Migalhas de Peso

A nova arquitetura migratória portuguesa

Nova estrutura institucional intensifica a fiscalização policial e perpetua a omissão administrativa, violando compromissos constitucionais e europeus.

16/9/2025

Introdução: O Estado migratório em transição

A extinção do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, formalizada em outubro de 2023, inaugurou uma nova fase na política migratória portuguesa. A criação da AIMA - Agência para a Integração, Migrações e Asilo e da Unef - Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras redesenhou o modelo institucional, separando funções administrativas e policiais. Essa reorganização, longe de resolver os entraves históricos, trouxe à tona novas tensões constitucionais. Imigrantes passaram a enfrentar abordagens intensificadas nas ruas e longos períodos de espera por decisões administrativas. O Estado, que deveria garantir previsibilidade e proteção, passou a operar entre a vigilância ostensiva e a omissão institucional. É nesse intervalo que se instalam os riscos mais profundos à legalidade democrática.

A Unef, com competências de fiscalização, detenção e expulsão, tem adotado práticas que desafiam os limites do princípio da proporcionalidade. A intensificação das intervenções em espaços públicos, sem critérios transparentes, levanta preocupações sobre o respeito à liberdade individual e à privacidade. A jurisprudência do TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem reiterado que o controlo migratório não pode justificar medidas que comprometam a dignidade ou criem ambientes de perseguição institucionalizada. Em Portugal, o Tribunal Constitucional tem reafirmado que a atuação policial deve observar os limites materiais da legalidade, da necessidade e da adequação. A Unef, ao operar com margem ampla e fiscalização difusa, corre o risco de consolidar um modelo de exceção migratória, incompatível com os compromissos constitucionais e europeus.

Enquanto isso, a AIMA enfrenta uma crise de eficiência que se traduz em silêncio administrativo. Milhares de processos acumulam-se sem resposta, afetando diretamente o acesso à regularização documental, ao trabalho e à vida familiar. A ausência de decisão, quando prolongada, compromete a segurança jurídica e mina a confiança dos cidadãos no sistema.

O art. 266.º da Constituição da República Portuguesa consagra o dever de atuação diligente e transparente da Administração Pública. A omissão decisória, sobretudo em matéria migratória, representa uma violação ao direito à boa administração e à tutela efetiva. A jurisprudência do TJUE - Tribunal de Justiça da União Europeia tem reforçado que o silêncio institucional pode configurar infração aos princípios da legalidade e da proteção dos direitos fundamentais. A AIMA, ao herdar os passivos do SEF sem estrutura adequada, tornou-se um vetor de insegurança normativa. E essa insegurança não é neutra: ela afeta diretamente os mais vulneráveis, os que dependem da regularização para exercer direitos básicos.

A tensão entre o controlo policial e a omissão administrativa revela uma contradição estrutural na política migratória portuguesa contemporânea. De um lado, o Estado vigia, fiscaliza e expulsa com celeridade. De outro, demora, silencia e desprotege quando chamado a garantir direitos. Essa dualidade não é apenas disfuncional - é constitucionalmente insustentável. O equilíbrio entre segurança pública e garantias fundamentais exige mais do que reformas pontuais: requer mecanismos de responsabilização institucional, reforço da tutela jurisdicional e alinhamento normativo com os padrões europeus. A ausência desses elementos compromete a legitimidade do sistema migratório e fragiliza o pacto democrático.

Este artigo propõe uma análise crítica da nova arquitetura migratória portuguesa sob o crivo constitucional, articulando os riscos da atuação da Unef com as omissões da AIMA. A partir da jurisprudência do TEDH, do TJUE e do Tribunal Constitucional português, busca-se compreender os limites normativos da atuação estatal e propor caminhos de reequilíbrio institucional. Em tempos de vigilância e silêncio, é urgente reconstruir garantias.

2. A Unef e o paradigma securitário: Entre fiscalização e vigilância

A criação da Unef, vinculada à Polícia de Segurança Pública, representa uma inflexão no modelo de gestão migratória portuguesa. Ao assumir competências de fiscalização, detenção e expulsão, essa unidade passou a operar com lógica policial em matéria que, até então, era predominantemente administrativa. A separação entre integração e controlo, proposta pela extinção do SEF, não resultou em maior proteção dos direitos dos imigrantes. Pelo contrário, a Unef tem protagonizado abordagens em espaços públicos, exigência de documentos em situações cotidianas e ações de controlo que, em muitos casos, carecem de fundamentação legal clara. O discurso oficial, centrado na segurança nacional, tem servido como escudo para práticas que desafiam os limites constitucionais da atuação estatal.

O princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18.º da Constituição da República Portuguesa, exige que qualquer restrição a direitos fundamentais seja adequada, necessária e equilibrada em relação ao fim público visado. A atuação da Unef, ao intensificar fiscalizações sem critérios objetivos, levanta dúvidas sobre a observância desses requisitos. A jurisprudência do TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem sido clara ao afirmar que o controlo migratório não pode justificar medidas que comprometam a dignidade ou criem ambientes de perseguição institucionalizada. Em Portugal, o Tribunal Constitucional tem reafirmado que o exercício de funções policiais deve respeitar os princípios da legalidade, da necessidade e da proteção da esfera privada dos cidadãos. A Unef, ao operar com margem ampla e fiscalização difusa, corre o risco de consolidar um modelo de exceção migratória.

A ausência de regulamentação específica sobre os limites da atuação da Unef contribui para a insegurança jurídica. Sem parâmetros normativos claros, a fiscalização migratória torna-se vulnerável à arbitrariedade e à seletividade.

Além disso, a centralização das competências de controlo na esfera policial reforça uma lógica de criminalização da imigração. A presença da Unef em estações de transporte, bairros periféricos e zonas comerciais tem gerado um ambiente de intimidação, sobretudo entre comunidades racializadas. A falta de transparência nos critérios de abordagem e a inexistência de mecanismos de prestação de contas agravam esse cenário. O Estado, ao privilegiar o controlo sobre a integração, compromete o pacto constitucional que exige respeito à dignidade humana e à igualdade de tratamento. A atuação da Unef, nesse contexto, não pode ser analisada isoladamente: ela é sintoma de uma política migratória que se afasta dos compromissos europeus e dos fundamentos democráticos.

A lógica securitária, quando aplicada sem freios constitucionais, tende a transformar o imigrante em suspeito por definição. Essa inversão do princípio da presunção de inocência, ainda que não formalizada, manifesta-se na prática cotidiana das abordagens policiais. O uso da força, a exigência de documentos fora de contexto e a ausência de fundamentação escrita para fiscalizações são elementos que fragilizam o Estado de Direito. A Unef, ao operar com base em critérios operacionais pouco escrutinados, contribui para a erosão da confiança institucional. A jurisprudência do TEDH tem alertado para os riscos da normalização da vigilância em sociedades democráticas, sobretudo quando dirigida a grupos vulneráveis. Portugal, ao adotar esse modelo, precisa enfrentar o desafio de compatibilizar segurança com garantias fundamentais.

A atuação da Unef, embora legitimada pelo discurso da ordem pública, exige controle normativo e jurisdicional rigoroso. A ausência de regulamentação específica, aliada à falta de mecanismos de accountability, compromete a legalidade da fiscalização migratória. É necessário estabelecer limites materiais e procedimentais claros, que assegurem transparência, proporcionalidade e proteção contra abusos. A criação de relatórios públicos, a obrigatoriedade de fundamentação escrita para abordagens e o reforço da atuação do Ministério Público são medidas que podem contribuir para esse reequilíbrio. O Estado não pode abdicar da segurança, mas tampouco pode sacrificar direitos em nome de uma lógica de controlo absoluto.

3. Silêncio administrativo e insegurança jurídica

A extinção do SEF e a criação da AIMA foram apresentadas como uma modernização da política migratória portuguesa. No entanto, a transição institucional revelou fragilidades operacionais profundas. A nova agência, encarregada de gerir os processos administrativos, herdou um passivo de centenas de milhares de pedidos pendentes, sem estrutura adequada para absorver a demanda. O que se esperava como avanço converteu-se num cenário de paralisia decisória, marcado por omissões sistemáticas e insegurança documental.

O princípio da boa administração, previsto no art. 266.º da Constituição da República Portuguesa e no art. 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, exige que os órgãos públicos atuem com diligência, transparência e respeito à legalidade. A ausência de decisão, quando prolongada e reiterada, configura violação direta a esse princípio. A jurisprudência do TJUE - Tribunal de Justiça da União Europeia tem reforçado que o silêncio administrativo, especialmente em matéria migratória, compromete o direito à decisão fundamentada e à tutela jurisdicional efetiva. Em Portugal, embora o Código do Procedimento Administrativo estabeleça prazos claros para a decisão administrativa, a AIMA tem reiteradamente descumprido essas obrigações sem sofrer qualquer consequência prática. A persistente omissão, somada à inércia do Poder Judiciário - que raramente impõe condenações nos processos judicializados - aprofunda a insegurança jurídica e corrói a confiança dos cidadãos no sistema migratório.

A morosidade administrativa não é uma falha técnica: ela afeta diretamente os mais vulneráveis. Sem resposta, o imigrante não pode trabalhar legalmente, matricular filhos em escolas ou aceder ao sistema de saúde com segurança.

Além disso, o silêncio institucional gera efeitos colaterais perversos. Muitos imigrantes, diante da ausência de resposta formal, recorrem a intermediários informais, expõem-se a fraudes documentais ou vivem em constante medo de fiscalização. A falta de previsibilidade compromete o planejamento familiar, a estabilidade profissional e a integração social. O Estado, ao não decidir, nega proteção e perpetua a precariedade. A AIMA, ao herdar os vícios do SEF sem mecanismos de correção, tornou-se um vetor de insegurança normativa. E essa insegurança não se limita ao plano individual: ela compromete a legitimidade da política migratória como um todo.

A ausência de decisão administrativa também dificulta o exercício da tutela jurisdicional. Sem um ato formal - seja deferimento ou indeferimento - o imigrante não pode recorrer ao tribunal, ficando preso num limbo jurídico. Essa situação fere o direito ao acesso à justiça, previsto no art. 20.º da CRP e reiterado pela jurisprudência constitucional portuguesa. A doutrina tem alertado para o risco de “administração por inércia”, em que o Estado se exime de decidir e transfere o ônus da legalidade para o cidadão. Em matéria migratória, essa prática é especialmente grave, pois afeta pessoas em situação de vulnerabilidade, muitas vezes sem recursos para litigar ou pressionar institucionalmente. A ausência de resposta não é omissão neutra: é forma de exclusão.

A precarização documental decorrente do silêncio administrativo tem efeitos transversais. Ela impacta o acesso ao crédito, à habitação formal, à mobilidade internacional e à proteção social. A vulnerabilidade jurídica converte-se em vulnerabilidade existencial. O imigrante, sem status definido, torna-se invisível para os direitos e hiperexposto à repressão. A política migratória, nesse modelo, deixa de ser instrumento de integração e passa a operar como mecanismo de contenção.

A inércia da AIMA também compromete a eficácia das políticas públicas. Sem dados atualizados, sem decisões formalizadas e sem transparência procedimental, o Estado perde capacidade de planeamento e de resposta. A ausência de decisão não afeta apenas o indivíduo - ela desorganiza o sistema. A gestão migratória exige previsibilidade, clareza normativa e compromisso com os princípios constitucionais. O silêncio, quando institucionalizado, transforma-se em sintoma de falência administrativa.

Superar esse quadro exige mais do que reforço de pessoal ou digitalização de processos. É necessário estabelecer prazos vinculativos, criar mecanismos de responsabilização e garantir canais efetivos de recurso. A reforma da AIMA deve ser normativa, estrutural e constitucional. Em tempos de vigilância intensificada, o silêncio da Administração é tão nocivo quanto o excesso de controlo. E é nesse paradoxo que se revela a urgência de reequilibrar a política migratória portuguesa.

4. Conflito Normativo e Propostas de Reequilíbrio Constitucional

A política migratória portuguesa, tal como redesenhada após a extinção do SEF, revela um conflito normativo estrutural entre o interesse público na segurança e os direitos fundamentais dos imigrantes. A atuação da Unef, com perfil policial, e a omissão decisória da AIMA, com impacto direto sobre a regularização documental, configuram uma tensão que desafia os limites constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da boa administração. O Estado, ao operar simultaneamente com excesso de controlo e ausência de decisão, compromete a coerência normativa do sistema migratório.

Essa tensão não é meramente conjuntural. Ela decorre de uma arquitetura institucional fragmentada, em que funções de integração, fiscalização e decisão administrativa estão distribuídas entre órgãos com lógicas operacionais distintas. A ausência de coordenação normativa entre AIMA e Unef gera zonas cinzentas de responsabilidade, dificultando o exercício da tutela jurisdicional e a responsabilização por abusos. O imigrante, nesse cenário, encontra-se entre dois polos: o da vigilância sem freios e o da espera sem resposta.

O princípio da proporcionalidade, previsto no art. 18.º da CRP, exige que qualquer restrição a direitos fundamentais seja adequada, necessária e equilibrada. A atuação da Unef, ao intensificar fiscalizações sem critérios objetivos, desafia esse princípio. A jurisprudência do TEDH tem reiterado que medidas de controlo migratório devem respeitar a dignidade e a privacidade dos indivíduos, mesmo em contextos de segurança reforçada.

Por outro lado, o silêncio administrativo da AIMA compromete o princípio da boa administração, previsto no art. 266.º da CRP e no art. 41.º da Carta da UE. A ausência de decisão, quando sistemática, configura violação ao direito à previsibilidade, à fundamentação e ao acesso à justiça. O TJUE tem afirmado que o Estado não pode se eximir de decidir em matérias que afetam diretamente o estatuto jurídico dos cidadãos estrangeiros.

A coexistência desses dois vetores - controlo excessivo e omissão institucional - revela uma contradição normativa que exige enfrentamento constitucional. O Estado não pode, ao mesmo tempo, intensificar a repressão e negligenciar a proteção. Essa dualidade compromete a legitimidade da política migratória e fragiliza o pacto democrático. A Constituição exige coerência entre os meios utilizados e os fins perseguidos.

Para reequilibrar esse cenário, é necessário criar mecanismos de responsabilização institucional. A atuação da Unef deve ser submetida a controle externo, com relatórios públicos, critérios normativos claros e possibilidade de revisão judicial. A fiscalização migratória não pode operar sem transparência nem prestação de contas. O Ministério Público deve assumir papel ativo na supervisão das práticas policiais em matéria migratória.

No plano administrativo, a AIMA precisa ser reformada com base em princípios constitucionais. É urgente estabelecer prazos vinculativos para decisão, garantir fundamentação escrita e criar canais efetivos de recurso. A digitalização dos processos, embora útil, não substitui o dever de decidir. A boa administração exige mais do que eficiência técnica: requer compromisso com os direitos dos administrados.

A harmonização normativa com os padrões europeus é outro eixo fundamental. Portugal, como Estado-membro da União Europeia, está vinculado aos princípios da Carta dos Direitos Fundamentais e à jurisprudência do TJUE. A política migratória deve refletir esse compromisso, evitando práticas que violem o direito à privacidade, à não discriminação e à proteção contra arbitrariedades.

Além disso, é necessário repensar o modelo institucional da gestão migratória. A separação entre integração e controlo, embora teoricamente defensável, mostrou-se disfuncional na prática. A criação de uma autoridade migratória independente, com competências integradas e supervisão constitucional, pode ser uma alternativa viável. Essa autoridade poderia garantir decisões céleres, fiscalização proporcional e integração efetiva.

A doutrina constitucional portuguesa oferece instrumentos para esse reequilíbrio. O princípio da proteção dos direitos fundamentais, a exigência de legalidade material e a garantia da tutela jurisdicional são pilares que devem orientar a reconstrução da política migratória. O Estado não pode abdicar desses compromissos em nome de uma lógica de contenção.

A reconstrução normativa exige também participação democrática. As comunidades migrantes, os juristas, os defensores públicos e os órgãos de fiscalização devem ser envolvidos no debate sobre os rumos da política migratória. A exclusão institucional não pode ser combatida com decisões tecnocráticas. É preciso abrir espaço para o diálogo constitucional.

Em tempos de polarização e vigilância, o reequilíbrio da política migratória portuguesa é mais do que uma necessidade técnica - é uma exigência ética e constitucional. O Estado deve ser capaz de proteger sem perseguir, decidir sem omitir e integrar sem excluir. Esse é o desafio que se impõe à luz do crivo constitucional.

5. Conclusão

A política migratória portuguesa revela hoje um impasse constitucional. A coexistência entre fiscalização intensiva e omissão administrativa compromete a coerência normativa do Estado. A Unef vigia com agilidade, enquanto a AIMA silencia diante da obrigação de decidir. Essa dualidade não é técnica - é estrutural. E exige enfrentamento jurídico urgente.

A atuação da Unef, marcada por práticas securitárias, desafia os limites do princípio da proporcionalidade. A intensificação das abordagens, sem critérios transparentes, transforma o espaço público em zona de suspeição. O imigrante deixa de ser sujeito de direitos para tornar-se alvo de vigilância. A jurisprudência do TEDH e do Tribunal Constitucional português alerta para os riscos da normalização da exceção. A fiscalização migratória, quando exercida sem controle, fragiliza o pacto democrático. E compromete a legitimidade do Estado de Direito.

Por outro lado, o silêncio administrativo da AIMA representa uma forma institucionalizada de exclusão. A ausência de decisão não é simples falha de gestão - é violação direta ao princípio da boa administração. Sem resposta, o imigrante permanece num limbo jurídico, impedido de trabalhar, estudar ou aceder a serviços básicos. A jurisprudência do TJUE tem reiterado que o Estado não pode se eximir de decidir em matérias que afetam o estatuto jurídico dos cidadãos. A precarização documental converte-se em vulnerabilidade existencial. E essa vulnerabilidade não é invisível: ela se manifesta no cotidiano, nas barreiras ao crédito, à habitação, à mobilidade. O Estado, ao não decidir, nega existência jurídica. E essa negação é incompatível com os compromissos constitucionais e europeus.

A coexistência entre controlo excessivo e omissão institucional configura uma contradição normativa que exige reequilíbrio. O Estado não pode vigiar sem proteger, fiscalizar sem decidir, punir sem garantir. A Constituição impõe limites materiais à atuação estatal. E esses limites não são obstáculos à segurança - são garantias da democracia.

Reformar a política migratória exige mais do que ajustes administrativos. É preciso reconstruir o pacto constitucional que orienta a relação entre o Estado e os sujeitos migrantes. Isso implica responsabilizar a Unef, vincular prazos à AIMA, reforçar a tutela jurisdicional e harmonizar a legislação com os padrões europeus.

A doutrina constitucional portuguesa oferece os instrumentos para essa reconstrução. O princípio da legalidade, a exigência de fundamentação e o direito à tutela efetiva devem orientar a reforma institucional. A política migratória não pode ser exceção à legalidade - ela deve ser expressão da justiça constitucional. E essa justiça exige decisão, proteção e dignidade.

Entre o controlo e o silêncio, Portugal precisa escolher o caminho da legalidade. A política migratória deve ser compatível com os valores democráticos e os compromissos europeus. O Estado deve proteger sem perseguir, decidir com fundamento e integrar sem excluir. Em tempos de vigilância intensificada, reconstruir garantias é mais do que uma necessidade técnica - é uma exigência ética e constitucional. Porque onde o Estado falha em proteger, a Constituição deve erguer-se como escudo - e como promessa.

Carlos José Britto da Silva
Carlos Britto é advogado há mais de 10 anos, certificado pelo IBMI e HarvardX. Inscrito na OAB/RJ e OA/PT, atua em Direito Administrativo, Internacional, Migratório e Empresarial.

Roberta Facundo
Advogada há 9 anos, atuante em direito Administrativo, Público, Família, Sucessões e Migratório.

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