Nos últimos anos, a crise enfrentada pelo setor agropecuário, somada a fatores climáticos externos (estiagens prolongadas, incêndios e enchentes) e oscilações de mercado, tem levado inúmeros produtores rurais a enfrentar dificuldades financeiras severas.
Em razão disso, a inadimplência das cédulas de crédito rural se tornou uma realidade crescente, trazendo à tona uma importante discussão sobre a possibilidade da adoção de medidas constritivas em relação aos imóveis dados em garantia em contratos dessa natureza.
É nesse contexto que surge o seguinte questionamento: é possível que a pequena propriedade rural, destinada diretamente à produção e subsistência familiar, seja objeto de penhora mediante hipoteca ou alienação fiduciária pela Instituição Financeira Credora?
Quanto ao tema, a CF brasileira, em seu art. 5º, inciso XXVI, estabelece que a pequena propriedade rural, trabalhada pela família, é considerada impenhorável. Trata-se de uma proteção de ordem pública, inafastável pela vontade das partes, ainda que o imóvel venha a ser ofertado como garantia hipotecária ou fiduciária.
Entretanto, para se enquadrar nos critérios que autorizam o reconhecimento da proteção constitucional da impenhorabilidade, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) a terra deve ter até 4 módulos fiscais, o que varia de acordo com a região, Estado e município e pode ser facilmente consultado no site da Embrapa; (ii) deve a propriedade ser produtiva, seja mediante o plantio de soja, milho, cacau, criação de bovinos, entre outros; e, também, (iii) essencial para renda do produtor e seus familiares.
Em uma eventual ação judicial movida pelo banco credor, é plenamente possível, portanto, o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural e o imediato afastamento de medidas constritivas visando sua consolidação, desde que comprovado o preenchimento dos requisitos acima mencionados.
Para isto, é importante a apresentação de documentações específicas, aptas a comprovar a impenhorabilidade alegada, tais como o certificado de cadastro de imóvel rural - emitido pelo INCRA, a declaração do imposto sobre a propriedade territorial rural, o cadastro ambiental rural, comprovantes de inscrição em programas de fomento à agricultura familiar, dentre outras.
Reforça-se que a proteção constitucional aqui tratada é inafastável. Logo, a cláusula bancária que submete a pequena propriedade rural à penhora, hipoteca ou alienação fiduciária deve ser considerada nula de pleno direito, por afrontar norma de ordem pública e fundamental da preservação da dignidade humana.
Assim, o oferecimento da pequena propriedade rural em garantia não tem o condão de afastar sua proteção legal e constitucional, razão pela qual eventual execução promovida pela Instituição Financeira, visando à consolidação da propriedade, deve ser repelida pelo Poder Judiciário, em consonância com o entendimento já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça.1
Dessa forma, é plenamente possível a proteção e preservação da pequena propriedade rural, garantindo ao produtor a continuidade da sua atividade produtiva e a justiça no campo.
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1 REsp n. 1.408.152/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 1º/12/2016, DJe 2/2/2017; AgInt no AREsp: 1677976 SP 2020/0058635-9, Data de Julgamento: 26/10/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/11/2022; AgInt no AREsp: 2182241 RS 2022/0239882-7, Data de Julgamento: 12/12/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/12/2022; AgInt no REsp: 1177643 PR 2010/0017339-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 21/11/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2019.