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Arrendamento rural na reforma tributária: O que todo proprietário e arrendatário precisa saber

Novas regras de IBS e CBS no arrendamento aumentam custos, exigem planejamento e mudam a gestão do negócio rural.

15/9/2025

A reforma tributária está chegando e, com ela, novas regras que prometem impactar diretamente o agronegócio. Se você é proprietário de terras arrendadas ou produtor rural, é fundamental entender como o IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços vão influenciar o seu negócio - e, consequentemente, o seu bolso.

A mudança não afeta apenas o dono da terra; ela pode significar um aumento no custo do arrendamento para o produtor, pois a tendência é que este novo imposto seja repassado no valor do contrato.

O cenário atual: De onde estamos saindo?

Para entender o tamanho da mudança, é preciso olhar para a distinção fundamental que a lei faz hoje entre arrendamento e parceria, dois contratos previstos no Estatuto da Terra, mas com tratamentos fiscais completamente distintos.

O arrendamento é visto pela legislação como um simples "aluguel". Para a pessoa física, que representa a esmagadora maioria dos proprietários de terras, o valor recebido vai direto para a declaração de IRPF - Imposto de Renda. A tributação ocorre conforme uma tabela progressiva que pode chegar a 27,5%, incidente sobre a receita bruta, sem a possibilidade de dedução de custos ou despesas da atividade rural.

Já a parceria agrícola é tratada como atividade rural para ambas as partes. Seus resultados são apurados no livro-caixa, onde as receitas são confrontadas com as despesas, e o imposto incide sobre o resultado líquido. Note que, no regime tributário atual, a preocupação do arrendador pessoa física é apenas com o IRPF.

Nos últimos anos, em grandes polos do agronegócio como o sudoeste de Goiás, por exemplo, acompanhamos uma forte tendência de transferência dessas terras para empresas (Holdings Rurais) como forma de planejamento sucessório. Mas mesmo na pessoa jurídica, a diferença de custo é gritante. Uma empresa no lucro presumido que recebe por arrendamento tem um custo fiscal de até 14,53%, enquanto na parceria esse custo cai para até 6,73%.

Essa diferença brutal leva muitos proprietários a "maquiar" o contrato de arrendamento como parceria para pagar menos tributos. A prática ficou mais tentadora após mudanças no Estatuto da Terra em 2007, que permitiram adiantamentos fixos na parceria, tornando-a parecida com um aluguel.

Contudo, com a eficiência da fiscalização da Receita Federal, que cruza dados de notas fiscais, georreferenciamento e movimentações financeiras, essa prática está cada vez mais arriscada. Defender-se de uma autuação por simulação de negócio jurídico é um desafio considerável.

A tabela abaixo ilustra a carga tributária atual sobre uma receita anual de R$ 1 milhão, mostrando a grande diferença entre os regimes.

Perfil do proprietário

Receita anual do arrendamento (R$)

PIS (R$)

COFINS (R$)

IR / IRPJ+CSLL (R$)

Total tributos do arrendamento (R$)

Carga efetiva

PF - Pessoa Física

1.000.000

0

0

275.000 (IRPF 27,5% — teto ilustrativo)

275.000

27,50%

Pessoa Jurídica – Lucro Presumido

1.000.000

6.500 (0,65%)

30.000 (3,00%)

84.800 (IRPJ 5,60% + CSLL 2,88%)

121.300

12,13%

Pessoa Jurídica – Lucro Real

1.000.000

16.500 (1,65%)

76.000 (7,60%)

340.000 (34% s/ lucro ˜ receita)

432.500

43,25%

Leitura rápida do cenário atual:

A nova regra: Entendendo o IBS e a CBS no arrendamento

A partir de 2026, os valores recebidos pelo arrendamento rural estarão sujeitos aos novos tributos chamados IBS e CBS. Isso significa que, além do Imposto de Renda que você já paga (IRPF ou IRPJ/CSLL), pode ser necessário pagar também esses novos impostos.

Quem precisará pagar o IBS e a CBS?

Para as pessoas jurídicas (como holdings rurais), o enquadramento como contribuinte do IBS/CBS será inevitável.

Se você tem uma propriedade rural registrada como pessoa jurídica (por exemplo, uma holding rural), automaticamente será contribuinte do IBS e CBS.

Já para o proprietário pessoa física, será contribuinte desses impostos apenas quem cumprir, ao mesmo tempo, estas duas condições no ano anterior:

Na minha concepção, se você não preenche os dois requisitos ao mesmo tempo, você não pagará IBS/CBS sobre o arrendamento. Basta estar abaixo de um dos limites para garantir a isenção.

Controvérsia sobre a regra do excesso de 20% do limite anual (R$240 mil)

Atualmente, há dúvidas sobre como interpretar o art. 251 da LC 214/25. Alguns especialistas dizem que qualquer pessoa física que ultrapasse o limite anual em mais de 20% (acima de R$ 288 mil) já teria que pagar esses impostos imediatamente, mesmo que tenha poucos imóveis arrendados (até três).

Eu defendo que a interpretação correta é aquela que só obriga a pagar os impostos imediatamente quem já tem mais de três imóveis arrendados e ultrapassa o limite. Essa visão evita que o proprietário de poucos imóveis e que não tenha organização empresarial pague imposto como se fosse uma empresa imobiliária.

Dica: acompanhar com atenção a regulamentação da LC 214/25 e identificar qual interpretação será adotada.

Exemplos práticos:

A questão controversa das múltiplas matrículas

Aqui surge uma zona cinzenta: o que são "imóveis diferentes"? A legislação ainda não define isso explicitamente, delegando a definição para um regulamento futuro. Isso abre espaço para duas interpretações:

  1. Interpretação registral: Cada matrícula equivale a um imóvel distinto.
  2. Interpretação econômica: Considera a unidade de exploração, conceito já consolidado no Estatuto da Terra (uma fazenda com 4 matrículas, mas operada como unidade única, seria 1 imóvel).

Na minha visão, a tese a ser adotada é a da "unidade econômica", como já ocorre para fins de ITR. No entanto, caso o regulamento não esclareça o ponto, uma estratégia preventiva seria unificar as matrículas.

Entendendo o cálculo e o impacto financeiro

Alíquota reduzida

O arrendamento rural terá uma alíquota de IBS/CBS reduzida em 70% em relação à alíquota de referência.

Crédito para arrendatários

O produtor rural (arrendatário) poderá usar o IBS/CBS pago no arrendamento como crédito, abatendo-o do imposto devido na venda de sua produção. No exemplo acima, ele teria um crédito de R$ 79.500,00 para reduzir os impostos de sua colheita.

Para aproveitar esse crédito sem dor de cabeça, o arrendatário deve:

A seguir, uma projeção da nova carga tributária, considerando o IBS/CBS de 7,95%.

Perfil do proprietário

Receita anual do arrendamento (R$)

IBS/CBS (7,95%) (R$)

IR / IRPJ+CSLL (R$)

Total tributos do arrendamento (R$)

Carga efetiva (%)

Carga Máxima (%)

PF - Pessoa Física

1.000.000

79.500

275.000 (IRPF a 27,5% — teto ilustrativo)

354.500

35,45%

35,45%

Pessoa Jurídica – Lucro Presumido

1.000.000

79.500

84.800 (IRPJ+CSLL = 8,48%)

164.300

16,43%

18,83%

Pessoa Jurídica – Lucro Real

1.000.000

79.500

340.000 (34% s/ lucro, assumido ˜ receita)

419.500

41,95%

41,95%

O que fazer agora: Um checklist para proprietários

Para proprietários com múltiplas matrículas

Para proprietários com alta receita em poucos iImóveis

Para todos os proprietários

Análise do impacto prático

Impacto no fluxo de caixa

Haverá um descasamento financeiro significativo. O dono da terra recolhe e paga os 7,95% de IBS/CBS ao governo logo após receber o arrendamento. Para ele, a saída de caixa é imediata. Já o arrendatário só recupera esse valor como crédito quando vender sua produção, o que pode levar meses. Na prática, a cadeia produtiva estará "emprestando" dinheiro para o governo a custo zero, exigindo um planejamento de capital de giro mais apurado.

Repasse do custo e renegociação de contratos

O IBS/CBS é um custo tributário direto para o dono da terra, que não possui uma cadeia de insumos para gerar créditos de compensação. Portanto, a tendência natural e imediata será o repasse desse custo no preço do arrendamento. É fortemente recomendado que contratos vigentes e de longo prazo sejam reavaliados para evitar atritos.

Aumento de burocracia

Para o proprietário que não for isento, a complexidade administrativa aumentará drasticamente. Ele precisará:

O arrendador, que antes só se preocupava com o Carnê-Leão/IRPF, entrará na lógica de uma empresa, provavelmente precisando contratar um contador.

Pagamento em produto

Essa prática antiga se tornará muito complicada. Ao receber o pagamento em grãos, o proprietário terá que pagar 7,95% de IBS/CBS em dinheiro sobre o valor de mercado do produto. Ao vender esses grãos, a operação será tributada novamente, mas ele terá um crédito para neutralizar este segundo imposto.

Embora não haja dupla tributação efetiva, a alta carga administrativa e o impacto no fluxo de caixa (pagar imposto antes de receber a receita) devem fazer com que os contratos migrem para pagamentos exclusivamente em dinheiro.

Conclusão

A reforma tributária impacta profundamente o arrendamento rural, transformando-o de um "aluguel" em uma operação tributária complexa. Para proprietários e arrendatários, isso significa um novo custo, pressão no fluxo de caixa, mais burocracia e o provável fim do pagamento em produtos.

Diante disso, a adaptação não é uma opção, mas uma necessidade. É hora de fazer contas e se preparar.

Quem planeja, tem futuro! Quem não, tem destino!

Leonardo Amaral
Advogado tributarista, com atuação no agronegócio desde 2005; Mestre em Direito Tributário e professor no Curso de Especialização de Direito Tributário do IBET-GO; Sócio-fundador do escritório Amaral e Melo Advogados e da empresa de consultoria agrícola AgriCompany.

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