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A insubordinação do Comite Gestor da CBS e IBS

O presente artigo analisa criticamente a constitucionalidade do §1º do art. 480 da LC 214/25.

4/9/2025

O presente artigo analisa criticamente a constitucionalidade do §1º do art. 480 da LC 214/25, que dispõe que o Comitê Gestor do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços não se subordina a qualquer órgão da Administração Pública.

Defende-se que essa previsão normativa cria um espaço de insubordinação institucional incompatível com os princípios constitucionais da legalidade, da supremacia da CF e da unidade da jurisdição, além de potencializar a litigiosidade tributária.

Argumenta-se, sobretudo, que a disposição esvazia os objetivos da reforma tributária ao ignorar a força obrigatória dos precedentes vinculantes do STF.

A LC 214/25 regulamenta a reforma tributária instituída pela EC 132/23, introduzindo o IBS e a CBS no ordenamento jurídico brasileiro. Entre suas inovações, destaca-se a criação do Comitê Gestor, órgão responsável pela administração, arrecadação, fiscalização e distribuição das receitas desses tributos.

O art. 480, §1º, estabelece que o Comitê Gestor “não se subordina a qualquer órgão da administração pública”. À primeira vista, a previsão buscaria assegurar autonomia técnico-institucional. Contudo, ao excluir de modo absoluto qualquer subordinação, inclusive de natureza jurídica e constitucional, a norma afronta pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito e compromete a própria eficácia da reforma tributária.

A autonomia administrativa de órgãos públicos é admitida pela Constituição em casos específicos (como agências reguladoras e o Banco Central). Entretanto, tal autonomia nunca significa ausência de controle, mas sim independência funcional relativa.

Ao afirmar que o Comitê Gestor não se subordina a qualquer órgão da Administração Pública, o legislador complementar cria uma zona de autossuficiência incompatível com a CF/88, que determina a supremacia da Constituição e a vinculação da Administração Pública, direta e indireta, aos princípios do art. 37, caput.

A ausência de subordinação implica risco direto de incremento da litigiosidade tributária. Se o Comitê Gestor não estiver vinculado às decisões do Poder Judiciário ou orientações normativas da própria Receita Federal, dos Tribunais de Contas ou mesmo ao Ministério da Fazenda, abre-se um espaço para decisões administrativas divergentes, instáveis e contraditórias.

Esse quadro se agrava porque a reforma tributária foi idealizada justamente para reduzir a litigiosidade e aumentar a segurança jurídica. O dispositivo em análise, ao contrário, multiplica potenciais conflitos.

A CF/88, especialmente após a EC 45/04, fortaleceu o sistema de precedentes vinculantes no Brasil. O art. 102, §2º, dispõe que as decisões definitivas de mérito proferidas em controle concentrado de constitucionalidade vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta.

Da mesma forma, o art. 927 do CPC impõe a observância de súmulas vinculantes e de precedentes do STF.

Assim, qualquer previsão normativa que pretenda autorizar um órgão administrativo a não observar tais precedentes viola frontalmente a Constituição, esvaziando a autoridade da Suprema Corte.

O dispositivo questionado apresenta os seguintes vícios:

  1. Violação ao princípio da legalidade (art. 5º, II, e art. 37, caput, CF/88) - nenhum órgão administrativo pode se colocar acima do ordenamento jurídico.
  2. Violação à supremacia da CF/88 (art. 60, §4º, CF/88) - a norma cria uma entidade imune à força normativa da Constituição.
  3. Violação à autoridade do STF (art. 102, CF/88) - impede que os precedentes vinculantes sejam observados pelo Comitê Gestor.
  4. Contrariedade aos objetivos da reforma tributária (EC 132/23) - em vez de reduzir conflitos, potencializa litígios tributários.

O §1º do art. 480 da LC 214/25 incorre em inconstitucionalidade ao estabelecer que o Comitê Gestor não se subordina a qualquer órgão da Administração Pública. Embora a intenção legislativa tenha sido garantir autonomia administrativa, a redação adotada cria um espaço de insubordinação institucional incompatível com os princípios constitucionais e com a própria lógica da reforma tributária.

Defende-se, portanto, a revisão judicial do dispositivo, com reconhecimento de sua inconstitucionalidade, de modo a assegurar a vinculação do Comitê Gestor não apenas à CF e às leis, mas também aos precedentes vinculantes do STF, garantindo-se a unidade do sistema jurídico e a efetividade da reforma tributária.

Breno Dias de Paula
Advogado Tributarista. Doutor e Mestre em Direito (UERJ). Especialista em Política e Direito Tributário pela FGV - DF. Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia

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