Sem prejuízo da incidência do CDC, o contrato de seguro é legislado, desde 2002, através dos arts. 757 a 802 do CC. No entanto, após duas décadas de debates e discussão, a lei 14.050/24 vem revogar referidos dispositivos legais (art. 133).
Com vigência a se iniciar em 11/12/25, ela será aplicada de forma imediata nos contratos de seguro que forem constituídos a partir de então, de modo que os contratos anteriores seguirão sendo regidos pelo CC/02, respeitando-se não somente o art. 5º, inciso XXXVI da CF/88, mas também o art. 6º da LINDB.
Vale dizer que todos os contratos de seguro firmados de 10/12/25 em diante estarão subordinados à nova lei referenciada e, naquilo que couber, ao decreto-lei 73/96.
Dito isso, válido chamar a atenção para a figura do estipulante nos contratos de seguro em favor de terceiro, que vem com dispositivos ampliados e, como se verá a seguir, alinhado com o entendimento do Tema 1.112 do STJ, que se pode considerar relativamente recente.
De sabença que o CC/02 se limitou a positivar sobre a figura do estipulante no art. 801 com a seguinte redação no caput “o seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule”, seguindo no § 1º “o estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais” e § 2º rezando que “a modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo”.
A nova lei, por sua vez, dedica-se a esta importante figura nos seus arts. 24 a 32, trazendo a clareza e a positivação necessária, sobretudo porque deveras alinhada com a jurisprudência, finalmente, consolidada pelo STJ.
Mister trazer à tona o conceito do estipulante quando o assunto é seguro, a saber:
O estipulante é pessoa natural ou jurídica que contrata apólice coletiva de seguros, e está investido de poderes de representação dos segurados perante as sociedades seguradoras. O estipulante representa efetivamente os segurados, como figura central dessa forma de contratação. A ausência do estipulante torna inviável a contratação do seguro coletivo. Para que o estipulante realize suas funções, é necessário que ele seja representante dos segurados e que tenha com eles um vínculo diferente do meramente securitário1 .
Ou seja, tão logo seja realizada a contratação de um seguro, entre seguradora e o estipulante, este fica com a incumbência legal de comunicar aos segurados, ao grupo segurado - ou aos beneficiários, quando for o caso - do regulado no seguro. Não há relação direta entre segurador e segurado, pois tudo é intermediado pelo estipulante, da adesão ao pagamento de prêmio, da informação acerca do clausulado e suas limitações e especificidades, do aviso de sinistro ao acompanhamento da regulação. Bem da verdade, nada disso é novidade, já acontece na prática e com o amparo da regulamentação atual.
Nessa esteira, o Tema repetitivo 1.112 do STJ, a 2ª seção do STJ firmara a seguinte tese, em março de 2023:
Na modalidade de contrato de seguro de vida coletivo, cabe exclusivamente ao estipulante, mandatário legal e único sujeito que tem vínculo anterior com os membros do grupo segurável (estipulação própria), a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados acerca das condições contratuais quando da formalização da adesão, incluídas as cláusulas limitativas e restritivas de direito previstas na apólice mestre, e
Não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de estipulação imprópria e de falsos estipulantes, visto que as apólices coletivas nessas figuras devem ser consideradas apólices individuais, no que tange ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.
O que se verifica da denominada nova lei do seguro é que a figura do estipulante em nada destoa do entendimento firmado, o que traz tranquilidade.
Pois bem. Levando em conta o art. 24, que reza acerca do seguro em favor do terceiro, o estipulante necessita indicar os dados do segurado e o respectivo interesse legítimo pela preservação da vida dele. Além disso, consoante § 2º, impõe-se a ele, ladeado pela seguradora, o dever da entrega de cópia dos instrumentos probatórios do contrato, tão logo isso seja possível, subentendendo-se daí o prazo razoável de 30 dias, nos termos do caput do art. 55 da mesma lei.
Sequencialmente, o § 2º do art. 25, determina que “na contratação do seguro em favor de terceiro, ainda que decorrente de cumprimento de dever, não poderá ser suprimida a escolha da seguradora e do corretor de seguro por parte do estipulante”, que nada mais é um mecanismo de proteção aos seguros coletivos, na medida em que busca maior segurança e melhor preço.
O disposto no art. 27 vem positivar o que parece deveras óbvio, a saber que “o estipulante deverá cumprir as obrigações e os deveres do contrato, salvo os que por sua natureza devam ser cumpridos pelo segurado ou pelo beneficiário”.
Por mais uma vez, a legislação segue alinhada como o já citado Tema 1.112 do STJ, o qual firmou entendimento de que “a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados acerca das condições contratuais quando da formalização da adesão, incluídas as cláusulas limitativas e restritivas de direito previstas na apólice mestre”. Desta forma, resta sacramentado pela lei, aquilo que a jurisprudência havia posto uma pá de cal.
No entanto, o art. 28 da norma em questão inova ao determinar que “o estipulante poderá substituir processualmente o segurado ou o beneficiário para exigir, em favor exclusivo destes, o cumprimento das obrigações derivadas do contrato”. Isso não era possível até então, pois cabia precipuamente ao estipulante, além da contratação, o dever de informação. Mas a partir da vigência do novo estatuto, ele também terá a possibilidade de substituição, com o fito de exigir as obrigações contratuais perante as seguradoras.
Vale dizer que referido preceito se amolda ao art. 18 do CPC, pois este permite a substituição processual quando autorizado por lei, sendo justamente o dispositivo em destaque o aval legal necessário.
Aqui válida a observação de que o estipulante, na qualidade de substituto e, sobretudo, quando for pessoa jurídica e empregadora, deve perder a qualidade de hipossuficiente - comumente atribuída aos segurados na relação contratual - justamente porque não o é.
Inclusive, o art. 29 da lei em voga, ao ordenar que o estipulante assista o segurado ou o beneficiário durante a execução do contrato, de per si já demonstra a paridade de conhecimento do contrato, de modo a sedimentar o entendimento aqui defendido, de que a hipossuficiência em face da seguradora deve cair por terra.
Não se pode olvidar que as informações acerca do contrato devem ser repassadas pelas companhias seguradoras aos estipulantes, mas caberá a este último o repasse aos segurados. O, que mais uma vez, repita-se, alinha com o entendimento jurisprudencial já sedimentado, nem destoa da lei atual (CC/02).
“Considera-se estipulante de seguro coletivo aquele que contrata em proveito de um grupo de pessoas, pactuando com a seguradora os termos do contrato para a adesão de eventuais interessados”, reza o art. 30 da lei 15.040/24. Notoriamente, não se trata de nova modalidade de seguro, nem mesmo de nova atribuição ao estipulante. Ora, apenas se positiva a realidade, condizente com pacificado pelos tribunais, mas colocando de forma ampla e clara que cabe ao estipulante - e não à seguradora - o dever de informar sobre o clausulado, inclusive limitações e exclusões, valores, coberturas, orientar sobre a indicação de beneficiários, entregar contrato, coletar os prêmios e repassá-los à seguradora, agir com boa-fé e em estrita consonância com a legislação.
Ademais, para além do dever de informação, vem assinalado no preceito alhures citado a figura fundamental do estipulante na negociação das condições contratadas, analisando a relação de custo-benefício para o coletivo segurado. Ou seja, ele contrata, atento aos interesses do grupo segurado, ele coleta e repassa prêmios, ele recebe e repassa o clausulado, ele representa o grupo, o coletivo.
Reitere-se que o intuito da nova lei de seguros visivelmente foi o de esmiuçar os deveres e obrigações do estipulante, dando mais segurança nessa relação. Engana-se o desavisado que apenas percebe os benefícios em prol da seguradora, pois a transparência e clareza nas atribuições encerram discussões e dúvidas sobre a figura de cada qual nesta relação triangular entre segurado, estipulante e seguradora.
Seguindo, o art. 31 é mais um exemplo disso ao assinalar, em seu caput, que “admite-se como estipulante de seguro coletivo apenas aquele que tiver vínculo anterior e não securitário com o grupo de pessoas em proveito do qual contratar o seguro, sem o que o seguro será considerado individual”.
Por sua vez, o § 1º aumenta a transparência nesta relação, quando determina que “as quantias eventualmente pagas ao estipulante de seguro coletivo pelos serviços prestados deverão ser informadas com destaque aos segurados ou aos beneficiários nas propostas de adesão, nos questionários e nos demais documentos do contrato”. Aqui, mister se ressaltar que não há relação de consumo entre estipulante e grupo segurado, mas a proposta da lei, tal qual o CDC impõe, o destaque.
Para melhor elucidar este ponto, interessante debruçar sobre comentários trazidos por Angelica Carlini e Glauce Carvalhal2, in verbis:
O parágrafo 1º contém dispositivo que amplia a transparência das relações contratuais com direito do segurado a conhecer dos valores eventualmente recebidos pelo estipulante a título de serviços prestados, por tais serviços serem prestados ao grupo segurado e não ao segurador.
A informação sobre a remuneração do estipulante poderá estar presente em todo e qualquer documento, físico ou digital, ao qual o grupo segurado tenha acesso, como na proposta de adesão, no questionário de riscos ou na declaração pessoal de saúde, na jornada da contratação ou, ainda, em quaisquer documentos pós contratação que sejam emitidos para o segurado.
O § 2º do mesmo dispositivo citado apenas ratifica que é dever do estipulante a representação do grupo segurado no tocante ao cumprimento das obrigações contratuais, incluindo a de pagar prêmios. Ou seja, não há novidade, mas formalização dos deveres e obrigações já conhecidos, situação que se repete no caput do art. 32, quando enfatiza o poder de representação do estipulante.
No mais, na esteira da transparência e da segurança, e em que pese a figura do estipulante nos seguros coletivos, o parágrafo único busca preservar o exercício da estrita boa-fé, quando impõe que “para que possam valer as exceções e as defesas da seguradora em razão das declarações prestadas para a formação do contrato, o documento de adesão ao seguro deverá ter seu conteúdo preenchido pessoalmente pelos segurados ou pelos beneficiários”.
Contudo, não se pode olvidar para a importante exceção daqueles contratos de seguros coletivos não contributários, isto é, naqueles que o adimplemento do prêmio é realizado de forma exclusiva e às expensas do estipulante, pois nestes, como já ocorre desde a legislação em vigor (CC/02), não há necessidade de contrato de adesão. Todavia, nesta modalidade, ressalvada a questão suscitada no parágrafo único do artigo em estudo, os deveres e obrigações do estipulante permanecem os mesmos já esposados nas linhas anteriores.
É bem verdade que a lei 15.040/24, ao longo dos seus 134 artigos, destaca em outros tantos comandos a importância e a função do estipulante. Porém, aqui se focam apenas os arts. 24 a 32, enfatizando aquilo que não só permaneceu, mas aclarou, bem como o que mudou/inovou.
Com a entrada em vigor da nova legislação, o que se pode assegurar é a transparência obtida sobre esta importante figura no mundo dos contratos coletivos, o estipulante. Sem desabono da legislação em vigor de 2002 a 2025 e com as benesses trazidas desde a fixação do Tema repetitivo 1.112 do STJ, a nova legislação trará a segurança jurídica ao direito positivado.
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1 CARLINI, Angélica. CARVALHAL, Glauce. Lei de Seguros Interpretada: Lei 15.040/2024 Artigo por Artigo.1.ed. Indaiatuba/SP: Editora Foco, 2025, p. 42.
2 CARLINI, Angélica. CARVALHAL, Glauce. Lei de Seguros Interpretada: Lei 15.040/2024 Artigo por Artigo.1.ed. Indaiatuba/SP: Editora Foco, 2025, p. 51