A 1ª Seção do STJ, ao julgar o Tema 1.309, enfrentou questão de alta relevância no direito coletivo e no funcionalismo público: os herdeiros de um servidor falecido antes do ajuizamento de ação coletiva sindical podem executar a sentença coletiva posteriormente proferida?
Por maioria, a resposta foi negativa, em voto conduzido pela ministra Maria Teresa de Assis Moura. O entendimento já repercute em debates acadêmicos e práticos sobre a extensão da tutela coletiva e os limites da substituição processual.
A controvérsia em plenário
As teses defendidas durante a sessão foram antagônicas. De um lado, a União sustentou que a substituição processual sindical pressupõe vínculo jurídico entre servidor e entidade representativa. Com a morte, extinguem-se a personalidade civil (art. 6º do CC), o vínculo associativo e o “mandato legal” de representação (art. 682, II, CC). Assim, o espólio, que não é sindicalizado, deveria buscar seus direitos de forma própria.
De outro, a defesa sindical destacou que o núcleo da controvérsia não reside no vínculo associativo, mas na eficácia da sentença coletiva. O sindicato atua em substituição ampla (art. 8º, III, da Constituição Federal e Tema 823/STF), sem necessidade de autorização individual. Os direitos pleiteados têm natureza patrimonial e, portanto, são transmissíveis (arts. 778 e 943, CPC). Negar a execução aos herdeiros apenas em razão do momento do falecimento comprometeria a isonomia e a efetividade da tutela coletiva.
O Ministério Público Federal acompanhou essa linha, frisando que o falecimento não elimina a transmissibilidade de direitos de cunho econômico-financeiro.
O voto da relatora
A ministra Maria Teresa de Assis Moura conduziu a maioria ao entendimento restritivo. Para ela, somente quem integrava a categoria no momento do ajuizamento poderia ser beneficiado. Se o servidor já estava falecido, não seria sujeito de direito nem associado, inviabilizando sua inclusão na tutela coletiva.
Com essa premissa, fixou-se a tese de que os sucessores do servidor falecido antes da propositura da ação coletiva não são beneficiados pela decisão coletiva, salvo previsão expressa em contrário. O objetivo declarado foi uniformizar a jurisprudência em sede de recurso repetitivo.
A divergência: Transmissibilidade dos direitos patrimoniais
A divergência foi aberta pelo ministro Afrânio Vilela, acompanhado por Marco Aurélio Belizze e, em parte, por Teodoro Silva Santos. Para Vilela, os direitos discutidos em ações coletivas de natureza remuneratória são patrimoniais e, portanto, transmissíveis. Ainda que o falecimento ocorra antes do ajuizamento, os herdeiros poderiam executar eventual condenação.
O voto dialogou com o Tema 823 do STF, que reconhece a legitimidade ampla dos sindicatos na substituição processual, inclusive em liquidação e execução. Também se amparou nos arts. 778, §§1º e 2º, e 943 do CPC, que asseguram a continuidade da execução pelos sucessores quando há direito transmissível.
O ministro destacou, ainda, o aspecto de justiça material: excluir famílias em razão de poucos dias ou semanas de diferença na data do óbito resultaria em desigualdades inaceitáveis, enfraquecendo a função protetiva da tutela coletiva.
Reflexos práticos da decisão
O resultado pacifica divergências internas no STJ, mas projeta efeitos relevantes:
- Restrição da tutela coletiva: herdeiros e pensionistas ficam excluídos de decisões potencialmente favoráveis.
- Crescimento do contencioso individual: sucessores deverão ajuizar ações próprias, mesmo quando o mérito já esteja pacificado coletivamente.
- Paradoxo institucional: a decisão fortalece a coerência formal da jurisprudência, mas fragiliza a efetividade da jurisdição coletiva, afastando justamente aqueles que mais precisariam de sua abrangência.
Pensionistas x sucessores
Antes da tese firmada pelo STJ, ainda que houvesse divergência, admitia-se um tratamento diferenciado, sobretudo em relação aos pensionistas. Com o entendimento consolidado pela 1ª Seção, observa-se a equiparação, estendendo-se aos pensionistas o mesmo tratamento conferido aos demais sucessores. O exame do caso concreto tratado no REsp 2.144.140/CE, julgado pelo rito dos repetitivos, evidencia esse posicionamento, especialmente no que se refere à negativa de habilitação de pensionista.
A situação dos pensionistas era considerada sensivelmente distinta, dado que a pensão estabelece um vínculo jurídico próprio e direto entre a entidade pagadora e o beneficiário, que não se confunde com a sucessão patrimonial do servidor.
Por essa razão, a jurisprudência vinha reconhecendo tratamento diferenciado ao pensionista, admitindo que a legitimidade extraordinária do sindicato o alcance mesmo nos casos em que o servidor já havia falecido antes da ação de conhecimento.
Assim, enquanto a limitação da legitimidade dos sucessores se explicava pela ausência de vínculo jurídico direto, a negativa aos pensionistas mostrava-se incompatível com a lógica de uniformização e com a tutela coletiva assegurada pelo art. 8º, III, da Constituição, o que agora foi superado com o Tema 1.309.
Considerações finais
O Tema 1.309/STJ evidencia uma escolha jurisprudencial relevante: privilegiar a lógica formal do vínculo associativo em detrimento da transmissibilidade sucessória de direitos patrimoniais. O precedente oferece segurança jurídica, mas consolida uma visão restritiva da tutela coletiva, que pode limitar valores constitucionais como o acesso à justiça e a proteção do núcleo familiar.
Sob a ótica do direito coletivo sindical, contudo, a tese divergente parece melhor se harmonizar com a principiologia constitucional. Ao reconhecer que os direitos patrimoniais são transmissíveis e que a atuação sindical não decorre de mandato civil, mas de legitimação constitucional ampla, a posição vencida prestigia a isonomia, assegura efetividade à tutela coletiva e preserva a função social do processo coletivo como instrumento de democratização do acesso à justiça e de proteção integral da categoria.
Para a advocacia sindical e para o direito administrativo, o julgamento impõe redobrada atenção: será necessário mapear situações em que herdeiros e pensionistas deverão buscar a via individual. A reflexão que se impõe é se a uniformização jurisprudencial alcançada corresponde, de fato, ao ideal de justiça material que se espera do processo coletivo em nosso sistema constitucional.