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A revogação dos enunciados 102 e 103 do FONAJE: Limites às decisões monocráticas e fortalecimento da colegialidade nas turmas recursais

O 55º FONAJE atualiza normas processuais nos Juizados Especiais, reforçando a previsibilidade, a colegialidade e os direitos das partes.

3/9/2025

O FONAJE - Fórum Nacional dos Juizados Especiais tem desempenhado um papel crucial na uniformização e aprimoramento das práticas processuais no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Em seu mais recente encontro, o 55º FONAJE, realizado em Fortaleza/CE, foram aprovadas alterações significativas que impactam diretamente a sistemática de julgamento dos recursos1.

As alterações promovidas pelo 55º FONAJE representam um marco na evolução da interpretação e aplicação das normas processuais nos Juizados Especiais. Os enunciados 102 e 103, agora revogados, conferiam ao relator uma ampla margem para decisões monocráticas, permitindo o julgamento de recursos em diversas situações, tais como manifesta inadmissibilidade, improcedência, ou quando em desacordo com súmula ou jurisprudência dominante de turmas recursais, turmas de uniformização ou Tribunais Superiores. Essa flexibilidade, embora visasse à celeridade, gerava questionamentos sobre a garantia do devido processo legal e a plenitude do exercício da advocacia, porquanto ultrapassava os limites do CPC e impedia a realização de sustentação oral perante as Turmas Recursais.

Em contrapartida, os recém-aprovados enunciados 176 e 177 estabelecem limites claros à atuação do relator, alinhando-se de forma mais estrita às disposições do CPC. A nova redação dos enunciados é a seguinte: 

Enunciado 176 - “O relator, em decisão monocrática, poderá dar provimento a recurso apenas se a decisão recorrida for contrária às hipóteses previstas no art. 932, inc. V, letras ‘a’, ‘b’ e ‘c’, do CPC.”

Enunciado 177 - “O relator, em decisão monocrática, poderá negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; ou ainda negar provimento a recurso apenas nas hipóteses previstas no art. 932, inc. IV, letras ‘a’, ‘b’ e ‘c’, do CPC.”

A modificação introduzida revela-se de especial importância, pois restringe a atuação do relator às hipóteses taxativamente previstas no CPC, afastando a possibilidade de julgamento com fundamento genérico em “jurisprudência dominante” do próprio Juizado ou das turmas recursais. A redação anterior, ao conferir tal margem de apreciação, ensejava interpretações amplas, comprometendo a uniformidade e a colegialidade. A nova redação impõe observância estrita aos parâmetros legais, o que fortalece a previsibilidade decisória e promove maior segurança jurídica no âmbito dos Juizados Especiais.

A OAB da Bahia já havia identificado, em 2023, os impactos do elevado número de decisões monocráticas autorizadas pelos antigos enunciados 102 e 103 do FONAJE, especialmente no que se referia à limitação da sustentação oral e à necessidade de maior fundamentação das decisões2. Nesse contexto, em 7 de agosto de 2023 o Conselho Superior dos Juizados Especiais do TJ/BA aprovou recomendação orientando que as decisões monocráticas das turmas recursais fossem embasadas em súmulas, enunciados ou jurisprudência da turma estadual de uniformização e dos tribunais superiores3.

A atuação articulada da advocacia e a subsequente atualização dos enunciados do FONAJE demonstram que os esforços institucionais e profissionais caminham de forma coordenada, convergindo para a consolidação das garantias processuais e o fortalecimento da segurança jurídica nos Juizados Especiais.

A revogação dos enunciados 102 e 103 e a aprovação dos enunciados 176 e 177 pelo FONAJE constituem relevante marco no aperfeiçoamento do microssistema dos Juizados Especiais, ao reafirmarem a centralidade do devido processo legal e do princípio da colegialidade. Com efeito, ao limitar as hipóteses de decisão monocrática às situações expressamente previstas no art. 932 do CPC, o FONAJE sinaliza que a celeridade processual - ainda que essencial à lógica dos Juizados - não pode se sobrepor à qualidade da prestação jurisdicional nem às garantias constitucionais.

Assim, a revisão promovida pelo 55º FONAJE evidencia o aprimoramento do microssistema dos Juizados Especiais, ao compatibilizar sua natureza simplificada e célere com os princípios fundamentais do devido processo legal, da ampla defesa e da colegialidade. Ao harmonizar a atuação desses órgãos com as previsões do CPC, o Fórum reafirma que a busca pela efetividade jurisdicional deve sempre estar articulada à segurança jurídica e à observância das prerrogativas da advocacia, consolidando decisões mais previsíveis e justas para todos os jurisdicionados.

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1 Encerrado o 55º Fórum Nacional de Juizados Especiais com aprovação de cinco enunciados e uma proposta de moção. Disponível em: https://www.tjce.jus.br/noticias/encerrado-o-55o-forum-nacional-de-juizados-especiais-com-aprovacao-de-cinco-enunciados-e-uma-proposta-de-mocao/. Acesso em: 20 ago. 2025.

2 TJ/BA recomenda que decisões monocráticas das Turmas Recursais sejam embasadas em jurisprudência. Disponível em: https://oab-ba.org/noticia/tj-ba-recomenda-que-decisoes-monocraticas-das-turmas-recursais-sejam-embasadas-em-jurisprudencia. Acesso em: 20 ago. 2025.

3 OAB da Bahia realizou workshop “Decisões Monocráticas: como enfrentá-las à luz do CPC”. Disponível em: https://www.oab-ba.org.br/noticia/oab-da-bahia-realizou-workshop-decisoes-monocraticas-como-enfrenta-las-a-luz-do-cpc. Acesso em: 20 ago. 2025

Laura Vogado
Advogada das áreas de Direito Civil e Direito do Consumidor do Silveiro Advogados, é graduada em Direito e pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público.

Gabriel Schuster
Advogados nas áreas de Direito Civil e Direito do Consumidor do Silveiro Advogados, é graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pós-graduado em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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