurídico aplicável à prescrição no âmbito do TCU, no presente trabalho se buscará demonstrar o atual panorama decisório do STF sobre a incidência das diferentes causas de interrupção da prescrição previstas na resolução 344/22 do TCU, bem como pontuar a existência de divergência de entendimento entre os ministros que compõem as duas turmas da Corte Suprema, procurando identificar os principais aspectos de cada uma das diversas posições manifestadas no âmbito do STF.

Metodologia

Para a elaboração do artigo e demonstração dos resultados foram realizadas pesquisas teóricas e, sobretudo, jurisprudencial dos julgados das turmas do STF relacionados à matéria em discussão, proferidos desde a data da publicação da resolução 344/22 do TCU (11/10/2022), até março de 2025.  

Prescritibilidade da pretensão punitiva e ressarcitória do Tribunal de Contas da União - Breve panorama histórico e jurisprudencial 

A prescritibilidade da prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória da Fazenda Pública, assim como a decorrente de condenação proferidas pelo Tribunal de Contas da União, constitui matéria de recorrente discussão na seara doutrinária e jurisprudencial.  

Dois aspectos relevantes da temática e que, em parte, se relacionavam com a imprescritibilidade prevista na parte final do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, foram superadas pelo STF com o julgamento dos Temas de Repercussão Geral 666 ("É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil") e 899 ("A pretensão de ressarcimento ao erário baseada em decisão do TCU é prescritível"). Muito embora a partir desses julgados tenha se consolidado o entendimento quanto à prescritibilidade quinquenal da pretensão executória de julgados do Tribunal de Contas da União, na linha do que se anunciou na introdução, ainda remanescem consideráveis discussões junto à Suprema Corte Brasileira sobre a prescrição da fase pré-processual, ou seja, da fase interna de apuração dos fatos no âmbito do Tribunal de Contas da União.

Considerando a inexistência de lei em sentido estrito disciplinando a matéria, aliado ao fato de que o entendimento firmado no julgamento do Tema 899 limitou-se à fase executória dos acórdãos do Tribunais de Contas, a jurisprudência do STF passou a utilizar como parâmetro as regras dispostas na lei 9.873/1999, que trata do prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia. Nesse sentido, exemplificativamente, pode se referir o julgamento do mandado de segurança 36.054 AgR, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, oportunidade em que se assentou que “a prescrição da pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União é regulada integralmente pela lei 9.873/19992 3.

O art. 2º do citado instrumento normativo traz as seguintes hipóteses de interrupção da prescrição:

Art. 2º Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:

I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;                   

II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;

III - pela decisão condenatória recorrível.

IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. 

Atento a esse cenário e curvando-se ao entendimento jurisprudencial que se consolidou, o Tribunal de Contas da União editou em 11 de outubro de 2022 a resolução 344, que no seu art. 5º praticamente repetiu as 04 (quatro) causas interruptivas previstas no art. 2º, da lei 9.873/1999.

Além disso, previu expressamente no parágrafo primeiro do seu artigo quinto, a possibilidade de a interrupção ocorrer mais de uma vez.

Eis o teor dos dispositivos:

Art. 5º A prescrição se interrompe:

 I - pela notificação, oitiva, citação ou audiência do responsável, inclusive por edital;

II - por qualquer ato inequívoco de apuração do fato;

 III - por qualquer ato inequívoco de tentativa de solução conciliatória;

 IV - pela decisão condenatória recorrível.

§ 1° A prescrição pode se interromper mais de uma vez por causas distintas ou por uma mesma causa desde que, por sua natureza, essa causa seja repetível no curso do processo. (grifo nosso)

Posteriormente, em 13 de março de 2024, o TCU editou a resolução 367, que trouxe alterações pontuais à resolução 344/22, especialmente no que diz respeito ao trânsito em julgado e à cobrança executiva, aos marcos interruptivos objetivos e subjetivos, ao termo inicial de contagem de prazo da prescrição intercorrente e à interrupção do prazo prescricional por atos de apuração praticados em processos diversos.

Cumpre destacar, que os dispositivos discutidos no presente artigo (art. 2º e parágrafo primeiro) não sofreram alteração, razão pela qual este artigo não aprofundará as alterações trazidas por esta última resolução. 

No entanto, é preciso enfatizar que a definição adequada do arcabouço normativo aplicável para as regras prescricionais da pretensão punitiva e ressarcitória do Tribunal de Contas da União, demandam uma análise prévia do regime jurídico ao qual se submete a Corte de Contas no exercício dessas pretensões.

A partir daí, será possível inferir se as regras específicas de interrupção do prazo prescricional previstas na resolução 344/22 do TCU, em especial, sobre a possibilidade de a interrupção ocorrer mais de uma vez, encontram-se, de fato, alinhadas ao regime jurídico atribuído à Corte de Contas.

Em outras palavras, o regime jurídico aplicável e as conclusões daí advindas irão indicar se sobre a matéria deve prevalecer a regra especial prevista no art. 2º, da lei 9.873/1999, regulamentada pela resolução 344/22 do TCU, ou a regra geral prevista no art. 202 do CC.

Cumpre-nos antecipar que, atualmente, há dissenso jurisprudencial sobre o tema no âmbito do STF. A despeito da existência de decisões admitindo as diferentes causas de interrupção da prescrição, como por exemplo no MS 39.167/DF, de relatoria do ministro Flávio Dino e do MS 38.734/DF, de relatoria do ministro André Mendonça, existem decisões em sentido contrário, à exemplo das proferidas no MS 38.790/SC e MS 38.627/DF, ambos de relatoria do ministro Gilmar Mendes, ao argumento de que, nesses casos, deve-se respeitar a segurança jurídica e o princípio da unicidade da interrupção do prazo prescricional, previsto no art. 202 do CC.

Anunciado esse panorama jurisprudencial e divergências sobre o tema, no próximo tópico abordaremos o regime jurídico aplicável à Corte de Contas no exercício de sua pretensão punitiva e ressarcitória.

Leia o artigo na íntegra.

_______

1 Embora o art. 202 do CC não mencione expressamente que se trata de um princípio, no presente estudo adotar-se-á esta nomenclatura, considerando ser a terminologia adotada pelo STF em vários dos seus julgados.

2 2ª turma, julgado em 09 de novembro de 2021 e publicado em 13 de dezembro de 2021.

3 A 1ª turma do STF também já manifestou entendimento no sentido de que “aplica-se a lei 9.873/1999 ao Tribunal de Contas da União no que se refere à prescrição e aos seus marcos interruptivos”. Nesse sentido, exemplificativamente, cita-se o julgado do Mandado de Segurança nº 38.138 AgR, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, julgado em 11 de novembro de 2021 e publicado em 18 de novembro de 2021.

Autor

João Gilvan Gomes de Araujo Filho Advogado da União. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Especialista em Direito Público. Especialista em Advogacia Pública.

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