A questão da prescrição intercorrente em ações de improbidade administrativa, sobretudo aquelas que se arrastam há décadas sem sentença de primeiro grau, encontra hoje resposta clara e objetiva no novo regime jurídico e na interpretação conferida pelo STF sobre o tema.
A Corte, ao julgar o ARE 843.989, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.199), fixou entendimento no sentido de que os prazos prescricionais previstos na lei 14.230/21 têm aplicação imediata aos processos em curso, porém de forma irretroativa.
Nesse sentido, de acordo com o entendimento da Corte, a contagem do prazo de 4 anos para a prescrição da pretensão sancionadora em ações de improbidade administrativa propostas antes da lei, inicia-se na data da sua entrada em vigor, 25/10/21.
Em termos mais práticos, a prescrição dessas ações se dará no próximo dia 25/10 caso elas não sejam julgadas até lá.
Nesse contexto, o CNJ estabeleceu, no fim do ano passado, a Meta Nacional 4 para que os juízes e tribunais julguem, até a referida data, os processos de improbidade administrativa distribuídos até 26/10/21.
Quanto às regras específicas para o cômputo da prescrição intercorrente:
Nos termos do art. 23 da lei 8.429/1992, com redação dada pela lei 14.230/21, o regime prescricional é estruturado da seguinte forma:
- Prescrição geral: O prazo é de 8 anos, contados da data do fato ou, no caso de infrações permanentes, da cessação da permanência (art. 23, caput).
- Prescrição intercorrente: Se entre os marcos interruptivos da prescrição previstos na lei transcorrer o prazo de 4 anos (art. 23, §5º), o juiz ou tribunal deverá reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
Isso significa que, após o ajuizamento de eventual ação de improbidade administrativa, inicia-se um novo prazo de 4 anos da denominada prescrição intercorrente, que devem ser contados a partir (i) do ajuizamento de ação de improbidade administrativa; (ii) da publicação de sentença condenatória; (iii) da publicação de decisão ou acórdão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal confirmando sentença condenatória ou reformando sentença de improcedência e (iv) da publicação de decisão ou acórdão do STJ ou do STF que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência (incisos do §4º, do art. 23).
Ou seja, a cada fase de tramitação (primeira instância ou respectivos tribunais) o processo deve ser apreciado em 4 anos, sob pena de configurar a prescrição.
Os desafios do marco iminente:
A aproximação do dia 25/10/25 marca um divisor de águas nas ações de improbidade administrativa.
Isso porque, com a entrada em vigor da lei 14.230/21 estabelecendo o regime da prescrição intercorrente de 4 anos e a sua aplicação aos casos em curso, segundo o entendimento do STF, inúmeros processos de improbidade administrativa que ainda aguardam julgamento muito provavelmente serão alcançados pela prescrição.
Essa circunstância projeta uma série de reflexões relevantes.
A esse respeito, tem se falado na possibilidade de que os tribunais tratem os processos iniciais como uma espécie de precedentes-piloto, que serão minuciosamente examinados acerca dos marcos interruptivos previstos na lei e a regularidade da tramitação.
Nesse contexto, a depender da postura adotada pelos tribunais, abre-se um duplo caminho: ou veremos julgamentos conjuntos, concentrados, destinados a dar vazão ao estoque de ações pendentes, ou presenciaremos um movimento de extinção em massa de processos, diante da impossibilidade de afastar a incidência do prazo prescricional.
Não se pode ignorar, ainda, que há um esforço institucional em curso, concretizado, especialmente por meio da mencionada Meta Nacional 4 do CNJ, justamente para evitar os impactos negativos da prescrição, como a impunidade.
Diante desse cenário, é inevitável a preocupante indagação: é possível atingir os objetivos de julgamento fixados pelo CNJ sem comprometer a qualidade das decisões?
O ponto central da reflexão está em saber se prevalecerá a busca pela efetividade punitiva ou o respeito à segurança jurídica consagrada pela lei e reforçada pelo entendimento do STF no Tema 1.199.
Inobstante isto, fato é que a legislação dá solução à problemática que havia se consolidado antes de sua vigência, quanto à injusta eternização de ações que se arrastavam por longos anos.
Neste contexto, a atuação jurídica deve estar atenta a garantir: a) o devido processo legal, combatendo a tramitação e julgamento açodados; e b) a correta aplicação da lei em vigor, mediante a comprovação de atingimento dos prazos e marcos previstos.
Sob a ótica dos princípios constitucionais da razoável duração do processo e da eficiência, o prazo de 4 anos estabelecido pela lei 14.230/21 para a ocorrência da prescrição intercorrente nas ações de improbidade administrativa revela-se, em tese, adequado para a conclusão do julgamento em primeira instância.
Assim, mais do que uma limitação temporal, esse marco representa a concretização do equilíbrio entre a necessidade de repressão a ilícitos e a garantia de que o processo se desenvolva em tempo compatível com a efetividade da tutela jurisdicional e com a preservação da segurança jurídica.
Certo é que a chegada de outubro de 2025 exigirá respostas claras e firmes da jurisprudência.
Estaremos diante de um marco que, inevitavelmente, definirá os rumos da aplicação prática da prescrição intercorrente nas ações de improbidade, com impactos diretos, tanto para a gestão pública quanto para a própria credibilidade do sistema judicial.
O tema da prescrição intercorrente em ações de improbidade segue em evolução, com importantes reflexos para processos em andamento.