Migalhas de Peso

Holding Familiar: Economia real ou uma fábrica de brigas?

A holding promete ser salvação, mas pode virar uma armadilha de custos, brigas e novos problemas fiscais. Saiba quando ela é a solução e quando se torna o verdadeiro problema.

14/9/2025

No universo do planejamento patrimonial, "Holding Familiar" é a palavra mágica. É o "abracadabra" sussurrado por gerentes de banco, advogados apressados e "gurus" de Instagram. A promessa é digna de um conto de fadas: crie uma empresa, coloque todo o seu patrimônio dentro dela e, como num passe de mágica, o inventário desaparece, os impostos diminuem e sua família viverá em harmonia eterna, cantando ao redor da fogueira do balanço anual.

É uma imagem linda. E, na maioria das vezes, completamente falsa.

Uma Holding Familiar, quando bem-estruturada, é uma ferramenta jurídica de imenso poder, como uma Ferrari na pista de Mônaco. O problema é que a maioria das holdings que vejo por aí são Ferraris sendo usadas para ir à padaria, presas no trânsito, gastando uma fortuna de combustível e com um custo de manutenção que não faz o menor sentido para a tarefa.

Pior: muitas vezes, o motorista não tem carteira e os passageiros estão brigando sobre qual rádio ouvir.

O canto da sereia.

Antes de jogar pedras, vamos entender a isca. A atração é baseada em três pilares que tocam diretamente nas maiores dores de quem construiu patrimônio:

  1. A fuga do inventário: Ah, o inventário. Aquele maravilhoso evento familiar pós-morte onde seus herdeiros descobrem que o Estado é um sócio majoritário e o advogado, um herdeiro honorário. A holding promete evitar esse processo caro, lento e dolorosamente público. Ao falecer o “patriarca” (essa palavra já tem gatilho, não tem?), o que se transmite não são os imóveis, mas as quotas da empresa, num processo muito mais simples. Em tese.
  2. A "economia" de impostos: A promessa é de pagar menos ITCMD (o "pedágio da morte") ao doar as quotas aos herdeiros em vida. Além disso, há supostas vantagens no imposto de renda sobre aluguéis e na venda de imóveis.
  3. A blindagem patrimonial: A ideia de que, ao colocar seus bens numa pessoa jurídica, você os protege de credores e reveses do negócio pessoal.

Esses benefícios são reais? Sim, podem ser. Mas eles vêm com um manual de instruções do tamanho da Bíblia e com letras miúdas escritas em aramaico. E é aí que a utopia começa a virar um pesadelo.

Onde o sonho vira um pesadelo?

O maior erro ao se criar uma holding é acreditar que ela é uma solução puramente matemática e jurídica. Ela não é. É uma intervenção na dinâmica familiar, e se a família já é disfuncional, a holding servirá como um amplificador de conflitos.

Os novos fantasmas...

Se a parte familiar não fosse complexa o suficiente, o cenário fiscal, que já foi o grande atrativo da holding, está se tornando um campo minado.

Se não é Holding, o que é?

Criticar é fácil. Um verdadeiro estrategista apresenta alternativas. A holding não é a única ferramenta na caixa. Muitas vezes, nem é a melhor.

  1. Doações em vida com usufruto: Para patrimônios mais simples, pode funcionar. Você doa o imóvel, paga o ITCMD (aproveitando as regras atuais, antes que piorem) e mantém o direito de usar e alugar (usufruto). É mais simples e mais barato de manter que uma holding, mas igualmente inflexível.
  2. Testamento: O bom e velho testamento. Ele não evita o inventário, mas o organiza. Você define quem fica com o quê, evitando as brigas. Para um empresário, é vital para definir quem herdará as quotas da empresa operacional, evitando que um herdeiro sem aptidão assuma a gestão.
  3. Seguro de vida resgatável (Universal Life): Esta é a arma secreta que poucos conhecem. O capital do seguro não entra em inventário e não paga ITCMD. Ele cria liquidez imediata para os herdeiros pagarem os custos do inventário e os impostos, sem precisarem vender os imóveis da família a preço de banana. Em vez de evitar o inventário, você o financia de forma inteligente.
  4. Fundos de investimento (FII / FIP / Exclusivos/ Trusts/ Estruturas internacionais): Para patrimônios mais líquidos e sofisticados, criar um fundo pode ser mais eficiente que uma holding, separando completamente a gestão dos ativos da governança familiar e com vantagens tributárias específicas. Além das ótimas opções de planejamentos internacionais com a utilização de Trusts e outras estruturas.

Conclusão: Holding é remédio, não vitamina

Uma Holding Familiar é um remédio de uso controlado, que só deve ser prescrito por um especialista após um diagnóstico profundo. Usá-la como vitamina, acreditando que serve para tudo e para todos, é o caminho mais curto para a intoxicação financeira e familiar.

Ela pode proteger seu patrimônio do Fisco, mas quem vai proteger seu patrimônio (e sua paz de espírito) da sua própria família? Antes de assinar o contrato social, responda a essa pergunta. A resposta pode te economizar muito mais dinheiro e cabelo do que qualquer planejamento tributário.

Lucas Pereira Santos Parreira
Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ADPF do aborto - O poder de legislar é exclusivamente do Congresso Nacional

2/12/2025

Falecimento e conta conjunta: O banco pode reter todo o saldo?

2/12/2025

Concurso público e convocação tardia: STF mantém decisão que garantiu direito de candidato da Paraíba

2/12/2025

Não há incidência do IPI na transferência de salvados à seguradora

2/12/2025

Entre capital e compliance: Por que a regulação acelera o M&A no ecossistema fintech?

2/12/2025