A Constituição da República de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana e a efetividade dos direitos fundamentais ao centro do ordenamento jurídico, impondo ao Estado o dever de organizar-se de modo a assegurar o pleno exercício desses direitos. Entre as garantias conferidas ao cidadão, destacam-se o direito de petição aos poderes públicos, o direito à razoável duração do processo administrativo e judicial, e o princípio da eficiência que vincula toda a atuação da Administração Pública.
Contudo, a realidade mostra que a omissão administrativa, a qual é materializada na demora excessiva na apreciação de processos administrativos, compromete seriamente a efetividade desses preceitos constitucionais. Longe de ser mero atraso burocrático, tal inércia estatal converte-se em violação a direitos fundamentais, impondo ao administrado ônus ilegítimos e perpetuando um estado de insegurança jurídica. Nesse contexto, o mandado de segurança assume papel de relevo como mecanismo constitucional de reação contra a inércia administrativa, garantindo a concretização dos direitos e a supremacia da CF.
O processo administrativo, regido pelos princípios da legalidade, impessoalidade, eficiência, publicidade e moralidade, deve ser meio de concretização de direitos e não fator de frustração de expectativas legítimas. A CF/88, em seu art. 5º, LXXVIII, assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. De igual modo, o art. 37, caput, introduz o princípio da eficiência como vetor da atuação administrativa.
A demora excessiva na apreciação de processos administrativos, portanto, viola frontalmente o texto constitucional. Em primeiro lugar, porque esvazia o direito de petição, elencado no art. 5º, XXXIV, transformando-o em simples formalidade sem resposta efetiva. Em segundo lugar, porque frustra a confiança legítima dos administrados, que têm o direito de ver seus pleitos analisados em tempo hábil. Por fim, porque impede a fruição concreta de direitos materiais, seja no campo da saúde, da previdência, da educação ou de políticas públicas específicas, gerando prejuízos irreversíveis.
A omissão administrativa, nesses termos, não pode ser relativizada sob o argumento de carência de recursos ou excesso de demanda. A inércia do Estado não é juridicamente neutra: ela produz efeitos concretos, restringe direitos e gera desigualdade no acesso às políticas públicas.
Ainda, se a negativa expressa pode ser objeto de impugnação, a ausência de decisão representa forma ainda mais grave de lesão, pois impede o administrado de conhecer os fundamentos da autoridade, de exercer contraditório e de recorrer pelas vias adequadas. A demora, quando ultrapassa os limites da razoabilidade, converte-se em uma denegação velada de justiça administrativa, privando o cidadão do direito a um processo justo, célere e eficiente.
Trata-se, portanto, de uma violação difusa de direitos fundamentais: compromete a dignidade da pessoa humana, fere a segurança jurídica, afeta a confiança legítima, rompe o equilíbrio entre deveres do Estado e direitos individuais, além de enfraquecer o próprio pacto democrático. A Administração Pública, ao não decidir, nega o acesso a bens da vida, frustrando o papel das políticas públicas previstas na legislação infraconstitucional.
Nesse cenário, o mandado de segurança assume papel de destaque como remédio constitucional. Previsto no art. 5º, LXIX, da CF, o writ destina-se à proteção de direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de autoridade, abrangendo tanto condutas comissivas quanto omissivas.
A função do respectivo remédio constitucional, nos casos de demora excessiva, não é determinar o conteúdo da decisão administrativa, mas assegurar que ela seja proferida em prazo razoável, restaurando a legalidade e resguardando os direitos fundamentais envolvidos. Ao compelir a Administração a decidir, o Judiciário não invade a esfera discricionária, mas apenas garante que a competência seja exercida, afastando a perpetuação da inércia.
O uso do mandado de segurança nesses casos demonstra sua relevância como mecanismo de freios e contrapesos: ao mesmo tempo em que preserva a autonomia da Administração para decidir, assegura ao cidadão que tal decisão não será indefinidamente protelada. É, assim, uma expressão da força normativa da Constituição e da centralidade do indivíduo no Estado Democrático de Direito.
Portanto, evidencia-se que o enfrentamento da demora administrativa transcende a mera dimensão da eficiência burocrática, constituindo verdadeira garantia de tutela dos direitos fundamentais e de afirmação da força normativa da Constituição.